terça-feira, julho 16, 2019

Expresso: Turbulência entre acionistas da TAP

A atribuição de prémios de desempenho a 180 trabalhadores da TAP, no valor de €1,171 milhões, gerou grande polémica na companhia aérea, mas acabou também por pôr a nu o mau relacionamento entre o acionista Estado, que tem 50%, e os acionistas privados, os empresários David Neeleman e Humberto Pedrosa, agrupados na empresa Atlantic Gateway (que tem 45%). E há também tensões entre os acionistas privados, e embora elas não sejam oficialmente confirmadas por ninguém, têm-se tornado difíceis de esconder. É que apesar de terem a mesma participação na empresa, o desequilíbrio de poder é evidente: a TAP tem sido construída à imagem e semelhança de David Neeleman, e são gestores ligados a si que dominam as posições chave na empresa. A comissão executiva tem três membros, dois são gestores ligados a Neeleman enquanto Humberto Pedrosa tem apenas um representante, o filho David Pedrosa.
Esta relação turbulenta, já referida por alguns comentadores, tem vindo a agravar-se, segundo várias fontes ouvidas pelo Expresso, que pediram o anonimato. Na base do mal-estar é apontado o facto de David Neeleman se comportar alegadamente como se fosse o dono da TAP, quando na realidade apenas tem 22,5% do capital. Domínio que se materializa na tomada de decisões que, por vezes, ignora os outros acionistas, a quem não é prestada toda a informação. Uma situação que já viria de trás e que não se terá alterado com o reforço da posição do Estado na sequência da renegociação do acordo parassocial com o Governo do PS, pouco depois da tomada do posse do Executivo liderado por António Costa. O Governo socialista não aceitou que os privados tivessem a maioria do capital

Neeleman terá contribuído para o agudizar da tensão ao falar em aproveitamento político no tema dos prémios atribuídos pela TAP a alguns trabalhadores
O Estado, através da Parpública, tem 50% do capital e direitos de voto mas tem apenas 5% dos direitos económicos (o que significa que, quando forem distribuídos dividendos, só recebe 5% destes), sendo que 45% do capital e direitos de votos estão na Atlantic Gateway (que tem 90% dos direitos económicos) e os trabalhadores têm 5%. Foi uma nova estrutura que surgiu da renegociação do acordo parassocial a 30 de junho de 2017 e que reverteu o modelo que saiu da privatização em 2015, em que os privados tinham 61% e o Estado 39%.
Os dois acionistas privados, Neeleman e Pedrosa, enviaram uma declaração conjunta ao Expresso em que dizem que “as relações entre a Atlantic Gateway e o acionista Estado sempre se pautaram pelo estrito cumprimento do acordado e desde a privatização até hoje todas as decisões de gestão na TAP SGPS têm sido tomadas pelos seus órgãos competentes, conselho de administração e comissão executiva, no âmbito dos respetivos poderes e no cumprimento das regras de governance da sociedade”. E dizem também que “ao nível da Atlantic Gateway as relações entre os seus sócios Humberto Pedrosa e David Neeleman são desde sempre cordiais e respeitosas, tendo cada um os direitos e deveres que resultam dos acordos que celebraram”.
COMISSÃO EXECUTIVA COM TOM AZUL
Com o Estado a tornar-se o maior acionista, o que mudou na empresa? O Governo queixa-se de não ter sido devidamente informado sobre o processo de atribuição dos prémios, através dos seus representantes na administração da TAP. A escassez de informação já viria de trás e a polémica dos prémios terá sido a gota de água que fez transbordar o copo. Neeleman terá contribuído para o agudizar da tensão ao falar em aproveitamento político quando disse: “Não sou político, sei que há eleições, eu quero que a TAP fique fora da política”.
Outras fontes ouvidas pelo Expresso notam, no entanto, que a TAP sem Neeleman seria mais frágil, atendendo à elevada experiência que o empresário americano, nascido no Brasil, tem aportado. Ou seja, a ‘liderança’ de Neeleman na empresa é natural — e até desejável — porque com os seus conhecimentos e contactos no mundo da aviação a TAP só pode sair beneficiada.

