domingo, março 03, 2013

Opinião: "O FMI e a austeridade”

“Como os portugueses dolorosamente sabem, uma intervenção do FMI vem com austeridade fiscal. Uma austeridade que cai sobre os mais desprotegidos e que mergulha o país em recessão e agrava a crise. Porque insiste o FMI então nesta austeridade perversa?
Primeiro, o FMI não força a austeridade. Antes, os seus empréstimos aliviam-na. Portugal entrou em crise porque os credores privados deixaram de nos emprestar dinheiro. Porque o país e o Estado gastavam mais do que produziam, sem financiamento a consequência era inevitável: um enorme e repentino corte nos gastos. Os programas do FMI são um empréstimo que torna este corte austero mais suave e mais prolongado no tempo. A maioria dos pacientes que visitam um oncologista ficam mais doentes nos meses seguintes. Mas o médico não causou a doença, antes a aliviou.
Segundo, é extraordinário ouvir os supostos keynesianos que surgem nesta altura a exigir aumentos na despesa e no défice para estimular a economia. Curiosamente, nos tempos de expansão económica, estas pessoas raramente defendem que se corte na despesa e se acumule um excedente orçamental para usar nos maus tempos, o lado menos glamoroso das políticas keynesianas, mas que se fosse feito era o melhor remédio contra a austeridade presente. Mais curioso, se é tão óbvio que cortar o défice vai contrair tanto a economia que acaba por aumentar a dívida e tornar mais difícil o seu pagamento, então por que raio é que não há um único credor privado disposto a financiar o nosso défice? Não é só o FMI, mas todo o mundo parece ignorar a sapiência de que se alguém te deve tanto que não parece ter hipótese de te pagar, então deves emprestar-lhe cada vez mais. Quando um banco faz isto a um privado, para que ele invista em novas aventuras e com muita sorte descubra a fortuna que escapou no passado, chamamos irresponsável ao banco e zombie ao devedor.
Terceiro, choca pensar que o contraponto da austeridade é a salvação dos credores internacionais. Não é só justo e moral, mas também é eficiente, que os credores partilhem o fardo do ajustamento, não sendo as dívidas pagas na totalidade. O FMI, pasme-se, concorda. As reestruturações de dívida e os incumprimentos foram quase todos forçados pelo FMI, e os bancos perderam milhões na América Latina nos anos 80. A dificuldade que os adeptos do "não pagamos" raramente referem é que o direito internacional não lida bem com estes processos, que acabam por ser incertos e custosos. Ainda hoje correm processos em tribunal sobre reestruturações de há 20 anos.
Há dois anos, defendi que reduzíssemos a nossa dívida deixando alguns bancos portugueses ir à falência. Mas hoje é tarde de mais. A maioria do nossa dívida está na troika ou no BCE, pelo que reestruturar a dívida seria, isso sim, salvar os credores privados à custa dos países europeus e dos restantes acionistas do FMI. Não pagar hoje não é mandar os especuladores à fava. É antes forçar os Estados como a Alemanha, a China e o Brasil a pagarem a nossa dívida (texto de Ricardo Reis, Professor de Economia na Universidade de Columbia, Nova Iorque, Dinheiro Vivo, com a devida vénia)