“Um
vilarejo no interior de Minas Gerais ganhou fama mundial depois de uma campanha
pela procura de maridos. Mais do que mulheres solteiras, o local guarda um
jeito de viver quase utópico. A 125 quilômetros de Belo Horizonte, região
central de Minas Gerais, uma pequena comunidade rural, no município de Belo
Vale, ganhou fama recentemente: Noiva do Cordeiro. O pequeno vilarejo foi tema
de manchetes na imprensa internacional. Sites britânicos, turcos, alemães,
tailandeses, chineses e americanos divulgaram diferentes versões da mesma
história. “Alerta aos solteiros: jovens de comunidade no Brasil estão em busca
de homens.” “Cidade brasileira faz apelo aos solteiros.” “O vale das beldades
brasileiras espera solteiros”, afirmou o Telegraph, de Londres. Nas redes
sociais, homens interessados reagiram em mais de dez idiomas. “Como faço para
chegar? Onde posso me hospedar?”, perguntavam. Por enquanto, além de três
jornalistas – um alemão, um inglês e um chinês –, nenhum estrangeiro chegou ao
vilarejo para conhecer de perto as beldades. Aqueles que se arriscarem
conhecerão uma história que vai além de moças casadouras. Sim, muitas estão
solteiras. Mas não, elas não estão desesperadas. O principal encanto a
descobrir é um modo de viver em comunidade quase utópico, criado pelas
mulheres.
Noiva
do Cordeiro é uma espécie de fazenda, onde moram 350 pessoas – homens também.
Os moradores calculam que a proporção entre os sexos é equilibrada. Muitos
moradores têm relação de parentesco. São descendentes de dona Delina Fernandes,
de 69 anos, apelidada de “Grande Mãe”. É um empecilho importante na hora de
conseguir um pretendente. Quando não são parentes, a convivência próxima desde
pequenos faz com que não haja espaço para o amor, além do fraternal. “Aqui é
difícil se apaixonar”, diz Flávia Mediato Vieira, de 30 anos, solteira e prima
distante de dona Delina. “Tenho a impressão de que 80% das mulheres estão
sozinhas.” Não há estatísticas oficiais sobre o estado civil dos moradores. Se
os cálculos de Flávia estiverem certos, é quase o dobro da média nacional, de
46% de solteiras. “As meninas não estão desesperadas”, diz Rosalee Fernandes
Pereira, de 44 anos, filha de dona Delina. Casada, Rosalee criou uma página no
Facebook em que reúne as reportagens sobre Noiva do Cordeiro, para dar uma
forcinha às solteiras. A página recebeu quase 15 mil curtidas. “As meninas não
reclamarão se aparecem homens de bem por aqui”, afirma Rosalee. Ênfase, por
favor, na expressão “de bem”. Como as mulheres de Noiva do Cordeiro não
lançaram nenhum apelo por homens, elas não têm certeza de como surgiu a lenda
das solteiras à procura de marido. Especulam que a brincadeira de uma das
meninas, entrevistada em 2008 para um documentário de TV sobre vida comunitária
na fazenda, tenha dado origem ao boato. Ela disse que faltavam homens por lá.
O
comentário é, de certo modo, verdadeiro. Muitos dos homens da comunidade
costumam trabalhar na capital ou em mineradoras na região. Por isso, passam a
semana toda fora. Só retornam no sábado e no domingo para visitar as famílias.
Quem fica à frente da fazenda são as mulheres. Elas não se intimidam. Criaram
uma espécie de cooperativa para organizar a vida na comunidade e tomar as
decisões juntas. São elas que realizam todas as tarefas, de capinar o mato a
cortar lenha. Às terças-feiras, quintas e domingos, cuidam da lavoura. O
sustento vem da venda de hortaliças na central de abastecimento de Belo
Horizonte. A área para agricultura, de 41 hectares (equivalente a 41 campos de
futebol), foi comprada usando crédito fundiário. Outra parte da renda vem da
fabricação de produtos de limpeza e peças artesanais, como colchas, tapetes e
lingeries, vendidos para comunidades próximas. “Nos unimos para sair da miséria
e não ficar sozinhas, mas cada uma é dona de si”, diz Keila Fernandes, de 28
anos. Loira, com cachos perfeitamente arranjados, unhas e sobrancelhas feitas,
nas horas vagas ela coloca o chapéu de palha de lado e se arrisca como cover da
Lady Gaga, a cantora pop americana. Faz shows na região e grava clipes para seu
canal do YouTube. Keila e os demais habitantes da fazenda se dividem entre um
grande casarão, que abriga 80 pessoas, e 70 casinhas construídas ao redor. No
casarão, além dos dormitórios, há uma cozinha principal, sala de TV e
refeitório. Os moradores despertam antes das 6 horas e tomam juntos o café da
manhã, preparado com produtos locais no fogão a lenha. Depois, arrumam a casa,
lavam banheiros, varrem e passam pano. Quem gosta de cozinhar ajuda no preparo
das refeições. São seis ao dia: café da manhã, merenda, almoço, lanche da
tarde, jantar e ceia. Quem é bom com costura cuida da tapeçaria. Algumas ajudam
na lavoura. Outras cuidam das crianças. As tarefas são cumpridas em esquema de
rodízio. Quando alguém tem de ir até o centro de Belo Vale comprar algo, passa
uma lista entre os outros moradores, para que façam seus pedidos. Na próxima
semana, outro se encarregará de fazer as compras. Tudo sem burocracia. A
atribuição de funções se baseia no voluntariado, não na obrigação. Os moradores
participam de atividades culturais e artísticas durante a tarde. Fazem costura,
música, teatro, dança, aulas de balé, instrumentos, tudo ensinado por eles
mesmos. Criaram até um bar próprio, com noites de pizza e viola.“Aqui encontrei
meu lugar”, diz Élida Leite, de 29 anos, casada. Ela e a irmã solteira estão há
dez anos em Noiva do Cordeiro. Moravam noutra cidade de Minas e decidiram
unir-se às parentes do pai no vilarejo. “Aqui não recebemos ordens de ninguém”,
afirma Élida. “Somos mulheres livres.” Os homens de Noiva do Cordeiro não
parecem incomodados pela supremacia feminina local. Paulo Fernandes da Silva,
de 75 anos, diz que é do tempo em que as mulheres não tinham voz: “Tenho
orgulho de ver essa evolução. Antes, as mulheres sofriam por não ter direito à
palavra.”
Tinder,
o aplicativo de paquera
A
vocação feminista de Noiva do Cordeiro está relacionada a sua origem. O
agrupamento surgiu no início da década de 1890, quando Maria Senhorinha recusou
um casamento arranjado e fugiu com Chico Fernandez, de Roças Novas, outro
vilarejo da região. A união deles repercutiu mal. Eles foram excomungados pela
Igreja, e isso os forçou a viver isolados. Assim construíram o casarão de Noiva
do Cordeiro. Dona Delina, matriarca da comunidade, é neta de Senhorinha. A
fazenda ficou conhecida por acolher quem chegava. Os visitantes acabavam
ficando. É isso que as solteiras esperam que aconteça caso algum pretendente
resolva visitar a fazenda. “Meu objetivo na vida não é casar”, diz Flávia.
“Mas, se o amor vier, será bem-vindo.” (texto da jornalista JÚLIA KORTE, na
revista Época com a devida vénia)