“É sempre difícil perceber se os protestos populares têm grande consequência política. Hoje, por exemplo, soubemos que o governo búlgaro caiu por causa de uma onda de protestos iniciada por um aumento brutal da electricidade. Ao mesmo tempo, na Eslovénia o governo também caiu, mas no Parlamento e às mãos de uma moção de censura formal. Num caso e no outro, as razões da queda estão ligadas as suspeitas de corrupção, a uma profunda desconfiança dos políticos e a uma erosão da relação entre eleitos e eleitores.
Com exceção da corrupção - um tema que dá para tudo -, a desconfiança em relação aos políticos e a erosão da relação entre eleitos e eleitores também começa a ganhar uma dimensão preocupante em Portugal. O processo cresceu muito nas últimas semanas e terá o momento mais alto na manifestação do próximo sábado, em que a orgânica CGTP se vai juntar a um protesto inorgânico. Estará, seguramente, muita gente, mas penso que dificilmente esta manifestação terá o mesmo efeito da de 15 de setembro, por dois tipos de razões.
Em primeiro lugar, a TSU era uma causa que unia praticamente todos os portugueses. Em segundo lugar, a divisão do governo era absolutamente evidente. Neste momento atravessamos um período bem diferente. O aumento brutal do desemprego, o empobrecimento de quem ainda trabalha ou recebe pensões e o falhanço em toda a linha legitimam os protestos. Mas o governo está muito menos dividido do que em setembro e a radicalidade de alguns protestos - como o caso do ISCTE com Relvas ou do coelho literalmente enforcado na Faculdade de Direito - tiram alguma espontaneidade aos protestos.
Foi por isso que Passos fez questão de ir à Faculdade de Direito. Ele sabe que os protestos não vão parar em Portugal. Mas, ao caírem na armadilha da radicalidade, acabam, no curto prazo, por ajudar o governo. Mesmo cercado e enfraquecido, o executivo sente-se mais forte” (texto de Ricardo Costa, Expresso, com a devida vénia)