quarta-feira, março 20, 2013

Opinião: "EUROPA AO FUNDO"

"Surpreendentemente – dado que foio sob a sua liderança que a Europa mergulhou numa das suas piores crises de sempre, com tensões sociais ainda latentes, com um desemprego a níveis nunca antes vistos, com vários países da Europa confrontados com recessão generalizada, ausência crónica de crescimento económico e crise do défice das contas públicas, o presidente da Comissão Europeia resolveu enviar uma carta aos líderes europeus em vésperas de mais um Conselho Europeu, manifestando a preocupação da Comissão com os denominados “custos sociais da crise”, que os europeus precisam urgentemente de combater.
Durão Barroso chama a atenção dos líderes europeus para as questões da competitividade e do combate ao desemprego jovem: "Ainda não saímos da crise, como mostram os níveis inadmissivelmente elevados do desemprego”. Segundo o presidente da Comissão, os ajustamentos para corrigir a dívida e o défice "continuam a pesar extraordinariamente no crescimento a curto prazo" pelo que "as consequências sociais da crise dão um motivo de preocupação particular para a Comissão".
"Todos estamos preocupados com os níveis elevados de desemprego jovem, e ao longo de vários Conselhos Europeus já tomámos importantes decisões para combater este flagelo", conclui. O problema de Barroso é que os efeitos da crise europeia não se limitam ao desemprego jovem, apesar da gravidade dos indicadores estatísticos neste domínio.
De facto, são várias as personagens europeias que começam a evidenciar sinais de preocupação com a situação na União. O alemão Martin Schulz, Presidente do Parlamento Europeu entende que “a Europa está em risco de perder uma geração se nada for feito para proteger os jovens” o que explica que tenha insistido na ideia polémica mas realista, que “se houve 700 mil milhões de euros para salvar os bancos, devemos ter pelo menos tanto dinheiro para estabilizar a geração jovem dos países em dificuldade”. “Salvámos os bancos, mas estamos a correr o risco de perder uma geração. Uma das maiores ameaças é que as pessoas perdem inteiramente a confiança na capacidade da União Europeia para resolver seus problemas. E, se a geração mais jovem está a perder a esperança, então aos meus olhos a União Europeia está em perigo real" afirmou Schulz em entrevista à agência Reuters.
Não duvido que estas declarações de Schulz escondem um profundo desânimo ante a ameaça de falhanço do projeto europeu, sem que esta União Europeia, em grande medida devido a uma Comissão Europeia fragilizada, impotente e refém de intoleráveis jogos de interesses e de criminosos egoísmos nacionalistas no seio do espaço comunitário, possa fazer seja o que for para inverter uma tendência perigosa de autodestruição.
Recordo que o Presidente do Parlamento Europeu foi recentemente interpelado por uma espanhola durante um debate sobre o futuro dos jovens europeus e a ideia de que estão a ser abandonados pelos governos para que os bancos pudessem ser salvos."Ela efetivamente levantou a questão: Vocês deram 700 mil milhões de euros para o sistema bancário, quanto dinheiro têm para mim? E qual é a minha resposta? Se temos 700 mil milhões de euros para estabilizar o sistema bancário, devemos ter pelo menos tanto dinheiro para estabilizar a geração jovem desses países", disse este socialista alemão que denunciou ainda o facto de os europeus serem “os campeões mundiais em cortes, mas temos menos ideias quando se trata de estimular o crescimento".
Praticamente na mesma altura foi a vez do primeiro-ministro do Luxemburgo e ex-chefe do Eurogrupo, Jean-Claude Junker, admitir que a crise europeia pode gerar numa futura guerra! Nem mais. Junker, que sempre manifestou dúvidas sobre o radicalismo de processos de ajustamento que estagnam a economia e geram desemprego e mais pobreza, foi claro: “Quem acredita que a eterna questão da guerra e da paz na Europa não pode voltar a ocorrer está completamente errado. Os demónios não desapareceram, estão apenas a dormir, como foi demonstrado pela guerra na Bósnia e no Kosovo”, disse a uma revista alemã.
Este antigo alto responsável europeu manifestou-se preocupado com a crise valores europeia mas sobretudo com o impacto de uma crise económica e social nas sociedades europeias: “A maneira como alguns protagonistas da política alemã se têm referido à Grécia, um país severamente atingido pela crise, deixou feridas profundas na sociedade helénica. Da mesma forma, assustou-me ver manifestantes em Atenas dar as boas-vindas à chanceler alemã, envergando uniformes nazis. De repente ressurgem ressentimentos que se pensava terem ficado completamente para trás. Também a campanha eleitoral italiana foi excessivamente anti-alemã e anti-europeia”.
Estas terão sido – e foram certamente - declarações das mais importantes proferidas na Europa nos últimos tempos e por isso merecedoras de uma profunda e urgente reflexão que ainda não foi feita, pese a preocupação manifestada na última reunião do Conselho Europeu com o impacto do desemprego sobretudo entre os jovens: “É a única oportunidade de não ficarmos de fora do mundo. Os chefes de governo da França, Alemanha e Grã-Bretanha estão conscientes de que a sua voz apenas é ouvida internacionalmente porque é transmitida através do megafone da União Europeia”. Obviamente que o antigo Presidente do Eurogrupo reafirmou que “não há outro caminho a não ser uma sólida política orçamental, por mais impopular que possa ser. Não se pode fazer uma má política só pelo medo de não ser reeleito novamente. Quem governa deve assumir a responsabilidade pelo seu país e pela Europa”.
Este é o reverso deste descalabro europeu, em parte expresso no paradoxo de posições tomadas por alguns políticos europeus que por um lado alertam para ameaças e perigos, mas por outro proferem declarações adicionais contraditórias, que questionam as que foram antes foram feitas num determinado contexto, contradizendo-se e esbatendo-as na teimosa insistência na apologia de opções que estão erradas e que geram desastres sociais que aos poucos de estão a disseminar, alastrando-se a toda a Europa, caso não sejam travadas por via da ponderação de alternativas que conciliem o rigor orçamental com o crescimento económico e a criação de emprego.
Aliás, não é por acaso que o próprio Presidente da União Europeia, Rampoy, afirmou na semana passada em Bruxelas que "a situação em toda a Europa é de grande preocupação. Após três anos de trabalho árduo para ultrapassar a crise, regressámos a uma estabilidade relativa, a uma estabilidade financeira - que é pré-condição para tudo o resto. Mas estes resultados ainda não se estão a traduzir num crescimento mais forte e em mais empregos. É isto que mais magoa as pessoas agora". Um claro reconhecimento de que a Europa está a perder a batalha pelo emprego.
Pergunta-se: é com esta Comissão Europeia enfraquecida e com este Presidente da Comissão (Barroso) contraditório, receoso, ultrapassado e impotente para inverter esta tendência, que a Europa vai dar a volta e reconquistar a confiança e o apoio dos cidadãos europeus? Desconfio. O que temo é que a Europa se esteja a desintegrar-se aos poucos, caminhando para a sua própria destruição. O que seria trágico. Mas, no atual contexto social gravíssimo, uma ameaça plausível" (LFM/JM)