Aumento do número de mortes nas últimas semanas será a tendência mais preocupante, quando olhamos de forma mais global para a evolução da covid-19 em Portugal. Análise por idades revela um crescimento da percentagem de jovens adultos entre os novos casos desde o início da crise, mas que travou nas últimas duas semanas. Em meados de maio, o milagre português ainda era a narrativa. Entre os dias 1 e 15, o número médio de casos era de 235 por dia, a pandemia não estava concentrada em nenhuma zona do país e até já tinha existido um dia (11 de maio) com menos de 100 casos. Por outro lado, os óbitos também estabilizavam em apenas um dígito em cada 24 horas. Os indícios apontavam para um desconfinamento (iniciado a 4 de maio) bem sucedido. A história que começa na segunda metade de maio tem ocupado os pensamentos coletivos do país desde então: um aumento persistente do número de casos, que nos últimos dias tem ficado muitas vezes acima dos 400, e com epicentro na região de Lisboa e Vale do Tejo (média de 82,8% dos casos em Portugal, no mês de junho e no que já decorreu de julho).
A evolução do número de casos por semana (que elimina os altos e baixos registados nos vários dias, provocados por fatores como a diminuição do número de testes realizados ao fim de semana) mostra como estamos quase no mesmo ponto do início do desconfinamento: na semana de 4 a 10 de maio registaram-se 2.299 casos, de acordo com os dados oficiais da Direção-geral da Saúde (DGS), na última semana completa (29 de junho a 5 de julho) assinalaram-se 2.251.
A curva é de cariz ascendente desde meados de maio, mas muito longe do pico da crise, em meados de abril – na pior semana, de 30 de março a 5 de abril, somaram-se 5.316 novos infetados. As restantes curvas dos principais fatores com que medimos a crise têm desenhos muito similares.
A curva com a evolução do número de mortes tem contornos um pouco diferentes: como pode ver em baixo, houve uma diminuição acentuada no pós-desconfinamento, que só sofreu uma inversão a partir da última semana de junho: se de 15 a 21 há a registar 13 mortos, o valor quase triplicou na semana seguinte e voltou a aumentar na última semana completa (50, entre 29 de junho e 5 de julho). Esta semana, com dois dias por apurar, há 32 óbitos.
Há dois outros valores que preocupam muito as autoridades de Saúde e que têm sido o maior conforto do Governo: o dos internados e doentes e cuidados intensivos. Isto porque ter estes números controlados garante que o Serviço Nacional de Saúde mantém capacidade de resposta e que a situação sanitária não se descontrola – as considerações económicas ficam aqui à parte.
Peritos que apoiam o Governo, ouvidos pelo Expresso em maio, apontam o limiar dos 1.200 internados como aquele a partir do qual devem começar a soar as campainhas de alarme. Esse valor foi superado em meados de abril, no pico da crise, e tem desde então descido progressivamente, mesmo após o início do desconfinamento. A tendência de regresso à subida só se tem verificado a partir de 8 de junho, sendo natural que o aumento de casos seja anterior (o agravamento de sintomas conduz depois a internamentos).
O valor mínimo pós-desconfinamento atingiu-se a 8 de junho (366 pessoas) e neste momento vai em 471. Já é um aumento de 28,7%, mas os valores absolutos ainda estão longe, muito longe, dos temidos milhares. Porém, se compararmos com a evolução dos casos ativos entre as mesmas datas, o crescimento é percentualmente inferior: 11,8% (de 12.244 pessoas para 13.683).
A curva de evolução dos doentes que tiveram de ser conduzidos aos cuidados intensivos é muito semelhante à dos internados, como se pode ver abaixo. O valor mais baixo no pós-desconfinamento foi atingido no mesma dia (8 de junho) e a partir daí há um aumento de 32,7% até esta quinta-feira (73 casos). Muito longe do pico, a 7 de abril, de 271 casos graves.
A divisão dos casos por grupos etários, numa análise semanal , pode também ajudar a perceber a evolução da pandemia em Portugal. Temos de nos basear na análise dos novos casos porque a DGS não fornece, nos seus relatórios, a caraterização por idades (ou região de origem) dos doentes internados ou em unidades de cuidados intensivos.
Assim, dividimos os dados em quatro grandes grupos etários: dos 0 aos 19 anos (crianças e adolescentes), dos 20 aos 39 (jovens adultos), dos 40 aos 69 (meia-idade) e 70 ou mais anos (idosos). A análise das curvas (em que deve ser dada menos relevância às primeiras semanas, visto que o número de casos era ainda reduzido), mostra uma tendência para o crescimento da percentagem de jovens adultos entre os novos casos.
O pico foi de 40,86% dos novos casos na semana de 1 a 7 de junho, em que esta faixa etária foi a mais relevante. E os infetados mais jovens têm, como todas os dados científicos confirmam, probabilidades bastante mais reduzidas de contrair a doença numa forma grave. Estes 40,86% correspondem a 896 novos infetados neste período, seguindo-se o grande grupo dos 40 aos 69 anos (37,85% dos casos, 796 em número absoluto).
No entanto, desde essa data que a importância dos jovens adultos no bolo dos novos infetados tem vindo a baixar, assistindo-se a uma recuperação da faixa etária a que damos o rótulo de meia-idade, que tem sido quase sempre a responsável pela maior fatia dos casos, como mostra o gráfico. Os dados disponíveis não são suficientes para se tirarem grandes conclusões: por exemplo, terá sido esta faixa etária a mais protegida pelo teletrabalho e volta agora a estar mais exposta? Também é verdade que, por opção, “engordamos” esta fatia da população com três décadas: esta análise do Expresso parte de dados da DGS em que as faixas etárias estão divididas de 10 em 10 anos, até aos 80 anos.
Em relação aos outros dois extratos que criámos, é notório que os maiores de 70 anos perderam peso: chegaram a representar quase 30%, de 6 a 12 de abril – resultado de maior resistência em cumprir regras de distanciamento social? – , caindo mais tarde para menos de 10% do total de novos infetados (na semana de 8 a 14 de junho). Nas últimas semanas, esta faixa etária tem voltado a crescer, até perto dos 20%: com um "empurrão" dos casos registados em lares e/ou de um maior relaxamento em relação a medidas de confinamento e proteção?
A última faixa etária de que falamos é a menos relevante: a dos jovens dos 0 aos 19 anos, quase sempre na cauda da lista e cuja percentagem mais alta foi registada na primeira semana (incompleta) da crise pandémica em Portugal, de 3 a 8 de março: os 16,67% são respeitantes a apenas cinco casos em número absoluto. Não podemos ir além do dia 5 de julho nesta análise, visto que a semana que começou a 29 de junho foi a última em que a DGS apresentou os dados divididos por faixas etárias e por concelhos (texto dos jornalistas do ECO digital, Esteves e João Pedro Barros e Rafael Marchante)
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