domingo, março 03, 2013

Opinião: "AGIOTAGEM E AMEAÇAS"

"I. Não tenho hoje qualquer dúvida que Portugal está "entalado" entre a obrigação de pagar o que deve - era o que nos faltava que assim não fosse - sem com isso seja obrigado, tal como tem vindo a fazer, o país e os portugueses na mendiguice e na pobreza ou exclusão social acentuadas, e o chulanço descarado por parte dos nossos "amigalhaços" que cobram juros pelos empréstimos concedidos, que são exemplo descarado de agiotagem. Aliás as estranhas negociatas em torno da dívida pública portuguesa nem poupam o Banco de Portugal, tal como muitos bancos privados, que não financiam a economia, mas andam com o nariz empinado quando lhes cheira a lucros fáceis, mesmo que tenham sabores agiotas.
E tudo isto não deixa de ser estranho. Estranho porque uma fatia de 12 mil milhões de euros do total do empréstimo pedido pelo país à "troika", 78 mil milhões, e que foi alegadamente destinada a recapitalização da banca portuguesa, também está a ser paga (juros e capital) pelos portugueses, através do roubo sistemático e criminoso que este governo de coligação faz dos salários , das pensões e das reformas.
Vamos a factos, para que os leitores percebam o que quero dizer.
Segundo foi noticiado recentemente, “cada português vai pagar, em média, 732 euros em juros da dívida pública no próximo ano, o que fará com que cada família (também de dimensão média, cerca de 2,6 indivíduos por agregado) seja chamada a desembolsar mais de 1.900 euros em 2014”. Estes cálculos foram elaborados com base nos dados atualizados da Comissão Europeia. Significa isto que “o aumento anual será de quase 8% e de mais 56% face ao período anterior ao plano de ajustamento ( 2010). O bolo total dos juros irá valer 7,8 mil milhões de euros no ano que vem. Estes números, que antecipam uma crescente pressão dos juros sobre o Orçamento do Estado (são contabilizados no défice) e sobre as famílias, que o terão de pagar, levaram o governo a movimentar-se no sentido de pedir condições mais “flexíveis” aos três membros da troika, de forma a aliviar a condução da política orçamental nos próximos anos”.
A verdade é que, de acordo com os indicadores que estão a ser dados nos últimos dias, tudo indica que no imediato a prioridade não será pedir uma negociação destes juros, mas antes pedir um ano mais para diminuir o défice e um calendário mais prolongado para amortizar o capital em dívida, aliviando deste modo a pressão que se faz sentir sobre o governo.
Segundo alguns especialistas, “o envelope de empréstimos da troika tem uma taxa de juro implícita relativamente favorável face à do “stock” de endividamento da República (cerca de 3,3% ao ano contra uma média de 3,8% implícita na dívida pública total, em 2012)”. Sabe-se que a Comissão Europeia fez contas ao custo global que Portugal irá pagar em 2014 por todos os seus empréstimos: “à medida que o país deixa de receber financiamento oficial (da troika) e vai tentando contrair dívida de médio/ longo prazo por sua conta e risco nos mercados abertos - algo que já começou a acontecer este ano, mas que terá maior intensidade no próximo - a taxa de juro começará a subir. Este ano, o custo total baixará até 3,6% para em 2014 subir até 3,8%.Apesar destes preços continuarem a ser relativamente baixos em termos históricos, Portugal (os contribuintes) tem um problema muito sério pela frente”. Qual? “O stock de dívida já ultrapassa os 200 mil milhões de euros (mais de 120% do PIB), um dos mais elevados da zona euro e um volume nada compatível. Ou seja, por muito baixa que seja a taxa de juro, a fatura dos juros será sempre demasiado pesada para a economia. Para mais com as fracas perspetivas de crescimento (recessão agravada este ano e quase estagnação no próximo) e com o desemprego acima de 17% da população ativa”.
Isto porque foi a própria Comissão Europeia a lembrar há duas semanas, num documento próprio, que Portugal é o país da Europa mais penalizado pelos juros tendencialmente mais caros: em 2014 o nosso país terá a terceira maior subida na taxa de juro média implícita na dívida a seguir à Bulgária e ao Luxemburgo. O problema é que a dívida nacional ronda os 125% do PIB, ao passo que a da Bulgária será 17% e a do Luxemburgo 24%"
II. Desconfio que a coligação - que se confrontou de novo com manifestações de grande dimensão as quais certamente tentará desvalorizar, comentando mais um erro político que só atiçará ainda mais a hostilidade pública - dá provavelmente como perdidas as eleições autárquicas – apesar da especificidade muito próprias deste ato eleitoral – porque sabe, melhor que ninguém, que este ano será terrível e que mais austeridade se adivinha. Provavelmente perderá também as europeias de 2014, porque a Europa está farta desta política de direita que tem varrido a Europa, destruindo-a pouco-a-pouco. A aposta do PSD e do CDS centra-se prioritariamente nas legislativas antecipadas de 2015, caso se mantenha o calendário político e a crise política desejada pela oposição não se radicalize.
O problema é que as medidas de contenção da despesa pública, por via da imposição de uma redução e pelo menos 4 mil milhões de euros na despesa pública, e que vai assentar em mais reduções de salários, mais cortes nas pensões e nas reformas, na transferência de despesas públicas na saúde e na educação para as famílias, etc, a que se juntará provavelmente mais austeridade, quando se confirmar o inevitável falhanço da execução orçamental este ano, acabarão por gerar fortíssima contestação social, que admito possa ser mais exigente, quiçá mais violenta, e que vai pressionar o Presidente da República a tomar medidas concretas que podem passar pela, dissolução do parlamento e convocação de eleições antecipadas. O “regresso” aos mercados, apesar de ter sido um acontecimento importante, não resolve os nossos problemas, não muda a situação de precariedade, de empobrecimento das famílias, não impede a falência de empresas, não gera mais emprego, etc.
Já várias vezes referi que, ressalvando a teimosia, o autismo idiota e a óbvia incompetência, sobretudo da dupla Gaspar-Passos, este governo de coligação desacreditado, ilegítimo e mentiroso, continua a correr o risco de não chegar até ao final deste ano (tudo dependerá, em última instância, dos resultados das eleições autárquicas, ou antes disso, do impacto social e da reação popular ao anúncio de medidas, quer sejam de austeridade, quer sejam de corte da despesa pública, que no fundo transitarão dos cofres do estado opara o bolso dos contribuintes, sem que os impostos baixem), embora disponha, em termos políticos-comunicacionais, de um triunfo importante para utilizar no seu discurso político, na perspetiva de que pretende travar a hostilidade pública, seja ela organizada ou espontânea, Falarei disso um dia destes" (LFM/JM)