sexta-feira, julho 15, 2011

Apresentação da sobretaxa extraordinária

"Intervenção do Ministro de Estado e das Finanças na apresentação da sobretaxa extraordinária

I. Enquadramento
Na segunda metade do século XX Portugal cresceu rapidamente e juntou-se ao grupo dos países desenvolvidos. Entre 1950 e 2000 o produto per capita em ppps no País cresceu em média cerca de 4 % por ano de acordo com as estimativas da penn world tables recentemente publicadas [1]. Neste período Portugal foi um dos países que mais cresceu na Europa e no Mundo. Transformou-se de um país predominantemente agrícola e rural num país predominantemente urbano e produtor de serviços. Os indicadores de educação, saúde e segurança social progrediram fortemente.
O número de alunos matriculados no sistema de ensino cresceu.
Em 2009, a percentagem de jovens matriculados com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos situou-se nos 81%, atingindo Portugal pela primeira vez a média dos países da OCDE.
O sistema de segurança social que hoje conhecemos - que nos proporciona um seguro contra a velhice, a doença e o desemprego - não existia em 1960. A melhoria das condições de vida é também evidente no significativo aumento da esperança de vida dos portugueses.
Em 1960 a esperança de vida das mulheres à nascença era de 67 anos e passou para os 80 anos em 2000.
Neste período de 50 anos Portugal erradicou definitivamente a ameaça malthusiana da fome e da morte prematura.
No entanto, desde o início dos anos 2000 que a economia portuguesa tem tido um crescimento fraco e abaixo da média da área do euro.
A economia registou uma perda de competitividade externa, crescimento do desemprego, persistentes e elevados défices na balança corrente, persistentes e elevados défices orçamentais e baixo crescimento da produtividade. Neste período, as responsabilidades líquidas sobre o exterior cresceram rapidamente e ultrapassaram os 100% do PIB (107,5% em 2010). O défice orçamental foi frequentemente superior a 3% do PIB e em 2010 situou-se em 9,1% do PIB. O rácio da dívida pública também aumentou rapidamente.
Sendo assim, os maiores desafios da economia portuguesa são, em minha opinião:
§ Crescimento da produtividade e competitividade;
§ Crescimento económico sustentado e criação de emprego;
§ Correcção dos desequilíbrios macroeconómicos fundamentais;
§ Reforço e generalização da concorrência e transformação da estrutura produtiva da economia portuguesa.
Portugal vive hoje uma grave crise no contexto da crise da dívida soberana na área do euro. As vulnerabilidades estruturais e debilidades já referidas manifestaram-se de uma forma aguda. O programa de assistência económica e financeira, acordado com a União Europeia e o FMI, baseia-se em três pilares: primeiro, consolidação orçamental visando o estabelecimento do equilíbrio das contas públicas; segundo, acções visando a manutenção da estabilidade financeira; e, terceiro, um conjunto amplo de medidas estruturais visando melhorar a competitividade e potencial de crescimento.
O programa implica, assim, uma agenda de transformação profunda da economia e da sociedade portuguesa. No fim do processo Portugal terá saído da crise com uma economia competitiva e regressado ao desempenho económico que caracterizou a segunda metade do século XX. Portugal triunfará como economia aberta e competitiva na Europa e no Mundo.
A magnitude da crise em que nos encontramos torna urgente a mudança e requer o esforço de todos. Portugal tem de realizar um significativo ajustamento financeiro. O cumprimento dos objectivos e das medidas previstas no programa é um instrumento para concretizar uma transformação estrutural sem precedentes na história recente. Este é o caminho para um novo ciclo de prosperidade, crescimento e criação de emprego.
II. Cenário macroeconómico
O Ministério das Finanças procedeu à actualização do cenário macroeconómico para a economia portuguesa no quadro do programa de assistência económica e financeira. Esta actualização está em linha com as projecções recentemente divulgadas pelo FMI, CE e Banco de Portugal. As projecções apontam para uma contracção da actividade económica no ano corrente e no próximo, seguida de uma recuperação económica expressiva apenas a partir de 2013. Para 2011, estima-se uma contracção do PIB de 2,3%, e para 2012 de 1,7%. As projecções do MF estão apresentadas na página 2 do
documento de suporte [PDF] e as projecções das quatro instituições estão na página 3.
A contração da atividade económica esperada para 2011-2012 reflete a dinâmica de todas as componentes da procura interna. A quebra é particularmente acentuada ao nível do investimento em 2011.
Tal é resultado das perspectivas menos optimistas dos empresários quanto à evolução da economia e das restrições de financiamento extremamente exigentes que caracterizam a atual conjuntura. O consumo privado deverá cair 4,5% em 2011 e 3,3% em 2012. Este ajustamento resulta de uma alteração do padrão do consumo das famílias em resultado das medidas de consolidação orçamental, das restrições de financiamento e do aumento do desemprego.
