sexta-feira, abril 17, 2009

PCP: a moção de censura ao Governo Regional

I – Abusos de poder
Inúmeras são as situações em que o Governo Regional pretendeu, de forma prepotente, impedir aos deputados o livre acesso a serviços públicos sob a sua tutela. Ao Governo Regional não compete permitir a iniciativa dos deputados. É ilegítimo o acto de governo que tenta cercear as liberdades e restringir a actividade fiscalizadora da governação nesta Região Autónoma. Assiste-se, deste modo, na cena regional ao maior dos paradoxos: nas áreas em que o Governo Regional não tem competências quer, abusivamente, intervir; e onde deveria agir, onde deveria governar, aí não faz o que deveria fazer. É deficitário, e por vezes negligente, onde deveria, no quadro das suas responsabilidades políticas intervir. Onde existem claras competências de governo, impera o desgoverno regional. Pelo contrário, exorbita o exercício dos seus poderes, quer imiscuir-se onde não deve, nem pode governar. Quanto à livre actividade dos deputados quer o Governo Regional impor condicionamentos ilegais. Esta prática política, assente em actos de governo que configuram um brutal desrespeito pelos direitos dos deputados, corresponde a um inadmissível recurso a expedientes de prepotência e abuso de poder. Revelam a face da tentação absolutista ou da propensão para o absolutismo.
II – Favorecimentos ilícitos
A propensão para o absolutismo manifesta-se também em cada um dos acontecimentos em que o Governo Regional desrespeita regras fundamentais, dispensa procedimentos obrigatórios requeridos pela Lei, ultrapassa instituições democráticas, pactua negligentemente e irresponsavelmente com práticas ilícitas. Exemplo bem elucidativo de como o Governo Regional, em determinados casos, não só pactua com práticas ilícitas, como até as favorece, mesmo que seja através da inércia ou através da omissão do cumprimento dos seus deveres de intervenção em prol da defesa do interesse público e do cumprimento da legalidade, é a forma como o Governo Regional fomenta um clima de impunidade face às inúmeras empresas que desenvolvem actividade, há anos, de exploração de inertes sem o indispensável licenciamento. Exemplificativo desta realidade é o número de centrais de exploração de inertes, entre britadeiras e pedreiras, que na RAM continuam a laborar na ilegalidade. Chegaram a estar em laboração, na Madeira e no Porto Santo, 55 explorações de inertes, das quais apenas 3 estavam devidamente licenciadas.
A extracção ilegal de inertes, as pedreiras e britadeiras ilegais, as empresas do sector a laborar na ilegalidade e as consequências danosas para o interesse público decorrentes daquelas situações chegaram a tal ponto que, “face à anarquia”, responsáveis pela governação autárquica na maior câmara municipal da Região se sentiram no dever de, através da Comunicação Social, acusar o Governo Regional de deixar poluir (cf: DN 31/12/2008, “Câmara acusa Governo de deixar poluir”).
Exemplo de como o Governo Regional favorece a ilegalidade é o processo em que o executivo regional promove o empreendimento situado na zona da Ponta de São Lourenço, no concelho de Machico, onde está a ser construído o resort “Quinta do Lorde”, em plena área protegida da “Rede Natura 2000”, numa inaceitável violação do Plano de Ordenamento da Região Autónoma da Madeira (POTRAM), numa zona classificada como espaço natural e de protecção ambiental, de uso recreativo fortemente condicionado, restrições essas que são definidas como áreas determinantes para a estabilidade e perenidade dos sistemas naturais.
Exemplo que demonstra as práticas de favorecimento ilícito da parte do Governo Regional no que diz respeito a actos de governo é o facto de, indevida e ilegalmente, ter autorizado a substituição do alvará que titula o uso privativo da área territorial do domínio público marítimo na Ponta de São Lourenço a favor da sociedade promotora do resort “Quinta do Lorde”, por um contrato de concessão que, pelo prazo de utilização até 30 anos, renováveis, anulou o carácter de precariedade da licença.
