quarta-feira, junho 03, 2015

Opinião: Dramas sociais (indicadores comparativos)



Quando na posse do novo Governo Regional Miguel Albuquerque apontou as questões sociais como uma das prioridades da governação, fê-lo com base numa realidade que, independentemente de ser reconhecidamente incómoda para quem governa, não pode ser ignorada, sob pena de ser desvalorizada, com todas as consequências sociais daí resultantes.
A crise de 2010, complementada com a austeridade imposta pela troika a Portugal a que se juntaram os constrangimentos com os quais a Madeira se viu confrontada em 2012 com a vigência do PAEF – e não vale a pena escamoteá-lo – criaram problemas acrescidos na sociedade portuguesa, descaracterizando-a comparativamente ao que era habitual até então e criando problemas novos graças aos cortes impostos no âmbito do chamado Estado social ed à própria austeridade, com roubos nos salários, nas reformas e nas pensões. Hoje temos desempregados que nem auferem subsídio de desemprego e temos um mercado de trabalho que não consegue responder às necessidades de criação de emprego.
Temos uma outra realidade nem sempre assumida: uma nova pobreza, a que alguns chamam de pobreza envergonhada que atingia a classe média, que em Portugal tende a desaparecer (um dos pilares de qualquer sociedade é a classe média mas a suja potencial destruição será um dos legados desta governação de coligação passos Coelho-CDS), muitas famílias que antes tinham rendimentos suficientes para fazerem face aos seus encargos quotidianos – não sendo ricas viviam com o essencial – e que ser um momento pata outro, abruptamente, deixaram de ter condições muitas vezes para cumprirem os seus compromissos bancários, para darem educação aos seus filhos e para enfrentarem os custos de um dia-a-dia cada vez mais penoso.
Falo de gente que nunca trabalhou em Tecnoformas e outros “submundos” do género, que não se esquece de pagar impostos ou de descontar para a segurança social e que não têm empresas para se envolver em aldrabices de estranhos cursos de formação profissional financiados em milhares de milhares de euros (falo, por exemplo, de projetos de formação avaliados em 1,5 milhões de euros para mais de mil formandos em nove aeródromos municipais, na região Centro, dos quais só três tinham atividade, ainda que residual, e uma dezena de trabalhadores). Mais do que essa a pobreza estatisticamente mensurável temos uma pobreza “oculta”, pessoas que foram fortemente penalizadas pela austeridade, que foram vítimas da insensibilidade social de uma corja de bandalhos que se limitaram a concretizar objetivos financeiros e orçamentais à custa dos problemas sociais e humanos, que ignoraram a realidade de um país que, tendo desequilíbrios e injustiças sociais, não estava em condições de enfrentar um ajustamento forçado, imposto por lei e vergonhosamente assente numa carga fiscal que representa um dos mais escandalosos casos de roubalheira. Diria mesmo que muitos dos detidos por roubo nas nossas prisões se colocados ao lado desta forma criminosa como o poder lisboeta foi impondo cortes e impostos há muito que deveriam estar libertados.
Os portugueses - e isso está à vista de todos - foram vítimas de uma apressada mas oculta agenda politica e eleitoral que começou por ser desvalorizada mas que todos acabaram por perceber que tinha desde o primeiro momento um objetivo essencial. Estamos a falar de uma agenda política e eleitoral que não podia chegar a 2015 condicionada pela austeridade e pela ausência de algum alívio mesmo que distorcido pela propaganda (mesmo que implicasse sacrifícios eleitorais nas autárquicas de 2013 e nas europeias de 2014). Daí a pressa em resolver tudo, nem quer fosse a coice e pontapé, até 2014. Aliás percebe-se porque razão Passos recentemente afirmou que não lhe importava o sabor do xarope usado para combater a doença. O que lhe interessada era vencer a doença, independentemente dos custos daí resultantes. Na lógica mentecapta de Passos, “os efeitos secundários da cura para uma doença podem ser ultrapassados”. Ou seja, “para grandes males grandes remédios e na hora de tomar os medicamentos, o menos importante são os efeitos secundários”.
Aliás há uma declaração de Passos que revela bem a mesquinhez de carácter da pessoa em questão e da forma como usou os portugueses e os perseguiu deliberadamente em nome de uma “salvação” que mais não era do que o resultado de uma incompetência escondida, de uma ambição desmedida alimentada pelas ambições de poder de interesses empresariais de onde emergiu tardiamente e de uma vaidade pessoal absolutamente esquizofrénica e doentia de quem se julga “o gigante mais alto entre anões” no fundo um povo submisso, passivo e incapaz de reagir quando dele abusaram.
No caso concreto da Madeira há uma realidade social concreta e complexa, que me leva a pensar que Rubina Leal, responsável pelos assuntos sociais, terá alguma dificuldade em dormir, tal a dimensão das exigências colocadas em cima da mesa. Na ausência de soluções rápidas – embora não existam os milagres imediatistas que alguns partidos da oposição reclamam – há que pensar, planificar, refletir, discutir e decidir. O processo de decisão neste caso concreto não é fácil. E percebe-se que assim seja.
