quarta-feira, julho 24, 2019

Nota: a comunicação social e os incêndios, apenas uma refexão

Confesso que tenho reflectido, sem qualquer pressão ou propósitos de obtenção de conclusões, sobre a pretensa "cumplicidade" (cuidado com as aspas...) entre a comunicação social e os incêndios, indo ao encontro dos argumentos que muita gente utiliza, influenciados pela dúvida sobre se não é a dimensão mediática garantida aos incêndios florestais pelos meios de comunicação social, uma das causas dessa criminosa febre social.
É sabido, não o nego, que o comportamento de muitos meios de comunicação social não é exemplar, pela forma especulativa e mediatizada como usam estas desgraças, com garantido impacto social, para tentarem cativar seguidores, vencerem nas guerras das audiências (ou das vendas) - factores importantes na obtenção de receitas publicitárias -  socorrendo-se de muita especulação.
Tenho reflectido mas não cheguei  a nenhuma conclusão, embora não tenha receio nenhum, repito, receio nenhum. de colocar em cima da mesa todos os desfechos possíveis, apesar de imperar no meu íntimo a noção sagrada de que a informação não deve ser censurada nem muito menos ser manipulada para ser adaptada em função de interesses sejam eles quais forem.
Contudo, neste caso concreto dos incêndios florestais, e depois do que se passou recentemente, há poucos anos, em Portugal que matou em escassos dias mais de 80 pessoas e provocou uma destruição de milhares de milhões de euros,  acho que é provavelmente chegado o tempo certo para que os próprios profissionais e os meios de comunicação social debatam esta situação em concreto, nomeadamente a necessidade de saber se a atitude dos mídia tem sido a mais correcta, se se justificam as horas de emissão, repetitivas e que nada adiantam de novo em termos informativos, que não ajudam a esclarecer nada - no caso de alguns meios de comunicação social, sobretudo televisivos, as reportagens em directo chegam ao ridículo de colocar o repórter a encher um balde de rega de jardim ou a dedicar um tempo enorme a ouvir uma senhora com uma pequena mangueira de jardim como se isso fosse recomendável quando o sinistro atinge determinada dimensão ou ameaça pessoas e bens.
Ressalvando a obrigatoriedade da divulgação de informações oficiais dirigidas às pessoas, acho que é tempo de haver um debate sério, pragmático, muito pragmático, isento e que não seja condicionado por teorias idiotas que nada tem a ver nem com a liberdade de imprensa, nem com o direito a ser informado, nem com o direito a informar.  Tem a ver, apenas e só, em saber se os bandidos são incentivados na sua tendência criminosa pelo mediatismo que os fogos alcançam sempre nas televisões, se os incendiários sao usados por terceiros alimentados por esse mediatismo, se estamos perante questões de doença dos criminosos ou se se tratam de crimes em relação aos quais a justiça portuguesa continua a parecer não ter uma moldura penal exemplar e dissuasora.
Sei que não há, até este momento, estudos que validem nenhuma das argumentações em confronto, mas provavelmente chegamos a um tempo em que essas entidades vocacionadas para esse tipo de trabalho passarem,  em vez de andarem a perder tempo com teorias que pouco ou nada interessam às pessoas, a direccionar as suas atenções para esta matéria, para percebermos o que pensam as pessoas do tema, o que recomendam, o que criticam ou aplaudem, etc.
A própria entidade reguladora, nomeadamente  a ERC, devia ser chamada a ter um papel mais activo nesta reflexão tendo em vista a eventual aprovação de uma cartilha de procedimentos - quem sabe ser tal não seria possível - que regule a atitude dos mídia nesta matéria em concreto. Pessoalmente duvido, porque há televisões e alguns jornais, que vivem da especulação permanente, que sobrevivem em função do empolamento em torno de notícias que cheiram a "sangue" e que se necessário for, repetem 4, 4 ou 5 vezes por dia e cinco, oito, dez ou mais vezes por semana!
Tem havido influência, sim ou não, da modelo sensacionalista e mediatizado de cobertura dos incêndios florestais no Verão, nas atitudes pirotécnicas criminosas dos incendiários, uns apanhados pelas autoridades, outros suficientemente habilidosos para continuarem soltos e impunes? Até que ponto os meio de comunicação social exageram na cobertura noticiosa dos incêndios florestais, alimentando horas consecutivas de emissões televisivas com imagens repetitivas, mesmo quando os incêndios estão alegadamente (fonte oficial) circunscritos ou controlados? É jornalisticamente sério utilizar reportagens e imagens passadas, ultrapassadas no tempo, porque a evolução dos acontecimentos o comprovam, apenas para que as televisões, envolvidas em guerras de audiências entre si, mantenham no ar o tema, sem que propriamente tenham em termos informativos novidades? Será que os jornalistas se sentem  realizados e se revêm nessa postura?  Há ou não um exagero, em termos de cobertura mediática, sobretudo das televisões, em relação à questão dos incêndios florestais que pode muito bem ser a causa - será? - de actos criminosos por todo esse país fora? Repito, não tenho respostas, mas gostaria de as ter, devidamente fundamentadas (LFM)

Nota: como complemento de leitura deixo estes links que me pareceram interessantes (aqui, aqui e aqui). Recordo também que em 2017 deu entrada na Assembleia da  República uma petição solicitando o fim da cobertura mediática dos incêndios florestais e que a ERC, em Julho de 2018, pediu aos jornalistas mais ponderação na cobertura informativa dos incêndios e calamidades. Também em 2017 o Sindicato dos Jornalistas pediu cobertura sóbria dos incêndios

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