De facto, a taxa de desemprego deverá continuar a aumentar e atingir 13,2% em 2012. Por último, o processo de consolidação orçamental justifica igualmente uma significativa diminuição do consumo público nos dois anos em análise.
Em contrapartida, as exportações terão um contributo positivo para o crescimento económico em 2011-2012, apesar de alguma desaceleração face a 2010. As exportações deverão crescer 6,7% em 2011 e 5,6% em 2012.
Já as importações deverão cair 4,8% em 2011 e 1,3% em 2012, o que irá contribuir para a gradual correção dos actuais desequilíbrios macroeconómicos externos.
Este cenário deve ser encarado com especial prudência. Existe claramente um nível não negligenciável de incerteza associada a factores de ordem interna e externa. Saliento em particular:
(i) A possibilidade de uma redução menos significativa do consumo privado;
(ii) Um eventual agravamento adicional das condições de financiamento da economia portuguesa;
(iii) A possibilidade de uma evolução mais desfavorável da procura externa em resultado de um menor crescimento económico dos nossos principais parceiros comerciais.
O cenário agora apresentado é usado no arranque do processo orçamental descrito na página 4 do
documento de suporte [PDF]. Naturalmente, o cenário poderá ser revisto para reflectir a evolução entretanto verificada e informação relevante sobre a evolução previsível.
III. Estratégia de consolidação orçamental
A estratégia de consolidação orçamental assenta num programa de médio prazo. A consolidação será centrada na redução da despesa pública. Em concreto, a redução da despesa corresponderá a dois terços do esforço de consolidação global, sendo que um terço do esforço será suportado pelo aumento da receita. O Governo enfrenta desde já três desafios na área orçamental:
§ Em primeiro lugar, assegurar o cumprimento do objectivo orçamental para 2011;
§ Em segundo lugar, elaborar um documento de estratégia orçamental para o conjunto das administrações públicas contendo o enquadramento da política orçamental a médio-prazo;
§ Em terceiro lugar, preparar o orçamento do estado para 2012, tomando as medidas necessárias que garantam o cumprimento dos objectivos acordados.
Estes três desafios desenvolvem-se num enquadramento específico, condicionado pelas medidas incluídas no programa de assistência económica e financeira.
De acordo com este programa, as autoridades comprometeram-se a possibilitar a emissão de obrigações bancárias garantidas pelo estado até ao montante de 35 mil milhões de euros. As autoridades portuguesas assumiram também o compromisso de reforçar o mecanismo de apoio à solvabilidade bancária com recursos até ao montante de 12 mil milhões de euros.
No Ecofin de 3.ª-feira passada, ficou decidido que os Estados-membros deveriam tornar explicito os mecanismos disponíveis para assegurar a estabilidade financeira. Desta forma, o Governo tomará iniciativas para garantir a total disponibilidade dos montantes previstos no programa.
Por outro lado, e também de acordo com o programa, o documento de estratégia orçamental será apresentado até ao final de agosto de 2011, com base nos levantamentos que estão em curso. O documento incluirá:
§ O cenário macroeconómico e orçamental a 4 anos;
§ Os objectivos fixados em termos de sustentabilidade das finanças públicas;
§ As medidas definidas no programa de assistência económica e financeira e outras que o governo decida apresentar.
Estas medidas serão explicitadas em detalhe. Para cada uma delas constará o impacto financeiro esperado, bem como o calendário de execução.
O orçamento do estado para 2012 será enquadrado pelos tectos de despesa a estabelecer para 2012 e pelos objectivos do programa de médio prazo estabelecidos no documento de estratégia orçamental.
Devo salientar que o conselho de ministros iniciou no passado dia 7 de julho o processo de preparação do documento de estratégia orçamental e do orçamento do estado para 2012, tendo para esse efeito acordado um calendário de procedimentos que tornou público (disponível na página 4 do
documento de suporte [PDF]).
O primeiro passo foi a nomeação dos interlocutores políticos e técnicos de cada ministério. Este passo ficou concluído na passada 6.ª-feira. Estão actualmente a decorrer reuniões entre estes interlocutores e o MF (até 20 de julho). Estas reuniões visam apurar a situação; encontrar soluções de controlo da despesa em 2011; e estabelecer uma base sólida para a preparação do Orçamento do Estado para 2012 e do documento de estratégia orçamental.
No quadro da sua estratégia orçamental robusta, o Governo aprovou hoje, em Conselho de Ministros, uma proposta de lei de criação do Conselho de Finanças Públicas.