Ao Expresso, Neeleman disse, a meio de junho, não acreditar que o Estado queira ver-se livre dos privados, porque isso “não seria bom para a TAP”. Explicou então: “No momento em que pegámos na empresa, a TAP estava sem recursos para pagar salários, com aviões muito velhos e uma dívida enorme”.
O desequilíbrio na comissão executiva é mensurável: neste momento há dois gestores ligados a Neeleman e um ligado a Pedrosa. Algo que decorreu da saída dos chineses da HNA da Atlantic Gateway, pois esperava-se que os três acionistas privados tivessem um representante da comissão executiva. A HNA vendeu os 20% que tinha na Atlantic Gateway devido a dificuldades financeiras e a sua participação acabou por ser adquirida por Neeleman e depois dividida com Pedrosa.
A ligação do presidente executivo, Antonoaldo Neves, a Neeleman é evidente. Afinal foi o empresário americano que em 2017 trouxe Antonoaldo para a TAP, um gestor que liderou a Azul — Linhas Aéreas Brasileiras, companhia fundada por Neeleman em 2008. Em janeiro de 2018 o gestor brasileiro de 44 anos substituiu Fernando Pinto, que liderou a TAP durante 18 anos. Neeleman tem outro homem de confiança na comissão executiva, Raffael Alves, que entrou na Azul em 2009, entre 2012 e 2017 foi seu diretor financeiro, e ocupa agora o cargo de administrador financeiro da TAP, que antes era de David Pedrosa.
GOVERNO NÃO DESARMA
Pedrosa é hoje o administrador com o pelouro dos recursos humanos na TAP, e o tema dos prémios pode vir a causar problemas a quem tem de negociar com os trabalhadores. Aliás os sindicatos já deram sinais nesse sentido — queixam-se de terem tentado negociar a descongelamento das carreiras e terem tido uma reação pouco recetiva por parte da TAP, que alegou que isso custaria €1,7 milhões. Os três administradores executivos acabaram por assumir a atribuição dos prémios dizendo que “foi fundamental para promover as medidas de redução de custos e de aumento de receitas implementadas em 2018, bem como levar a cabo a reestruturação da TAP ME Brasil”. Os sindicatos, nomeadamente o SITAVA, têm dito que desconhecem o critério de atribuição dos prémios e que ele não foi transparente. Uma das duas pessoas que recebeu o maior prémio — €110 mil —, Elton d’Souza, saiu esta semana. A TAP argumenta que vai para um novo projeto profissional. Com Elton não funcionou a teoria de que os prémios servem para reter talentos.
Na semana em que o tema rebentou, o Governo adotou uma posição forte. O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, disse a 6 de junho que os prémios constituíam “uma quebra da relação de confiança entre a comissão executiva e o maior acionista da TAP, o Estado português”. E o presidente do conselho de administração da TAP, Miguel Frasquilho, também já veio dizer que a “falha de comunicação que existiu não devia ter acontecido”, tentando dar este assunto por encerrado. Ao Expresso, Frasquilho apenas disse, esta semana, que “uma das tarefas que cabem ao presidente do conselho de administração — e que eu tenho desempenhado — é tentar promover a melhor relação possível entre acionistas, contribuindo, dessa forma, para um ambiente positivo e facilitador do crescimento da atividade da empresa”.
Mas o ministro não tem evitado a polémica. Há duas semanas disse que “infelizmente não está no âmbito dos poderes do Estado” demitir a comissão executiva da TAP, reafirmando que a relação de confiança saiu fragilizada. E na semana passada disse que continua “indignado” com os prémios pagos pela TAP.
Que consequências terá a tensão acionista para o futuro da TAP é algo que só o tempo esclarecerá, mas para vários protagonistas do sector parece ser claro que as peças do xadrez se irão mexer. Lembram que quando os chineses da HNA entraram na TAP se falou na possibilidade de a prazo substituírem Neeleman, pelo menos parcialmente. E com a tendência de consolidação do sector na Europa, não enjeitam a possibilidade de a Lufthansa vir a olhar para a TAP, que tem como grande atrativo para a companhia alemã o mercado africano e o Brasil.
ENJOOS NO AIRBUS A330-900 NEO: TESTES EXCLUEM PARA JÁ CONTAMINAÇÃO DO AR
Afinal, o que se passa com os novos aviões da TAP, o Airbus A330-900 neo? Estão ou não a provocar mal-estar, enjoo e vómitos à tripulação e aos passageiros que voam nestas aeronaves? A TAP e a Airbus asseguram que estão a escrutinar exaustivamente todos os potenciais causadores destes sintomas e garantem que os testes que fizeram até agora, executados por entidades externas, não detetaram qualquer problema. “A análise fornecida por um independente e reconhecido laboratório tem sistematicamente demonstrado a ausência de contaminação perigosa do ar”, disse ao Expresso fonte oficial da Airbus. Avança ainda que está a trabalhar de perto e em conjunto com a TAP para esclarecer a situação e que foi criada uma equipa de trabalho, juntando fornecedores da Airbus e investigadores técnicos para explorar as raízes das potenciais causas dos referidos problemas. Numa comunicação interna aos trabalhadores, a que o Expresso teve acesso, a TAP assegura que “até ao momento” “não foram encontradas a bordo quaisquer substâncias que possam constituir um perigo para a saúde”, nem “há registo de insuficiência de oxigénio a bordo dos aviões”. Diz ainda que “não existem casos identificados que tenham necessitado de cuidados médicos de maior urgência”, e que as pessoas assistidas “apresentaram