sexta-feira, março 08, 2013

Opinião: "Como será o pós-troika?"

"Portugal está prestes a resolver a restrição financeira. Agora há que cuidar da economia, com a consciência que não é viável replicar o modelo que existia antes de 2008. Portugal pediu mais tempo para pagar o empréstimo de 76 mil milhões que a troika nos concedeu. Ao mesmo tempo, regressou aos mercados.
No primeiro caso, o Governo sai derrotado. O discurso público do primeiro-ministro e do ministro das Finanças foi sempre no sentido de que pedir mais tempo para pagar o empréstimo era prolongar a austeridade. Em qualquer caso, a decisão foi do mais liminar bom senso. Os picos de pagamento da dívida nos próximos dois anos eram demasiado elevados para que não fossem suavizados ao longo do tempo.
No segundo caso, trata-se de uma inegável vitória do Governo. É certo que não se tratou ainda de uma emissão pura de dívida pública, mas uma operação sindicada por quatro bancos. Contudo, o seu sucesso não pode ser escamoteado, vindo na sequência da emissão que a Irlanda fez a 8 de Janeiro e, sobretudo, da decisão do Banco Central Europeu, em Agosto de 2012, assegurando que garantiria as emissões de dívida pública dos países da zona euro a taxas razoáveis.
Como, a par disto, já várias empresas e bancos nacionais foram aos mercados, conseguindo obter financiamentos a taxas aceitáveis, isso quer dizer que a política económica do Governo é credível para os agentes económicos, o que torna mais consistente a ideia de que o país estará em condições de se financiar externamente a partir de 2014 sem necessidade do aval da troika.
Dito isto, convém então olhar para o pós-troika e perceber duas coisas. Em primeiro lugar, que a crescente abertura do crédito para Estado, empresas e famílias não nos pode levar a pensar que os problemas estão resolvidos e podemos regressar ao nosso antigo modelo económico, onde a falta de investimento, sobretudo privado, e o excesso de crédito para consumo foram uma constante nas duas últimas décadas. Em segundo, também não é possível pensar que as exportações, em sentido lato, serão o alfa e o ómega em que assentará o crescimento nos próximos anos.
As exportações são importantes, mas não são tudo nem são todas iguais. Em Portugal existem cerca de 300 mil empresas, das quais 20 mil exportam e apenas 100 exportam 50% do total. É preciso que muitas mais optem por vender os seus produtos nos mercados externos. Mas isso não se faz de um dia para o outro e tem de assentar em produtos que incluam alto valor acrescentado nacional. Há algumas empresas exportadoras que importam praticamente quase tudo o que necessitam para vender ao exterior. Resultado: o valor acrescentado nacional é muito reduzido. Não é esse o caminho que nos interessa.
A outra questão tem a ver com o que se fará no mercado interno para apoiar milhares de pequenas e médias empresas, muitas delas com bom potencial de crescimento, mas que durante esta crise ficaram com a corda ao pescoço devido a dificuldades de tesouraria. São elas as principais criadoras de emprego em Portugal e sem elas não será possível absorver os mais de um milhão de desempregados que existem atualmente.
Há que tomar medidas para fazer com que o crédito bancário chegue rapidamente, e em condições aceitáveis, a essas empresas. Mas há também que criar legislação que beneficie o fortalecimento dos seus capitais próprios. Há ainda que incentivar aquelas que criem novos empregos e façam investimentos modernizadores e tecnologicamente avançados. As grandes empresas devem apoiar a internacionalização destas PME, levando-as com elas para os mercados externos. Os programas de formação profissional devem ser intensificados. Exemplos como o setor do calçado, que deu uma volta com enorme sucesso e hoje produz o segundo calçado mais caro do mundo, devem ser estudados e replicados em todos os setores onde for possível. O IRC deve ser reduzido para atrair investimento nacional mas também estrangeiro. Portugal precisa de se distinguir fiscalmente dos seus parceiros europeus. E tudo o que seja burocracia que dificulte a criação de empresas e investimentos deve ser combatida e eliminada.
Uma coisa é certa. Estando em vias de ser ultrapassada a enorme restrição financeira que atingiu o país, importa agora cuidar da economia. Mas há que fazê-lo com a consciência de todos (Estado, banca, empresas, famílias) de que não podemos reproduzir o que existia antes de 2008. De contrário, voltaremos a ficar em maus lençóis daqui a algum tempo" (texto de Nicolau Santos, Expresso, com a devida vénia)