O processo de consolidação orçamental que Portugal vai ter de adoptar, com o objectivo de dispor de finanças públicas sustentáveis, exige um enquadramento institucional adequado.
Esse processo implica a existência de um órgão independente, com credibilidade externa, que se pronuncie sobre os objectivos propostos relativamente a:
- cenários macroeconómico e orçamental
- sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas
- cumprimento dos limites do saldo orçamental; e
- cumprimento das regras de endividamento das regiões autónomas e das autarquias locais.
A criação da nova entidade independente corresponde às melhores práticas internacionais e procura responder a quatro objectivos cruciais:
a. Equação da missão com um conjunto alargado de atribuições;
b. Independência;
c. Qualidade técnica das análises; e
d. Transparência.
O Conselho de Finanças Públicas tem como missão proceder a uma avaliação independente sobre a consistência, cumprimento e sustentabilidade da política orçamental. Ao mesmo tempo, promove a transparência da política orçamental, de modo a contribuir para a qualidade da democracia e das decisões de política económica e para o reforço da credibilidade financeira do estado.
O Conselho de Finanças Públicas será governado por um órgão máximo, o conselho superior, cuja composição e modo de designação dos seus membros visam garantir a sua independência.
Desde logo, os membros do conselho superior são nomeados por decisão conjunta do Tribunal de contas e do Banco de Portugal, devendo ser personalidades de reconhecido mérito, com experiência nas áreas económica e de finanças públicas e com elevado grau de independência.
Por outro lado, alguns membros do conselho superior poderão ser cidadãos estrangeiros não residentes, preferencialmente de Estados-membros da União Europeia.
Estou crente de que a criação desta entidade independente contribuirá, em muito, para a recuperação da credibilidade das contas públicas em Portugal.
IV. Privatizações
O programa de privatizações é um pilar fundamental da transformação estrutural que é necessária operar em Portugal. O Estado tem um peso excessivo na economia. A redução do peso do estado traz ganhos de eficiência e reduz os riscos para as finanças públicas.
O programa de privatizações será enquadrado no objectivo de aprofundamento da integração europeia. Quero com isto dizer que o Governo vai abrir as portas ao investimento estrangeiro.
O investimento directo estrangeiro é fundamental para sustentar o crescimento económico em Portugal, num quadro em que o Estado e o sistema bancário têm dificuldades em obter financiamento do mercado. Assim, no curto prazo, para além de aumentar as receitas, esta abordagem permitirá aceder a financiamento externo independente do Estado. No médio e longo prazo, trará um aumento da concorrência e da eficiência.
As empresas a privatizar são dos mais diversos sectores da economia. Na área dos transportes os Aeroportos de Portugal, a TAP e a CP carga. Na área da energia, a Galp, EDP e a REN. Nas comunicações os CTT e a RTP. No sector financeiro, o ramo segurador da CGD. Nas infra-estruturas as Águas de Portugal.
O programa de privatizações será tão acelerado quanto possível. Foi já aprovado em conselho de ministros a eliminação das golden shares (direitos especiais) do Estado nas empresas cotadas em bolsa. O processo de venda do BPN encontra-se em curso. As propostas para compra do BPNn deverão ser apresentadas até dia 20 de julho. Continuamos comprometidos com o objectivo de encontrar um comprador até final do corrente mês.
O processo de privatizações será absolutamente transparente e rigoroso.
V. Sobretaxa extraordinária
O Governo decidiu, também hoje em Conselho de Ministros, propor à Assembleia da República a aprovação de uma medida excepcional em sede de IRS, a sobretaxa extraordinária.
Esta medida é imprescindível para acelerar o esforço de consolidação orçamental e cumprir o objectivo decisivo de um défice orçamental de 5,9% para este ano. Traduz uma necessidade de prudência, dada a inexistência de margem de fracasso.
A sobretaxa extraordinária proposta pelo governo tem 3 características essenciais: é uma medida extraordinária; é uma medida universal; e é uma medida que respeita o princípio da equidade social na austeridade.
Primeiro, a sobretaxa proposta tem carácter extraordinário e transitório. Aplica-se exclusivamente aos rendimentos em sede de IRS auferidos pelos sujeitos passivos em 2011. A sobretaxa cessa a sua vigência após a produção de todos os seus efeitos em relação ao ano fiscal em curso.
Segundo, a sobretaxa respeita o princípio da universalidade. Incide sobre todos os tipos de rendimentos englobáveis em sede de IRS (trabalho dependente, rendimentos empresariais e profissionais, rendimentos de capitais que sejam englobados, rendimentos prediais, incrementos patrimoniais e pensões), acrescido de alguns rendimentos sujeitos a taxas especiais (nomeadamente, as mais-valias de partes sociais e outros valores mobiliários e instrumentos financeiros derivados).
