quarta-feira, julho 01, 2020

Opinião: Você quer pagar a TAP ou o SNS?

É um pouco sinistro assistir a este espetáculo da corte lisboeta e socialista: a epidemia mostrou as fragilidades do SNS (as mortes paralelas, por exemplo) e das escolas dos bairros mais pobres, mas a discussão está centrada numa companhia aérea que despreza o Norte e que representa apenas 3% do turismo que chega ao aeroporto de Faro. As discussões em Portugal começam sempre em pontos de partida sagrados e definidos pelo PS e pela restante corte socialista de Lisboa. O alegado debate continua a partir desta sacralização inicial e é ampliada por dezenas de comentadores que dizem exatamente a mesma coisa mil vezes; é como se fossem pagos para não pensar pela sua própria cabeça, é como se fossem pagos para não agitar águas, para manter uma dormência discursiva na sociedade portuguesa, uma mesmice que enfarta e adormece.
A verdadeira questão não é se o Estado deve entrar na TAP, porque a TAP não pode ser sagrada. Porque é que temos de manter dentro do erário público uma companhia aérea eternamente deficitária numa era em que há dezenas e dezenas e dezenas de outras companhias? A TAP, a meu ver, ou é privada ou não é. Ou se orienta sozinha ou pode falir como qualquer outra empresa, porque já não estou disponível para suportar a TAP enquanto contribuinte. Já chega, de facto, de Novos Bancos.
Reparem: numa época em que tantos países europeus mais ricos do que Portugal já não têm companhia de bandeira (Suíça, Bélgica, os escandinavos), porque é que nós mantemos o luxo da companhia de bandeira? Parece coisa de nacionalismo serôdio. E depois convém acrescentar um pormenor que se tornou fatal nas últimas semanas. Há dias um responsável da confederação hoteleira do Algarve disse esta coisa extraordinária (Renascença): a TAP só é responsável por 3% do turismo que chega ao aeroporto de Faro. 3%. Ou seja, a TAP vive em divórcio permanente com as duas grandes regiões económicas do país extra-Lisboa: Algarve e Norte Atlântico. Então a TAP só serve mesmo Lisboa?
Se a TAP só significa 3% do turismo que chega ao aeroporto de Faro, o Algarve mostra que o sucesso económico do país não depende da TAP, depende da capacidade para atrair rotas e companhias, sejam elas quais forem. Eu só quero pagar à TAP o bilhete de uma viagem, não tenho de alimentá-la com os meus impostos, sobretudo quando é óbvio que o turismo de Portugal não depende da TAP, depende da capacidade hoteleira e turística do país. Se formos um destino bom, os turistas chegam de qualquer maneira, tal como os portugueses da diáspora.
Em resumo, o papel do Estado não é ter uma companhia aérea, o erário público não se deve desgastar com esse luxo. Aliás, é um pouco sinistro assistir a este espetáculo da corte socialista e lisboeta: a epidemia mostrou as fragilidades do SNS (as mortes paralelas, por exemplo) e das escolas dos bairros mais pobres, mas a discussão está centrada numa companhia aérea que despreza o Norte e que representa apenas 3% do turismo que chega ao aeroporto de Faro (Expresso, artigo de opinião de Henrique Raposo)

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