Tinha eu um artigo sobre esta patifaria mafiosa no BES pronto para enviar para a secretaria de redação do Jornal da Madeira destinado a publicação na 3ª feira. Com estas medidas hoje reveladas, lá se foi o texto mas mesmo assim não hesito em publicá-lo:
Penso que já todos perceberam, os que
acompanham mais de perto estas questões, e aqueles que irresponsavelmente ainda
acreditam teimosamente no Pai Natal, quando sabem que não o deviam, que o que
se passou no BES, seja o banco, seja o grupo Espírito Santo, é um tremendo
regabofe que veio colocar a nú as patifarias do capitalismo e as
vulnerabilidades de grupos financeiros, sem princípios, sem valores, sem
regras, sem ética, que durante anos agiam com base na suposição, em meu
entender permitida pelo próprio poder político, de que eram uma espécie de
"donos de tudo isto", que controlavam todo o seu processo de decisão,
que manipulavam os factos em função dos seus interesses, que funcionavam mais
na lógica da defesa do captalismo selvagem e nojento e dos seus tentáculos do
que na defesa do país e do seu povo.
O que é caricato neste processo é que não
fosse uma denúncia anónima - curiosa e estranhamente ainda de contornos pouco
claros, embora muitos digam que tudo isso resultou de uma guerra familiar - e
ninguém saberia hoje o que se passava no BES. Pelo contrário, a tendência seria
para um agravamento criminoso de tudo o que por lá se passava, abafando aquilo
que penso que a justiça e o regulador têm o dever de colocar cá fora para que
as pessoas tenham a noção dos factos.
O absurdo de tudo isto é que ao mesmo
tempo que vemos o BES processar judicialmente clientes, que devido à crise, à
queda abrupta e criminosa de rendimentos e à asuteridade, deixaram de poder
cumprir os seus compromissos nos termos emque o vinham fazendo, porque tinham
rendimentos para isso - muitos desses clientes que deviam algumas poucas
dezenas de milhares de euros, quase sempre por terem sido aliciados na compra
de habitação própria - andou anos a essconder todas estas patifarias que
conduziram o banco a um buraco tremendo que poderá ser, na realidade, da ordem
dos 5 a 6 mil milhões de euros, sem que os mentores, protagonistas e
executantes de tudo isto sejam minimanente beliscados numa responsabilização
criminal e judicial que já deveria ter sido posta em excecução.
Neste quadro, quando leio na comunicação
social declarações, do próprio Passos, admitindo que o BES no âmbito da urgente
recapitaliação (pessoalmente não acredito que os acionistas privados garantam
os recursos financeiros urgentes que o banco precisa neste momento como de pão
para a boca) pode ter que aceder aos cerca de 6 mil milhões de euros que
ficaram disponíveis da verba da troika (12 mil milhões) inicialmente reservada
ao setor bancário, a primeira reação é a de que este povo tem que sair do
marasmo em que se encontra, do seu acomodamento passivo, da ideia tonta que
tudo isto é assunto de políticos, tem que vir para a rua impor uma espécie de
justiça popular em temos de observância de valores éticos e de exigência de uma
resposta célere da justiça, do regulador e da investigação do Ministério
Público, e de exigência da verdade absoluta a quem governa.
Custa-me muito acreditar a insinuação, que
já vi escarrapachada nas redes sociais, que o facto do BES ser agora liderado
por um economista identificado com o governo de coligação bandalho, que chegou
a fazer declaraçães mais rafeiras que as proferidas pelos ministros mais
radicais deste repugante governo, que inventou a teoria dos portugueses a
"viverem acima das suas possibilidades" mas sem denunciar as
responsabilidades de um sistema bancário-captalista corrupto e bandalho do qual
ele próprio (Vitor Bento) fez parte enquanto gestor de uma instituição ligada
ao sector bancário, juntando-se a tudo isto o facto de ter sido membro do
Conselho de Estado por escolha pessoal de Cavaco, sejam razões suficientes para
uma qualquer tramóia qualquer destinada a salvar o BES a todo o custo.
Como é possível que se ande a discutir os
termos em que o banco vai recorrer a esse dinheiro público - que aliás é pago
pelos portugueses em cada dia que passa - sem sabermos ao certo que se passou
no BES e no Grupo Espírito Santo, qual a dimensão efetivamente real do buraco,
que patifarias foram ali praticadas, quais os fretes das empresas de auditoria
das contas do banco, qual o papel do Banco de Portugal, que cumplicidades
existiam entre os antigos responsáveis pelo BES e a política e o regulador, que
erros foram cometidos pela regulação, etc? Como é que depois do BES ter andado
a distribuir durante anos dividendos de milhões, depois do Grupo Espírito Santo
se financiar no BES em condições que ainda não conhecemos, deixando a dúvida
sobre se os gestores do banco entendiam a instituição como
"propriedade" sua e não como uma instituição dos accionistas e dos
clientes dotadas de regras próprias de funcionamento.
Temo muito sinceramente - e reparem que
não emiti qualquer opinião sobre a possibilidade da capitalização do BES ser
feita à custa de injeção de dinheiro da troika pago pelos portugueses no âmbito
do emprestimo ao país de 78 mil milhões de euros - que depois de Vitor Bento,
usando da sua conhecida influência pessoal, resolver a questão da capitaliação,
que o BES vai avançar com despedimentos e com o encerramento de balcões e de
estruturas financeiras diretamente dele dependentes, criadas no quadro de uma
doentia megalomania facilmente colada aos anteriores responsáveis pelo banco
(LFM)