terça-feira, março 12, 2013

Opinião: “A desigualdade está a matar o capitalismo”

“Existe a ideia generalizada de que a crise de 2008-2009 foi provocada por créditos bancários excessivos e que a impossibilidade de uma recuperação adequada se deve à recusa dos bancos em emprestar devido a problemas nos balanços.
A história preferida dos apoiantes de Friedrich von Hayek e da escola austríaca de Economia, conta que nos anos que antecederam a crise, os bancos emprestaram mais do que deviam devido ao excessivo dinheiro barato fornecido pelos bancos centrais, em particular a Reserva Federal dos Estados Unidos. O dinheiro dos bancos centrais abundava nos bancos comerciais, que concederam crédito a muitos maus projectos de investimento, com a explosão da inovação financeira (em particular dos instrumentos derivados) a estimular ainda mais o crédito.
Esta pirâmide invertida de dívida entrou em colapso quando a Reserva Federal dos Estados Unidos, finalmente, travou a febre consumista com um aumento das taxas de juro (a Fed aumentou a sua taxa de referência de 1% em 2004 para 5,25% em 2006, valor que se manteve até Agosto de 2007).
Esta subida provocou o colapso dos preços das casas, deixou um rasto de bancos zombies (cujos passivos excediam, claramente, os activos) e arruinou os devedores.
O problema agora parece ser a dificuldade em retomar o crédito bancário. Os bancos em dificuldades que não querem fazer empréstimos devem, de algum modo, ser saneados. Este tem sido o objectivo dos vastos resgates nos Estados Unidos e no Reino Unido, seguidos de várias rondas de “quantitative easing”, nas quais os bancos centrais emitiram moeda e o injectaram no sector bancário através de diversos canais pouco ortodoxos (os seguidores de Hayek opuseram-se a esta solução argumentando que a crise tinha sido provocada pelo crédito excessivo e que não podia ser superada com mais crédito).
Ao mesmo tempo, os regimes regulatórios foram endurecidos, um pouco por todo o lado, para evitar que os bancos colocassem, novamente, em risco, o sistema financeiro. No caso do Banco de Inglaterra, por exemplo, ao mandato de manter a estabilidade dos preços foi dada tarefa de manter “a estabilidade do sistema financeiro”.
Esta análise, aparentemente verosímil, assenta na ideia de que a oferta de crédito é essencial à saúde da economia: demasiado dinheiro arruína a economia, muito pouco dinheiro destrói-a.
Mas pode olhar para esta questão de outro ponto de vista: a procura de crédito, e não a oferta, é o motor crucial da economia. Os bancos estão obrigados a dar crédito se existir um colateral adequado; e no período que antecedeu a crise, a subida do preço das casas forneceram-no. Por outras palavras, a oferta de crédito resultou da procura de crédito.
Assim, a questão da origem da crise é vista de outra forma. A culpa não foi tanto dos credores predadores mas dos devedores imprudentes ou enganados. Desta forma, a pergunta que importa colocar é: por que razões quiseram as pessoas pedir tanto dinheiro emprestado? Por que motivos, no dias que antecederam a crise, a percentagem da dívida em relação ao rendimento atingiu níveis nunca vistos?
Partindo do princípio que as pessoas são ambiciosas e que querem sempre mais do que aquilo que podem comprar, porque motivo esta ambição se manifestou de forma tão obsessiva?
Para responder a esta questão é necessário olhar para o que aconteceu à distribuição de rendimento. O mundo estava a tornar-se, gradualmente, mais rico mas a distribuição de rendimentos entre países estava a tornar-se cada vez mais desigual. Apesar do rendimento per capita ter aumentado, os rendimentos médios estagnaram – ou caíram – nos últimos 30 anos. Isto significa que os ricos têm ficado com uma percentagem enorme do crescimento da produtividade.
E o que fizeram os mais pobres para estar à altura deste mundo de expectativas crescentes? Fizeram o que os pobres sempre fizeram: endividaram-se. Antes endividavam-se com penhoristas. Agora endividaram-se junto de bancos e companhias de cartões de crédito. E como a sua pobreza era relativa e os preços das casas aumentavam rapidamente, os credores deixaram-nos endividar cada vez mais.
Como é óbvio, alguns estavam preocupados com o colapso das taxas de poupanças das famílias. Mas poucos estavam demasiado preocupados. Num dos seus últimos artigos, Milton Friedman escreveu que, nos dias de hoje, as poupanças assumiram a forma de casas.
Para mim, esta visão explica muito melhor, do que a visão ortodoxa, o motivo para os bancos comerciais não terem retomado a concessão de crédito, e a economia ter desacelerado, apesar das injeções de dinheiro realizadas pelos bancos centrais. Assim, como os credores não obrigara, as pessoas a obter crédito antes da crise, agora também não podem obrigar as famílias altamente endividadas a obter créditos, ou as empresas a solicitar empréstimos para aumentar a produção quando os mercados estão parados ou em contracção.
Em resumo, a recuperação não pode ser deixada nas mãos da Reserva Federal, do Banco Central Europeu ou do Banco de Inglaterra. Exige o envolvimento activo dos políticos. A actual situação exige não um credor de último recurso mas um gastador de último recurso. E esse papel só pode ser desempenhado pelos governos.
Se os governos, com os seus níveis de endividamento elevados, acreditarem que já não podem emprestar, devem pedir emprestado aos seus bancos centrais e gastarem esse dinheiro em obras públicas e projectos de infra-estruturas. É a única maneira das grandes economias do Ocidente voltarem a crescer.
Mas, além disto, não podem manter um sistema que permite que uma grande parte do rendimento e da riqueza nacional fiquem nas mãos de poucos. A redistribuição concertada de riqueza e rendimento tem sido essencial para a sobrevivência de longo prazo do capitalismo. Estamos prestes a aprender, novamente, essa lição” (texto de Robert Skidelsky, membro da Câmara dos Lordes britânica, professor emérito de Economia Política na Universidade de Warwick, Project Syndicate, 2013, Jornal de Negócios, com a devida vénia)