“Tal
como os reis magos acolheram o nascimento do menino Jesus oferecendo-lhe ouro,
incenso e mirra, Pedro Passos Coelho acolheu a chegada de António Costa ao
Largo do Rato oferecendo-lhe Tecnoforma, Citius e BCE (Bolsa de Contratação de
Escola). Temos de admitir que é muita simpatia e generosidade da sua parte.
António Costa, tal como o menino Jesus, nem sequer precisa de abrir a boca –
basta-lhe estender os bracinhos, sorrir e esperar pacientemente pelo dia da
elevação aos céus de São Bento.
Eu
sempre achei que ninguém alcançaria uma maioria absoluta nas próximas
legislativas com um discurso tão redondo quanto o de Costa. Sempre achei que
não chegavam balelas como a “agenda para a década” ou a “fisioterapia”. Sempre
achei que os eleitores estavam mais exigentes e indispostos para continuar a
engolir patranhas. Mas confesso que não contava com a dimensão de incompetência
que os ministros da Justiça e da Educação estão a dar mostras neste Outono de
todos os descontentamentos. A verdade é esta: o poder está a cair no colo de
António Costa a uma velocidade vertiginosa, e se o governo continuar a
coleccionar asneiras ao ritmo actual, a paupérrima estratégia “com um discurso
neutro eu nunca me comprometo” é bem capaz de chegar e sobrar para as
encomendas.
Ainda
na terça-feira, numa intervenção na FLAD, Nuno Crato proferiu uma frase misteriosa
– “agora voltarei à Universidade de Lisboa” – que muito boa gente interpretou
como sinal de uma possível demissão. Tendo isto escutado, milhares de almas,
até entre a maioria, começaram a esfregar as mãos de contente. Mas logo veio
Passos Coelho clarificar as palavras de Crato, convencido de que a estratégia
de não deixar cair ninguém funciona em qualquer situação: “O senhor ministro da
Educação e Ciência há-de um dia regressar à sua universidade, como ele próprio
disse, mas não será agora.” Não, não será agora. Será quando o governo levar
uma monumental coça nas urnas, graças ao total desnorte que tem andado a
exibir.
Deixem-me
tentar fazer um desenho, a ver se Pedro Passos Coelho percebe. Mesmo que na
cabeça de um boy todos os conceitos se confundam, convinha que um
primeiro-ministro conseguisse distinguir a “ideologia” da “competência”. Eu, e
muitos outros como eu que costumam votar à direita mas não têm cartão laranja,
estão dispostos a suportar um governo que lhes atira com austeridade para cima,
porque acreditam não haver melhor alternativa. Parece-me natural que certas
convicções ideológicas suportem certos sacrifícios e medidas impopulares. Mas
para que tal aconteça, é necessário manter um nível mínimo de competência na
execução das políticas. Rosa ou laranja, um incompetente é um incompetente – e
não há convicção ideológica que resista à avalanche de inépcia que tem desabado
sobre nós no último mês e meio.
Se o triste trabalho do boy é confundir a ideologia
com a competência – todos os que são do partido são bons, e basta serem do
partido para fazerem tudo bem feito –, graças a Deus e a todos os santinhos há
muito país para além dos boys. E nesse país, as pessoas sérias não têm a menor
hesitação: se tiverem de escolher entre o incompetente ideologicamente próximo
e o competente ideologicamente afastado, elas vão votar no competente. A forma
como Passos Coelho se está a agarrar aos ministros da Educação e da Justiça
mostra a confusão que vai na sua cabeça. A teimosia que o salvou no Verão de
2013 está a matá-lo no Outono de 2014” (texto de JOÃO MIGUEL TAVARES, Público,
com a devida vénia)