Terceiro, a sobretaxa respeita o compromisso firme do Governo de impor uma equidade social na austeridade através da justa repartição dos sacrifícios, não onerando as famílias portuguesas com menores rendimentos.
Em concreto, a sobretaxa incide apenas sobre a parte do rendimento colectável que excede o valor anual do salário mínimo por sujeito passivo. Simultaneamente, tem ainda em conta o número de dependentes por agregado familiar.
Em resultado deste princípio, estão excluídos do pagamento da sobretaxa:
§ aproximadamente 80% dos pensionistas do regime geral da segurança social, correspondente a cerca de 1,4 milhões de pensionistas (v. pág. 8 do
documento de suporte [PDF]), assim como
§ aproximadamente 65% dos agregados familiares, correspondente a cerca de 3 milhões das famílias portuguesas (v. pág. 6 do
documento de suporte [PDF]).
Por outro lado, o impacto nos trabalhadores dependentes da categoria a distribui-se da seguinte forma:
§ Cerca de 52% dos salários pagos em Portugal não serão abrangidos pela sobretaxa;
§ Dos sujeitos passivos que pagarão sobretaxa:
§ Cerca de 22% pagarão menos de 50 euros
§ Cerca de 50% pagarão menos de 150 euros
§ Os 10% dos sujeitos passivos que recebem salários mais elevados contribuirão para 60% do total da receita (v. pág. 7 do
documento de suporte [PDF]).
Acresce que a progressividade da sobretaxa é idêntica quando comparada com a aplicação das taxas gerais de IRS, quer em termos da curva de concentração da receita cobrada, quer em termos do seu impacto efectivo (v. páginas 9 e 10 do
documento de suporte [PDF]).
Quanto aos contornos técnicos da medida, a sobretaxa extraordinária incide sobre o rendimento colectável de IRS que resulte do englobamento, acrescido de rendimentos sujeitos a taxas especiais de tributação. A sobretaxa apenas incide sobre a parte do rendimento que exceda o valor anual do salário mínimo por sujeito passivo (o que corresponde a 13 580 euros por agregado familiar com dois sujeitos passivos).
Em termos de incidência subjectiva, a sobretaxa abrange os sujeitos passivos residentes em território português.
A sobretaxa é fixada em 3,5%, sendo equivalente a 50% do subsídio de natal (1/14 do rendimento anualizado), arredondado para a décima inferior.
Por outro lado, os sujeitos passivos que aufiram rendimentos da categoria A («trabalho dependente») e de categoria H («pensões») serão sujeitos a retenção na fonte à taxa de 50% que incidirá sobre a parte do subsídio de natal que, depois de deduzidas as retenções normais de IRS e as contribuições para regimes de protecção social, exceda o valor do salário mínimo mensal (485 euros). A este propósito, remeto para os exemplos nas páginas 11, 12, 13 e 15 do
documento de suporte [PDF].
A referida retenção na fonte será efectuada a título de pagamento por conta da sobretaxa devida no final. A retenção será deduzida à sobretaxa que vier a ser apurada com a entrega da declaração periódica de rendimentos de cada sujeito passivo. Caso esta retenção na fonte seja superior ao valor da sobretaxa extraordinária devida no final, o excedente será objecto de reembolso.
Finalmente, no que respeita aos rendimentos de outras categorias em sede de IRS, e dado que os respectivos sujeitos passivos não auferem subsídio de natal, a sobretaxa extraordinária devida será apurada com a apresentação da declaração periódica de rendimentos relativa ao ano de 2011. A este propósito, remeto para o exemplo na página 14 do
documento de suporte [PDF].
A sobretaxa incidirá apenas sobre os rendimentos auferidos em 2011 e não afecta situações de tributação passadas já consolidadas do ponto de vista jurídico-fiscal.
VI. Conclusão
A transição para uma economia e sociedade próspera e competitiva na Europa e no mundo exige uma profunda transformação estrutural. O reequilíbrio das finanças públicas e a manutenção da estabilidade financeira são condições para o sucesso desta transformação estrutural.
As condições adversas em que nos encontramos, conjugada com a turbulência nos mercados financeiros e a forte incerteza interna e externa exigem uma abordagem prudente que minimize os riscos para as portuguesas e os portugueses. A gestão prudente dos riscos e a constância do propósito de corrigir os desequilíbrios fundamentais possibilitará a concretização da transformação estrutural da nossa economia e sociedade. Desta forma podemos voltar a registar resultados que colocam Portugal entre as mais dinâmicas sociedades na Europa e no Mundo
" (fonte: Portal do Governo)

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