Exemplo de como o Governo Regional prefere as vias da ilegalidade em favor de determinados interesses privados, em prejuízo do superior interesse regional, é o facto de ter atribuído por Resolução do Conselho de Governo Regional da Madeira o uso privativo do domínio público marítimo para a realização de empreendimento hoteleiro, a ser implantado e desenvolvido em plena zona abrangida por Plano de Ordenamento da Orla Costeira, ainda não aprovado. Assim, a referida Resolução viola o preceituado no art. 17º, nº 1 do Decreto-Lei nº 309/93, de 02 de Setembro, na redacção do Decreto-Lei nº 218/94, de 20 de Agosto, segundo o qual, “até à aprovação dos POOC não serão atribuídos usos privativos que impliquem novas construções e instalações fixas e indesmontáveis na área por eles abrangida”.
Deste modo, fica claro como o Governo Regional promove o favorecimento ilícito e atenta contra o interesse público que deveria defender e fazer prevalecer. Outros exemplos negativos desta prática governativa merecem especial referência:
1- Subversão dos instrumentos de gestão territorial
Nos seus objectivos essenciais e estratégicos para a RAM, o Plano de Ordenamento do Território (Decreto Legislativo Regional nº 12/95/M, de 24 de Julho) pretendia constituir um instrumento materializador de orientações e directrizes indispensáveis à salvaguarda do património cultural impresso nas paisagens e à caracterização e desenvolvimento harmonioso das diferentes parcelas do território, pela optimização das implantações humanas, do uso do espaço e do aproveitamento racional dos seus recursos.
Nos termos do estabelecido no regime jurídico nacional do ordenamento do território, e através do quadro normativo estabelecido no POTRAM, ao Governo Regional foram atribuídos diversos instrumentos para a obrigatória fiscalização e empenhada actuação, com a directa finalidade de impedir obras ou outras intervenções incompatíveis com o Plano de Ordenamento do Território. Sem que a Administração Regional se tivesse empenhado em fazer respeitar, na íntegra, o POTRAM, surgiram determinados empreendimentos, obras e acções concretizadas na RAM, quer pela iniciativa pública, quer privada, que, pela sua dimensão, natureza e impactos, tiveram relevantes e significativas implicações para a ocupação do território, para o uso e transformação do solo. Nesses empreendimentos existem comprovadas responsabilidades políticas da governação quanto às situações de manifesta incompatibilidade com normas legais ou regulamentos vigentes. Foram permitidas determinadas obras e acções incongruentes e inconciliáveis com a prevista necessidade de se garantir, na RAM, uma adequada localização das actividades, em conjugação com os requisitos de qualidade de vida e segurança das populações. Multiplicam-se os casos em que o Governo Regional não quis dar cumprimento à imperatividade das normas consubstanciadas no POTRAM e, mais especificamente, no referente às obrigatórias limitações que deveriam ser cumpridas para certas áreas mais sensíveis do território.
Quando se fala do POTRAM estamos a falar do mais importante documento regional sobre o ordenamento e para a gestão territorial. Estamos a tratar da Lei em vigor que, para a Região, tem natureza estratégica. Trata-se de um imperativo instrumento chave na articulação entre as políticas de ordenamento do território e de desenvolvimento económico e social. É, pois, lastimável ver como a governação deu a sua assinatura ao que de mais escabroso aconteceu em matéria de desordenamento. A governação deu a sua assinatura a cada um dos “mamarrachos”, deu a sua assinatura à mais despudorada violação da Lei, a governação deu a sua assinatura a cada um dos atentados e agressões ambientais, a governação deu a sua assinatura a cada um dos casos que contribuíram para o estado de desordenamento territorial vigente. Portanto, apesar do POTRAM ser lei fundamental para a Região, registam-se situações graves e diversificadas nas suas múltiplas incongruências. Tudo porque o Governo Regional optou claramente, em diversos casos, por transgredir as normas do POTRAM. Tudo porque o Governo Regional é responsável directo pela violação da legalidade, na medida em que permitiu determinadas intervenções que violam despudoradamente a Lei. Neste quadro, o Governo Regional terá que ser objecto de censura pública e política pela sua conduta política e directa responsabilidade pela cronologia deste desordenamento.
2- Ilegalidades e práticas irregulares no domínio público hídrico
Nos leitos e margens das ribeiras da RAM existem diversas actividades geradoras de graves incidências ambientais. Verificam-se alterações topográficas, indevida execução de muralhas, ilegal extracção de inertes e ilícita deposição de solos. Exemplo grosseiro das práticas irregulares e das ilegalidades é tudo quanto se passa no leito e margens da Ribeira da Metade, na freguesia do Faial, concelho de Santana.