apenas sintomas transitórios”. A TAP diz que não recebeu qualquer queixa dos passageiros, mas somente de 12 tripulantes que se deslocaram à unidade de cuidados de saúde. Ou seja, 0,5% dos tripulantes que voaram nos A330-900 neo, refere. E adianta que vai continuar a investigar para perceber o que se passa. A posição dos sindicatos, nomeadamente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), é de grande preocupação. O SNPVAC, que ameaçou inclusive com greve caso a situação não se resolva, alega que teve já algumas dezenas de queixas de passageiros. Diz ainda que têm sido relatados também casos de “confusão mental, cansaço extremo e ardor nos olhos”. E que apesar de terem sido tomadas algumas diligências, é preciso haver mais ação e tem de haver mais medidas mitigatórias. O assunto está a ser seguido pelos Parlamento, onde o presidente executivo da TAP, Antonoaldo Neves, irá ser ouvido em breve. Foi já cancelada uma audição, aguarda-se a marcação de uma nova. É um tema escaldante e muito sensível, não só pelos danos reputacionais que poderá causar às duas companhias — TAP e Airbus — mas também porque a decisão de optar pelo A330-900 neo foi tomada por David Neeleman quando entrou na transportadora portuguesa. Mais, tratou-se de uma decisão que reverteu uma encomenda que a TAP já tinha feito à Airbus. Neeleman decidiu cancelar uma encomenda de 12 aviões A350, para os quais já tinha avançado parte do pagamento, e em troca encomendar 30 aviões A320 e a A330, com isso conseguindo uma poupança de €70 milhões. Uma mudança de estratégia que colocou Neeleman debaixo dos holofotes, com o jornal “Sol” a citar fontes defendendo que foi com este negócio que o empresário americano arranjou capital para entrar na TAP. Neeleman sempre o negou.
Última chamada para o voo com destino à Bolsa
A entrada da TAP na Bolsa é uma hipótese que já esteve várias vezes em cima da mesa e que está mesmo consagrada no acordo de entrada dos privados na TAP que levou David Neeleman e Humberto Pedrosa à companhia aérea. Neeleman já disse que 2020 deverá ficar marcado pela entrada na Bolsa. “É essencial. Estamos a preparar a companhia, e o próximo ano é um bom momento para o fazer”, disse a meio de junho ao Expresso. Os privados queriam que a operação tivesse avançado já este ano mas o Governo opôs-se. É ainda uma incógnita que percentagem do capital será dispersa, mas admite-se que Neeleman depois de ter comprado a participação dos chineses HNA (ver texto ao lado) queira libertar-se de alguma participação.
Um dos passos na direção da Bolsa foi a recente concretização de um empréstimo obrigacionista, através do qual a empresa conseguiu captar €200 milhões, pagando uma taxa de juro bruta de 4,375%.
É perante este objetivo que a TAP se tem esforçado por passar a ideia de que entrou numa nova fase, após ter atingido, em 2018, prejuízos de €118 milhões. Foi um ano que a empresa classificou de “particularmente desafiante”, resultando não apenas de “situações macroeconómicas e eventos externos — dos quais se destaca o aumento do combustível (+37,6%) e desvalorização do real — mas também da reestruturação implementada e da “instabilidade laboral que levou a cancelamentos extraordinários no primeiro semestre em consequência das greves de pessoal navegante”. Os custos provocados pelos atrasos e cancelamentos de voos — implicando por vezes indemnizações — foram bastante elevados. A TAP revela nas contas que as “irregularidades e fretamentos excecionais” resultaram em gastos extraordinários de €41 milhões. A empresa esclarece ainda que os “programas de pré-reforma e saídas voluntárias originaram impactos não recorrentes no montante de €24,7 milhões”. Houve também a necessidade de contratar trabalhadores para acompanhar o ritmo de crescimento das rotas. Os gastos com pessoal subiram 16,5%.
A entrada de Neeleman e Pedrosa na TAP, em 2015, resultou num ambicioso plano de investimentos com a compra de aviões — companhia passou de 77 para 104 aviões — e uma aposta na América do Norte, em especial nos EUA. Em 2014 este país representava 4% das vendas da empresa (estava em nono lugar na lista dos mercados mais relevantes) e em 2018 já eram 10% (passando para terceiro lugar). E permitiu estancar um problema que se arrastava há anos, na operação de manutenção no Brasil, com o encerramento do hangar de Porto Alegre e o despedimento de cerca de 1000 colaboradores. A reestruturação do Brasil custou à TAP €27,6 milhões.
No prospeto da emissão obrigacionista, a companhia destacava o facto de, em três anos, o número de passageiros transportados ter crescido mais de 40%, passando de 11,3 milhões em 2015 para 15,8 milhões em 2018. “Também em termos de receita, o crescimento tem sido notório”: cerca de 10% em 2018 e de cerca de 20% nos últimos 4 anos. “Esta evolução deve-se, em parte, à força da rede da TAP, cuja localização privilegiada do hub em Lisboa permitiu a exploração de novos mercados. No final do ano a TAP ligava o seu hub a 88 aeroportos em 34 países, oferecendo 98 rotas. Em 2019, a TAP continuará a investir no crescimento da rede, prevendo a expansão para 94 aeroportos em 37 países e um total de 110 rotas”. Em 2018, sublinha a TAP, “ocorreram negociações com sindicatos representativos da maioria dos trabalhadores, que levaram ao pagamento de um valor não recorrente de €20,1 milhões (Expresso)

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