terça-feira, agosto 28, 2012

Opinião: "Sobre a Zona Franca da Madeira"

"Deixemo-nos de demagogias: existindo zonas francas (ou "off-shores", ou paraísos fiscais, como se lhes queira chamar) a nível global, confesso que não percebo as decisões que têm sido tomadas quanto à ZFM [Zona Franca da Madeira]. As coisas são o que são e, por mais que se gostasse que assim não fosse, a verdade é que Portugal é uma pequena economia aberta, com reduzido peso e poder de influência a nível global e também europeu. Neste contexto, quaisquer decisões que sejam tomadas e que impliquem alterações ao enquadramento e às condições que o País tem para oferecer, seja em que área ou sector for, não poderá – nem deverá – deixar de levar em conta que não estamos sozinhos no Mundo. E que não o podemos mudar, ou mesmo influenciar, como desejaríamos. Vem esta reflexão a propósito da decisão do anterior Governo (já num período de gestão), de suspender o processo de negociação com a Comissão Europeia (CE) sobre o prolongamento no tempo do regime favorável de benefícios fiscais ao Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM, mais conhecido como "Zona Franca da Madeira", ZFM) e de manutenção dos limites (plafonds, ligados à criação de postos de trabalho) sobre os quais incidem esses benefícios. O actual Governo abriu, entretanto, as negociações com a CE em torno dos limites dos benefícios fiscais à disposição das empresas instaladas na ZFM (com o propósito de lhes proporcionar condições fiscalmente competitivas face a praças financeiras europeias de natureza semelhante); no entanto, ao mesmo tempo, assumiu, no Orçamento do Estado para 2012, o corte de benefícios fiscais às empresas, nomeadamente do sector financeiro, que funcionavam no CINM. Todo este enquadramento, muito incerto, mas recheado de factos negativos tem, obviamente, sido bastante prejudicial para a ZFM. Desde 2011, por força dos desenvolvimentos acima referidos, abandonaram o CINM em direcção a outros centros (europeus e não só) de natureza semelhante, várias centenas de empresas que deixaram de contribuir para a receita em sede de IRC num valor anual estimado próximo de EUR 200 milhões.
Muitas vezes, sobretudo com fins de aproveitamento político, a ZFM é apelidada como "off-shore da Madeira", ou "paraíso fiscal", sendo-lhe atribuída uma óbvia conotação negativa. Penso que quer as decisões que foram recentemente tomadas, quer a forma como o CINM é normalmente abordado no nosso País (muito politiqueira), são nocivas para os interesses da Madeira e de Portugal. Porque a verdade é esta: deixando de existir os privilégios fiscais de que beneficiavam as empresas que aí se instalavam, estas pura e simplesmente deslocalizam-se para outras paragens concorrentes. E nem é preciso ir para fora da
União Europeia: Holanda, Áustria, Polónia, Luxemburgo, Malta, Chipre, "Channel Islands" britânicas Ou, fora da UE, Ilhas Cayman ou Macau, entre muitas outras. Naturalmente, foram estas praças financeiras que ficaram a ganhar Quem perdeu? Óbvio: a Madeira e Portugal. Porque, deixemo-nos de demagogias: existindo zonas francas (ou "off-shores", ou paraísos fiscais, como se lhes queira chamar) a nível global, confesso que não percebo as decisões que têm sido tomadas quanto à ZFM. Porque, num tempo de globalização e de fácil deslocalização de empresas e investimentos, o capital move-se com um estalar de dedos para onde encontra as condições mais favoráveis. Também do ponto de vista fiscal. Sem contemplações. Por isso, quando se ouve determinados (pseudo) moralistas perorarem contra a ZFM, exigindo o seu fim ou a retirada das condições fiscais favoráveis para as empresas lá instaladas, porque dessa forma seria captada uma receita fiscal incomparavelmente superior, sinceramente, tenho dificuldade em perceber se o fazem por desconhecimento, ou por outra qualquer razão mais politiqueira ou demagógica. Porque, como está bem à vista com este exemplo, se as condições deixarem de ser interessantes e atractivas, pura e simplesmente as empresas deslocalizam-se para outras paragens (onde essas condições existem) – e a suposta subida da receita fiscal acaba por redundar em zero. Ora, pergunto eu: não será "alguma receita" melhor do que "nada" (para mais quando, no caso da ZFM, a receita aí cobrada era muito relevante, ascendendo a cerca de do total da receita fiscal da Madeira)?!... E neste caso nem se pode argumentar que se trata de uma exigência europeia. Não: como acima já apontei, praças financeiras de natureza semelhante à da ZFM continuam a existir sem quaisquer problemas na Europa. E que dizer quando se compara a atitude das autoridades nacionais neste caso com o que aconteceu com as famosas "golden shares" (em que, contra a corrente comunitária, se tentou, até ao limite do possível, manter as ditas?...).
Uma chamada de atenção final: não estamos, evidentemente, a tratar do fim de paraísos fiscais, zonas francas ou "off-shore" a nível global. Seja lançada uma iniciativa neste sentido que conte com apoios que lhe permitam ter pés para andar, e serei um subscritor entusiasta. Até lá, tratar a ZFM como ela tem sido tratada, não é mais do que um perfeito absurdo e uma demagogia sem limite que só prejudica a Madeira e Portugal
" (texto de Miguel Frasquilho, publicado no Jornal de Negócios, com a devida vénia)

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