Ainda há não muito tempo, a Provedoria de Justiça confirmou oficialmente a constatação da “existência de pedreira ilegal na foz da Ribeira do Faial” (Proc. R-3738/07 – nota de Julho de 2008), o que exigia as dinamizações de “diligências de reintegração da legalidade”. Situações idênticas multiplicam-se pela Região impunemente, tendo como causa directa a inércia de entidades com directas responsabilidades governativas. Para além das inércias, imperam também práticas negligentes de condescendência e de efectiva cumplicidade governamental face aos infractores e autores de danos ambientais. Registam-se operações ilegais de gestão de resíduos em ribeiras da RAM sem que, face às comprovadas infracções, o Governo Regional tenha sido coerente na acção que se impunha na salvaguarda do superior interesse público regional.Tem imperado a inércia. Tem triunfado o laxismo. Por toda a Região, em particular, no referente à abusiva usurpação de ribeiras, proliferam factores de poluição do ambiente e de degradação do território. Multiplicam-se as pedreiras e britadeiras, repetem-se os desregrados despejos de terras e de entulhos, nas ribeiras, em pleno Parque Natural, no litoral, desde o Porto Moniz à Ponta do Sol, no Porto Novo, sempre prescindindo, de forma leviana, de qualquer rigor ambiental e das exigências decorrentes da legalidade.
Estão em causa actos de governo associados a responsabilidades políticas directas por danos ambientais motivados por ilegalidades e práticas irregulares. Estão em causa problemas, infracções e danos ambientais, operações e actividades nas margens e leitos das ribeiras da RAM, as quais só podem acontecer se licenciadas e fiscalizadas pelos serviços competentes do Governo Regional. Está em causa a utilização abusiva do domínio público hídrico da RAM, sem que o Governo Regional tenha sabido intervir na defesa da legalidade e do interesse regional. Está em causa a inobservância, da parte dos órgãos do Estado na RAM, quanto aos deveres de adopção de medidas político-administrativas para a salvaguarda da legalidade e dos interesses do Estado nesta Região Autónoma. Tamanhas ilegalidades e as práticas irregulares permitidas pela governação, pelo que comportam e pelos seus impactos incisivos contrários ao superior interesse regional, só poderão merecer a mais veemente censura pública e política.
3- Agressões do domínio público marítimo e ocupação irregular da orla costeira
Na RAM, ainda sem os sempre adiados POOC’s, constitui um relevante problema político o processo de turistificação do território, como modelo seguido para a apropriação do espaço pelo Turismo, em especial, nas zonas do litoral. Nesta Região, em consequência da pressão resultante desta turistificação do território, a orla costeira tem sido sujeita a uma forte artificialização, à degradação e destruição dos sistemas naturais, da vegetação, à agressão estética, à construção de barreiras visuais e físicas e ao empobrecimento das paisagens.
Nestes processos configuram-se grosseiras cedências do domínio público e, em muitos casos, acompanhadas de eventuais irregularidades e ilegalidades. Nos tempos que correm, todo e qualquer território tem de se submeter a planos e regras para o seu ordenamento espacial, na Região Autónoma da Madeira (RAM), onde se torna particularmente obrigatório um cuidado quase milimétrico no ordenamento territorial, pois o espaço disponível para fins de urbanização é exíguo e, por isso, exige toda a reflexão no seu aproveitamento e utilização, por forma a que não entrem em colisão as esferas do particular com o do domínio público, tem-se observado um evidente desrespeito pelas normas de ordenamento do território.
Através do Decreto-Lei nº 309/93, de 02 de Setembro, ficou regulada a elaboração e a aprovação dos Planos de Ordenamento da Orla Costeira. No POTRAM ficou consagrado, de forma já contestada, que seriam elaborados os POOC’s em coordenação e em articulação com as orientações do POTRAM.
A Madeira continua sem qualquer POOC aprovado. É uma situação única no País.
No entanto, em conformidade com o nº 1 do art. 17º do Decreto-Lei nº 309/93, de 02 de Setembro, se tivesse sido respeitada, na RAM, a legalidade no referente à elaboração e aprovação dos POOC’s, teriam sido impedidos actos de governo relativos à atribuição de usos privativos com implicações de novas edificações, construções e instalações fixas e indesmontáveis em áreas a incluir nos POOC’s, até à respectiva aprovação. Bem pelo contrário, em vez de se terem evitado condicionamentos irreversíveis para os sempre adiados POOC’s, na RAM verificaram-se diversos casos de apontadas ilegalidades, de destruição e de descaracterização irreparável da orla costeira.
