quinta-feira, julho 09, 2020

Qual é a taxa de letalidade da covid-19 no mundo? Cada país tem um número e isso torna mais difícil planear estratégias de resposta

Nos países mais pobres há menos acesso a cuidados de saúde, as casas têm menos condições para o distanciamento mas as populações são jovens. Nos países com populações envelhecidas, os cuidados de saúde são ótimos. O tipo de sangue ou a prevalência da diabetes também afeta o número de pessoas que morrem em cada país e por isso as taxas de letalidade variam muito, ao ponto de ser quase impossível dizer qual é a taxa de letalidade da doença em todo o mundo. A OMS chegou a um número (0,6%) mas muitos países, incluíndo Portugal, estão muito acima disso. Quantas pessoas morrem exatamente por causa da covid-19, em relação às que contraem a doença? Não é um número fácil de encontrar mas é um dado que poderia ajudar os governos a saber com o que contar se e quando decidissem abrir de novo as suas economias, investir em ventiladores e camas preparadas com máquinas de sustentação artificial da vida e uma série de outras formas de prevenção.

Esta é uma grande incógnita que varia de país para país, está diretamente ligada à idade e às doenças previamente adquiridas da pessoa infetada e também aos cuidados de saúde que recebe - e em que ponto da progressão da doença os recebe. Mas mesmo nos países mais pobres, este dado poderia ajudar os governos a destinar os poucos recursos que têm na saúde para o tratamento da doença - ou então não, caso a prevalência de casos não justificasse o investimento.
Na quinta-feira, um conjunto vasto de 1300 cientistas reuniu-se durante dois dias em várias sessões online organizadas pela Organização Mundial da Saúde para tentar encontrar precisamente este número. No fim, o consenso foi que a taxa de mortalidade do vírus é de 0,6%, ou seja de menos de 1%. Problema: 0,6% da população mundial são 47 milhões de pessoas, Espanha inteira. Seriam cerca de 60.000 mil portugueses mortos. Timothy Russell, matemático epidemiologista na Escola de Medicina Tropical e Higiene, também estima uma taxa algures entre os 0,5% e os 1%.
O problema é que os casos de covid-19 no mundo são provavelmente muito, mesmo muito mais dos que os que conhecemos. Um estudo recente do Centro para a Prevenção e Controlo de Doenças dos Estados Unidos mostra que por cada pessoa diagnosticada, dez não o são, normalmente porque têm sintomas muito leves, ou mesmo nenhuns, e por isso não procuram ajuda médica, nem fazem testes. A chamada taxa de letalidade da doença (número de infetados com covid-19 que morrem) diminui à medida que mais testes se fazem, porque se todos os assintomáticos e as pessoas com sintomas ligeiros fossem casos confirmados ainda que não merecedores de grandes cuidados, o número de mortes por número de infetados seria logicamente menor.
O número de mortes com covid-19 por 100 mil habitantes varia muito, de país para país: por exemplo na Bélgica, esse número é de 85,5 mortos, o mais grave da lista na Europa. Logo depois está o Reino Unido, com 66 mortes, depois aparece Espanha com 60,7 mortos por 100 mil habitantes e Portugal aparece em décimo lugar, com 15,4 mortos. Em termos de percentagem, por exemplo a China, que tem 90.294 casos e 4.634 mortes tem uma taxa de letalidade de 5%. Os Estados Unidos estão próximos: 4,6%. Portugal está um pouco mais atrás, 3,67%. Mas na Bélgica, por exemplo, este número está nos 16%, enquanto a Nova Zelândia ou Israel têm taxas muito baixas, de 2%. Quase todos estes números, à exceção dos dois últimos, são bem mais altos do que a taxa de letalidade da gripe espanhola no mundo que ficou fixada nos 2,5%.
O “New York Times” escreve que há vários países na Europa que têm taxas de letalidade menores porque testam mais do que os Estados Unidos: entre essa lista está Portugal mas estão também países como Islândia, Dinamarca, Bélgica ou Itália. É que quando uma pandemia começa, as primeiras vítimas podem passar despercebidas por não se saber exatamente qual é a doença que está a matar tanta gente, ou por ser confundida com outras. O coronavírus já apareceu listado como gripe comum ou pneumonia em algumas das primeiras causas de morte que posteriormente os médicos acabaram por provar terem estado relacionadas com o novo vírus. Depois existe também o problema das complicações desta doença: ataques cardíacos, septicemia, enfartes, falência de órgãos, e nem sempre é possível decidir qual foi de facto a causa última da morte. Quando os picos passam, mais testes começam a ser feitos a um espectro mais largo de população, e normalmente a taxa de letalidade cai.
E por que razão todos estes números, mesmo assim, continuam a ser tão diferentes entre si? Porque todos os fatores que podem contribuir para um acréscimo de mortes (ou, ao contrário, para que se registem poucas) não estão concentrados num só país: há sim prevalência de diferentes fatores em diferentes países. Por exemplo: um país com a pirâmide demográfica do Egito, com muito mais jovens do que idosos, vai ter uma taxa de letalidade da doença menor porque sabemos que os jovens morrem muito menos se infetados com covid-19. Ao mesmo tempo, o Egito é um país onde não existem cuidados médicos acessíveis a toda a população e por isso a letalidade pode ser grande, apesar de haver muitos jovens. Ao contrário, o norte de Itália tem cuidados de saúde ao nível dos melhores do mundo mas há mais população idosa.
Novos fatores de análise estão ser incluídos nesta equação a cada dia que passa. Por exemplo, há estudos que indicam que as pessoas com tipo de sangue A têm mais probabilidade de ficarem gravemente doentes. Um sangue raro no Sul da Ásia e no Oeste de África e muito raro mesmo no caso de pessoas nativas da América do Sul, segundo um estudo de vários cientistas europeus. Mais um factor (Expresso, texto da jornalista Ana França)

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