Vamos por partes.
Em Janeiro de 2011 a Madeira tinha 16.430 desempregados (2.965 inscritos entre 12 e 23 meses e 2.988 inscritos há 24 meses ou mais). Em Junho de 2011 o total de desempregados ascendia a 17.268 pessoas, que passaram em Dezembro de 2011, a 19.016.
Já em Janeiro 2012, com a austeridade em marcha, a Madeira passou a ter 20.067 desempregados (4.255 inscritos entre 12 e 23 meses e 4.736 inscritos há 24 meses ou mais) numero que em Dezembro desse mesmo ano aumentou para 23.741. O impacto do PAEF começou a sentir-se. Em Janeiro de 2013, novo salto para os 24.472 desempregados que desceram em Dezembro de 2013 para os 22.758, ao que se diz com a emigração e a saída de um número indeterminado de pessoas dos serviços de desemprego. A situação manteve-se em Janeiro de 2014 com 22.836 desempregados registados no IEM (5.523 inscritos entre 12 e 23 meses e 6.971 inscritos há 24 meses ou mais) que em Dezembro de 2014, passaram a 22.603. Já em Janeiro de 2015 estavam registados 23.076 desempregados (4.519 inscritos entre 12 e 23 meses e 7.926 inscritos há 24 meses ou mais). Finalmente, em Março de 2015 – último registo disponível na altura em que escrevo este texto – existiam na Madeira 22.600 desempregados (IEFP).
Mas há uma outra realidade social que muitas vezes passa despercebida das pessoas. Consultando os indicadores oficiais das Segurança Social, posso elaborar a seguinte comparação (dados reportados a Dezembro de 2014):
·        Beneficiários com prestações de desemprego:
Pais – 304.466 indivíduos
Madeira – 9.291
Açores – 7.786
Nota: refira-se que de acordo os dados atualizados a Abril de 2015, apenas 290.028 pessoas beneficiavam de subsídio de desemprego num universo de desempregados estatísticos da ordem dos 700 mil mas que na realidade será de 1 milhão contando os que emigraram os que foram suprimidos os dos centros de emprego ou estão em ações de formação temporárias mas pagas. No caso da Madeira a situação também é dramática e ajuda a perceber a dimensão do problema social: dos 22.600 desempregados registados em Abril de 2015, apenas 8.635 recebiam nesse mês subsídio de desemprego (valor médio pago foi de 441,43 euros). Nos Açores dos 11.459 desempregados registados em Abril de 2015, recebiam subsídio de desemprego 7.404 pessoas (valor médio pago era de 401,16 euros)
·        Valores médios mensais do subsídio processado:
Pais – 462,61 euros
Madeira – 456,31
Açores – 414,55
·        Nº de titulares com processamento de abono de família:
Pais – 1.146.344
Madeira – 30.038
Açores – 36.122
·        Famílias com processamento de RSI:
País – 139.557
Madeira – 2.770
Açores – 8.193
Beneficiários com processamento de RSI:
País – 320.712
Madeira – 7.043
Açores – 24.431
Nota: de acordo com estes dados os Açores são o 4º distrito do país em beneficiários do RSI logo depois de Lisboa, Porto e Setúbal o que não deixa de ser estranho
·        Valor médio processado de prestação de RSI por beneficiário:
Pais – 91,68 euros
Madeira – 89,18
Açores – 69,04
Nota: de acordo com estes dados os Açores são o distrito do país onde o valor médio da prestação de RSI paga aos beneficiários é o mais baixo
·        Valor médio processado de prestação de RSI por família:
Pais – 215,37 euros
Madeira – 221,26
Açores – 228,65
Nota: de acordo com estes dados os Açores são o 4º distrito do país onde o valor médio da prestação de RSI paga as famílias é o mais elevado, depois de Beja, Portalegre e Évora.
·        Beneficiários com processamento de CSI-Complemento Solidário do Idoso:
País – 212.633 (144.451 do sexo feminino)
Madeira – 3.304 (2.438)
Açores – 4.140 (3.115)
·        Pensionistas de invalidez:
País – 258.732 (123.780 do sexo feminino)
Madeira – 8.248 (4.130)
Açores – 8.600 (3.824)
·        Pensionistas de velhice:
País – 2.007.143 (1.063.170 do sexo feminino)
Madeira – 40.478 (24.670)
Açores – 25.618 (12.066)
·        Pensionistas de sobrevivência:
País – 721.307 (588.544 do sexo feminino)
Madeira – 18.822 (15.428)
Açores – 15.118 (13.099)
·        Beneficiários com processamento de subsídio de doença
País – 494.703 (933 com subsídio por tuberculose)
Madeira – 8.844 (8)
Açores – 10.225 (9)
Nota: Segundo um jornal de dimensão nacional (Expresso), seja qual for o critério aplicado o nosso país continua a ser um dos países mais endividados do mundo: “Em março, a dívida pública segundo as regras de Maastricht estava em 226,3 mil milhões de euros (130,3% do PIB) e, incluindo as empresas públicas fora do perímetro orçamental, o valor passava para 288,8 mil milhões (166,3%)”. Quer isto dizer que, no total, a nossa economia (exceto a banca) “devia 702,3 mil milhões de euros (404,3% do PIB) e o Estado não só paga os juros da sua própria dívida, que já ascendem a 8,8 mil milhões de euros este ano, como suporta ainda parte dos juros das empresas e das famílias através de deduções fiscais”. Contas feitas pelo semanário Expresso, tendo por base os dados das Finanças e do Banco de Portugal, “o Estado pagou entre 72,6 mil milhões de euros e 77,5 mil milhões em juros entre 2005 e 2014”. De facto, tínhamos que andar tesos… (LFM/JM)

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