terça-feira, março 12, 2013

Opinião: “A Besta insaciável”

“O mundo observa os Estados Unidos a debaterem-se com o seu futuro orçamental, mas os contornos dessa batalha reflectem divisões sociais e filosóficas mais amplas que provavelmente irão repercutir-se em todo o planeta, de variadas formas, nas próximas décadas. Tem havido um grande debate a respeito dos cortes da despesa pública, mas tem sido prestada pouca atenção à forma de tornar os gastos governamentais mais eficientes. No entanto, se não se encontrarem estratégias mais criativas na prestação dos serviços públicos, os seus custos continuarão a aumentar inexoravelmente ao longo do tempo.
Qualquer indústria intensiva em serviços enfrenta os mesmos desafios. Na década de 1960, os economistas William Baumol e William Bowen escreveram acerca da “doença dos custos” que assola estas indústrias. O célebre exemplo que usaram foi o de um quarteto de cordas de Mozart, que requer o mesmo número de músicos e de instrumentos nos tempos modernos que requeria no século XIX. Da mesma forma, um professor precisa praticamente do mesmo tempo que precisava há 100 anos para avaliar um trabalho. Os bons canalizadores custam uma pequena fortuna porque, também neste caso, a tecnologia evoluiu muito lentamente.
Por que motivo é que o lento crescimento da produtividade se traduz em custos elevados? O problema é que as indústrias dos serviços, em última instância, acabam por ter de competir por mão-de-obra que faz parte da mesma reserva nacional de trabalhadores dos sectores com um rápido crescimento da produtividade, como as finanças, actividade industrial e tecnologias da informação. Ainda que as reservas de trabalhadores possam estar, de alguma forma, segmentadas, existe sobreposição suficiente para levar os sectores intensivos em serviços a pagarem salários mais elevados, pelo menos no longo prazo.
O governo, claro está, é o sector intensivo em serviços por excelência. Entre os trabalhadores governamentais incluem-se os professores, polícias, funcionários de recolha de lixo e militares.
As escolhas modenas parecem-se muito mais com as escolas de há 50 anos do que as fábricas modernas com as daquela época. E apesar de a inovação militar ter sido espectacular, continua a ser bastante intensiva em mão-de-obra. Se as pessoas querem o mesmo nível de serviços públicos em relação a outras coisas que consomem, a despesa governamental representará uma percentagem cada vez maior da produção nacional ao longo do tempo.
De facto, não tem sido só a despesa pública que tem estado a aumentar em percentagem do rendimento; o mesmo acontece com muitas outras indústrias dos serviços. Actualmente, o sector dos serviços, incluindo o governo, representa mais de 70% do PIB na maioria das economias avançadas.
A agricultura, que na década de 1800 representava mais de metade do rendimento nacional, representa agora uma ínfima percentagem. O emprego na área da indústria, que representava um terço – ou mais – dos postos de trabalho antes da Segunda Guerra Mundial, diminuiu de forma impressionante. Nos EUA, por exemplo, o sector industrial emprega menos de 10% da força laboral. Por isso, mesmo com os conservadores económicos a pedirem cortes na despesa, há forças poderosas que empurram em direcção contrária.
Na realidade, o problema é pior no sector público, onde o crescimento da produtividade é muito mais lento do que em outras indústria dos serviços. Apesar de isso poder ser um reflexo do misto específico de serviços que os governos são chamados a fornecer, é difícil que seja a única explicação.
É certo que parte do problema reside no facto de os governos usarem a mão-de-obra não apenas para fornecerem serviços, mas também para fazerem transferências implícitas. Além disso, as agências governamentais funcionam em muitas áreas onde se deparam com pouca concorrência – pelo que não sofrem grande pressão para inovarem.
Não seria de envolver mais o sector privado, ou pelo menos aumentar a concorrência, no governo? A educação, onde o poder das modernas tecnologias disruptivas pouco se tem feito sentir, seria um bom ponto de partida. Há sofisticados programas informáticos que estão a ficar bastante eficientes na avaliação dos trabalhos dos alunos do ensino secundário, apesar de não estarem ainda à altura dos padrões dos melhores professores.
A infraestrutura é outro sector óbvio onde ampliar o envolvimento do sector privado. Houve uma época, por exemplo, em que se acreditava que os condutores em estradas operadas por empresas privadas teriam de ficar constantemente em longas filas para pagarem as portagens. No entanto, os modernos radares e os sistemas de pagamento automático resolveram a questão.
Contudo, não devemos partir do princípio de que um maior fornecimento de serviços por parte do sector privado seria uma panaceia. Continuaria a haver necessidade de regulação, especialmente em situações de monopólio ou quase-monopólio. E continuaria a ser necessário decidir como equilibrar a eficiência e a equidade no fornecimento dos serviços. A educação é claramente uma área onde qualquer país tem um forte interesse nacional em criar uma situação equitativa.
Enquanto presidente norte-americano da década de 1980, o ícone conservador Ronald Reagan descreveu a sua estratégia de política orçamental como “deixar a besta morrer à fome”: ou seja, o corte de impostos acaba por obrigar as pessoas a aceitarem uma redução dos gastos do governo. Sob muitos aspectos, a sua abordagem foi um grande sucesso. Mas a despesa pública continuou a aumentar, porque os eleitores continuam a querer os serviços que o governo fornece. Actualmente, está claro que se quisermos controlar os gastos do governo, temos de encontrar meios de definir incentivos para que a inovação no governo se mantenha a par da inovação noutros sectores dos serviços.
Sem novas ideias de como inovar no fornecimento de serviços públicos, as batalhas como a que vemos hoje nos EUA só podem piorar, uma vez que se está cada vez mais a pedir aos eleitores que paguem mais por menos. Os políticos podem fazer um melhor trabalho e prometerão fazê-lo, mas só serão bem sucedidos se identificarem formas de impulsionar a eficiência e produtividade dos serviços governamentais” (texto de Kenneth Rogoff, antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, professor de Economia e Política Pública na Universidade de Harvard, Project Syndicate, 2013, Jornal de Negócios com a devida vénia)