terça-feira, novembro 04, 2008

Opinião: "A salvação dos canalhas"

De Pedro Santos Guerreiro, com a devida vénia, publicado no Jornal de Negócios:
"A nacionalização do BPN é uma infâmia inevitável. Os infames são os gestores e accionistas que já lá não estão; os inevitáveis são os contribuintes. E num tenebroso limbo estão os reguladores e auditores, que protegeram uns e falharam aos outros. Se são inocentes, são impotentes - e então de que nos servem? O Estado vai comprar o que vale pouco ou nada, levar um peso-morto que a Caixa Geral de Depósitos dispensaria carregar e ligar à máquina um projecto que merecia eutanásia. Não é possível que o ministro das Finanças tenha anunciado esta nacionalização sem que bílis lhe ardesse por dentro. Se não lhe ardeu, ardeu aos contribuintes. O BPN devia morrer, os seus accionistas perder o dinheiro e os gestores chamados aos tribunais. Já agora: onde estão eles? Miguel Cadilhe vai à frente desta barca mas não é ele quem entrará no inferno. O gestor filiou-se numa missão impossível, que quase conseguiu inverter não fosse a crise financeira internacional, que lhe tapou primeiro a liquidez para gerir e depois o capital para investir. E apesar das cautelas na gestão dos rumores, criou-se uma ansiedade nacional que levou de facto a uma corrida aos depósitos do BPN. Foi uma corrida em marcha lenta, mas suficiente para esvaziar os cofres.Este colapso tem um nome: Oliveira e Costa, o gestor que durou anos e que há semanas tratou de desligar o telemóvel. Foi ele quem geriu na maior das opacidades, numa época agora investigada pela Procuradoria (na Operação Furacão), pela CMVM e pelo Banco de Portugal; que foi prometendo dispersões em Bolsa para convencer uma turba de accionistas que o seu dinheiro valorizaria; que hostilizou a Deloitte, quando a auditora lhe fez reservas às contas; que contratou, para a substituir, a BDO Binder que, entretanto, caucinou sem pestanejo as contas anuais. Oliveira e Costa é, como todos, inocente. Mas a presunção da inocência dos suspeitos não pode representar a presunção da estupidez dos contribuintes. Até prova em contrário, são eles que estão a pagar o erro.Restou a bomba atómica: a nacionalização. O impressionante é que não se sabe sequer o que se salvou. O que é o BPN hoje? O que é que lá está dentro? Que mais esquemas com "offshores" há? O que valem os activos? Quanto mais dinheiro será preciso? O Banco de Portugal não pode dormir sem pesos na consciência, justificando-se com o mandato formal de que só controla contas. O sistema de supervisão falhou. Outra vez. E, outra vez, porque se porta como bom samaritano. Porque todo o seu sistema assenta no pressuposto de que não lhe mentem. De que nada está fora do balanço. Se toda esta crise não servir para rever a supervisão, então não serviu para nada. O BPN foi salvo porque deixá-lo cair agora detonaria a credibilidade de todo o sistema financeiro. Era possível salvar os clientes dos BPN sem comprar massa falida mas isso teria um custo, como aliás teve deixar cair o Lehman Brothers. Esta crise não tem nada a ver com a origem dos problemas do BPN mas foi o último prego no seu caixão. Foi por causa da crise que o Governo assumiu o compromisso de salvar os depósitos ameaçados. É por isso que a crise não matou o BPN, mas salvou o BPN. O velho BPN morreu; um novo BPN nasceu. O slogan "valores que distinguem" não podia ter sido melhor escolhido para o BPN, que se distinguiu tanto que fica para a História. Mas não pode restar o vazio de responsabilidades. As últimas palavras desta triste história não podem ser as de Frei Luís de Sousa: Banqueiro, banqueiro, quem és tu? Ninguém...".

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