sexta-feira, outubro 10, 2014

90 por cento dos portugueses não têm acesso a cuidados paliativos

Segundo a jornalista da RTP, Sandra Salvado, "a esmagadora maioria dos portugueses que precisam de cuidados paliativos não os recebe. O alerta é da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP), que justifica esta situação com "a vontade política". Apesar de todos os progressos da medicina, a longevidade crescente e o aumento das doenças crónicas conduziram a um aumento significativo do número de doentes que não se curam. O modelo da medicina curativa, centrada "no ataque à doença" não se coaduna com as necessidades deste tipo de pacientes, que têm sido frequentemente esquecidas, alerta a APCP.
Os distritos em alerta vermelho 
A associação divulgou um estudo que se baseou na análise do desenvolvimento destes cuidados desde 1988. A análise da APCP mostra que 50 por cento dos doentes referenciados morrem sem acesso a estes cuidados. Os distritos de Aveiro, Leiria, Santarém e a região autónoma dos Açores estão em alerta vermelho, sem um único modelo de prestação destes serviços, explicou à RTP Online Manuel Luís Capelas, presidente da APCP. Os resultados são preocupantes, já que cerca de 50 por cento dos doentes referenciados morre sem aceder aos cuidados, o tempo de espera dos doentes é de cerca de 40 dias, o número de doentes referenciados não corresponde à realidade e os indicadores de qualidade são inadequados.
A obstinação terapêutica dos médicos
Segundo dados da European Association for Palliative Care, em 2013 Portugal estava na cauda dos países da União Europeia, com 5.05 serviços por milhão de habitantes. Atrás de Portugal apenas fica o Chipre, Grécia, os países de Leste, do Báltico e os da antiga União Soviética. O primeiro serviço de cuidados paliativos em Portugal foi criado há 22 anos no Fundão. Lourenço Marques, antigo diretor deste serviço, médico anestesiologista e professor na Universidade da Beira Interior referiu à RTP Online que a juntar às falhas no sistema "há falta de sinalização dos médicos quanto aos doentes que precisam de cuidados paliativos. Praticam obstinação terapêutica e investem mal nos pacientes, com terapêuticas heroicas, não apropriadas, inúteis e causadoras de maior sofrimento. O doente acaba por morrer de forma indigna".
Portugal podia poupar entre 125 a 250 milhões por ano 
O estudo conta ainda com uma análise aos programas de cuidados paliativos nos Estados Unidos, Canadá, Espanha e no Algarve, a qual apurou uma redução significativa, não só nos custos para o Estado, como também uma diminuição significativa do número de internamentos hospitalares, idas às urgências, medicamentos e exames. "O modelo de que nos aproximamos mais é o da Catalunha, onde houve uma poupança média entre dois a quatro mil euros por doente, por ano. Se fizermos a transposição para Portugal, sem as correções monetárias por que o modelo já tem uns anos, estamos a falar de uma redução de 125 a 250 milhões de euros, por ano", adianta o presidente da APCP. Manuel Luís Capelas vai mais longe, dizendo que "nem todos precisamos de ser reanimados pelo INEM. Tem que haver este serviço mas sabe-se hoje que só cerca de cinco a dez por cento das mortes é que são de situação inesperada ou aguda, os restantes 90 por cento, decorrem ou por envelhecimento ou por dependência das doenças e é aqui que o Serviço Nacional de Saúde tem que virar a bússola".