É neste contexto e por actos de governação que o Governo Regional é acusado directamente por inúmeras práticas ilegais. O Governo Regional é acusado de inúmeras acções criminosas para com o ambiente desta Região. O Governo Regional é acusado por decisões lesivas do interesse público. O Governo Regional é acusado por opções contrárias à Lei e inimigas do superior interesse regional. Por isso, é merecedor da censura pública e política por parte do Parlamento Regional.
III – Aniquilação de princípios constitucionais
Constituem direitos constitucionais os poderes dos deputados. São constitucionalmente reconhecidos aos deputados o direito de obter, da governação, dos órgãos de qualquer entidade pública, os elementos e informações que considerem úteis para o exercício do seu mandato. E, de acordo com a Constituição da República Portuguesa, o livre-trânsito” corresponde a um fundamental direito de que gozam os deputados. Para atentar contra direitos constitucionais que deveriam ser considerados intocáveis, excedendo-se nos seus poderes, apressa-se o Governo Regional a restringir direitos fundamentais dos parlamentares. Na tentativa de governamentalizar toda a actividade da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, o Governo Regional, que depende desse mesmo Parlamento, e não o contrário, desrespeitando o ordenamento constitucional e estatutário, subverte a ordem jurídica de governação no edifício autonómico. Inúmeros são os exemplos da “Democracia à moda da Madeira”. A somar aos muitos casos da aniquilação de princípios elementares da prática democrática, de novo, o Governo Regional tenta impedir que deputados da ALRAM possam exercer livremente os seus deveres de fiscalização e de defesa do interesse público. Tentaram impedir e amordaçar a denúncia dos problemas existentes nos serviços de saúde da Região. Assim aconteceu em recentes visitas a unidades de Saúde Pública. Em Democracia não é legítimo imaginar que a uma maioria absoluta corresponda um poder absoluto. Em Democracia, às maiorias absolutas é obrigatório o escrupuloso respeito dos direitos da Oposição. Em Democracia, no nosso País, conforme consagra a Constituição e de acordo com o Estatuto Político-Administrativo da RAM, aos deputados estão conferidos deveres específicos de fiscalização do exercício da governação e de salvaguarda do superior interesse público. As restrições impostas à livre actividade dos deputados correspondem a um grave ataque a direitos, liberdades e garantias e confirma mais um atropelo à qualidade da vida democrática na RAM. São estas práticas anti-democráticas, demonstradas pelo Governo Regional quando pretende impedir a actividade de deputados desta Região, nomeadamente, como foi referido, no que concerne ao exercício do seu direito de visitar serviços públicos na RAM, que merecem um veemente protesto e reprovação. O ataque ao Parlamento Regional e aos direitos dos parlamentares atenta contra princípios essenciais para a Autonomia. O ataque ao Parlamento Regional e aos direitos dos parlamentares hostiliza a Democracia e os seus fundamentos. O cerne deste problema democrático radica na propensão para o absolutismo, problema intolerável da imaturidade democrática. No âmago desta questão está a incontida vontade, anti-democrática, de impedir ou neutralizar as, já frágeis, possibilidades de fiscalização dos actos de governo. Questão também fulcral é a do exercício das liberdades. Se até aos deputados pretende o Governo Regional impedir o livre exercício das suas funções e obrigações, quer isto dizer, certamente, que, por extensão, convivemos, à escala regional, com um vasto e profundo problema das liberdades. Estamos ante uma perigosíssima questão de direitos, liberdades e garantias.
Face à ilegalidade e aos abusos de poder, face ao ataque contra o Parlamento e contra os parlamentares;
Face ao desgoverno regional, perante um governo que, em vez de agir decididamente na defesa do interesse público, não o faz para se imiscuir onde não deve e não pode;
Ante o desgoverno regional, em que imperam as inércias e a demissão de deveres públicos, nas áreas de competências próprias e para onde estão explicitados poderes de intervenção do poder executivo e o Governo nada faz;
Face ao comportamento negligente do Governo Regional perante matérias de relevante interesse regional, onde deveria agir e não age, ou, então, em que pela sua acção resultam graves prejuízos para o superior interesse público regional;
Assim, em conformidade com o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e com o Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira, é votada pelo Parlamento Regional esta Moção de Censura ao Governo Regional".

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