Escreve a jornalista Maria Lopes do Público que “Portugal
estará em 2014 mais vulnerável a episódios de agitação social, diz um estudo
internacional. Politólogos consideram que a contestação deste ano ainda está
“controlada” por ser organizada por sindicatos. Depois das grandoladas, dos
sucessivos desacatos nas galerias do Parlamento, da ocupação das escadarias até
à porta da Assembleia da República, do braço-de-ferro para atravessar a ponte
25 de Abril, da invasão dos ministérios, 2014 poderá trazer ainda mais
protestos. A previsão é do Economist Intelligence Unit (EIU), um think tank
independente do grupo da revista Economist que se dedica à pesquisa, previsão e
análise económica, que coloca Portugal no grupo dos países com “alto risco” de
agitação social no próximo ano, quando há cinco anos tinha uma classificação de
“risco moderado”. De um total de 150 países analisados, Portugal está entre os
46 em que o risco de existirem tumultos e protestos em 2014 é alto, havendo
depois 19 Estados com “muito alto risco” de terem protestos problemáticos nas
ruas. Na Primavera de 2009, quando os analistas do EIU fizeram a anterior
edição do estudo com os mesmos países, Portugal estava no grupo dos que tinham
um risco moderado de instabilidade política e social. Mas a realidade
portuguesa era também muito diferente nessa altura. Estava-se em ano de eleições
- europeias em Maio, legislativas em Setembro e autárquicas em Outubro -, houve
aumentos para a função pública e no salário mínimo, e o país observava com
alguma distância as consequências da crise do subprime nos Estados Unidos. A
crise da Zona Euro só começaria no final de 2009.
Agora, tal como Portugal, há mais 18 países nos grupos
de alto risco, que já contam com 65 Estados. O Médio Oriente, Norte de África,
Europa do Sul e os Balcãs estarão “particularmente vulneráveis”, aponta o
estudo. De acordo com Laza Kekic, do EIU, ainda que os problemas económicos
sejam sempre um pré-requisito para os protestos, não explicam toda a explosão
da contestação. “A redução nos rendimentos e a alta taxa de desemprego nem
sempre resultam em agitação social. Só quando os problemas económicos são
acompanhados por outros elementos de vulnerabilidade há um alto risco de
instabilidade. Tais factores incluem uma grande desigualdade nos rendimentos,
um governo fraco, baixos níveis de apoio social, tensões étnicas e um historial
de violência e desordem pública. Recentemente, a faísca para os tumultos tem
sido a erosão da confiança nos governos e nas instituições: a crise da
democracia”, afirma a Economist citando Laza Kekic.
"Encenações e happenings"?
Portugal assistiu este ano a um aumento de acções de
protesto atípicas, como as grandoladas e as invasões de ministérios, mas sem
detenções ou episódios de violência como em 2012. O que demonstra, segundo o
politólogo José Adelino Maltês, que os protestos são “encenações e happenings”
organizados com o intuito de aparecerem nas notícias, e que ainda estão “dentro
dos limites da democracia”. Portugal viveu um ano “extremamente cordato” numa
“teatrocracia”, onde impera a “estética neo-realista” e que mostra que “a
democracia está forte”. Disso são exemplos as manifestações onde “não há sinais
de insurreição”, as supostas “invasões de ministérios” que foram, afinal
“ocupações controladas, planeadas com antecedência, numa espécie de blitzkrieg
da CGTP para dizer que tem força e capacidade de mobilização”, considera
Adelino Maltês. Outro caso é o do braço-de-ferro entre o Governo e a central
sindical liderada por Arménio Carlos, que insistiu em fazer uma manifestação
atravessando a Ponte 25 de Abril e que acabou por a desconvocar e substituir
por uma concentração em Alcântara. António Costa Pinto, investigador do
Instituto de Ciências Sociais, considera que a imaginação demonstrada na
variedade dos protestos advém da multiplicidade de cidadãos atingidos pelas
medidas de austeridade. Além disso, “há segmentos da sociedade para quem os
instrumentos tradicionais de protestos já não são eficazes”. Por exemplo: como
é que um desempregado pode fazer greve? Daí o recurso a métodos alternativos
como a invasão de ministérios, que serviu para dar voz, durante umas horas, às
reivindicações específicas dos enfermeiros que não queriam sair da entrada do
Ministério da Saúde.
Ausência de extremistas organizados
Não há mais casos como o da invasão da escadaria do
Parlamento, na manifestação das forças de segurança, em que aparentemente a
situação quase saiu do controlo, porque os protestos são organizados pelos
sindicatos e não por grupos radicais. “Quanto maior for o enquadramento dos
protestos pelo movimento sindical, menor é a violência”, defende António Costa
Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais. “Temos uma
extrema-esquerda que não tem representação, e não há fascistas suficientemente
organizados para conseguirem fazer uma manifestação”, acrescenta Adelino
Maltês.
Porém, enquanto Adelino Maltês desvaloriza a
importância da voz de Mário Soares, que nos dois encontros da Aula Magna
avisava que vem aí violência e que a culpa é do Governo e de Cavaco Silva,
Costa Pinto considera que ter um antigo chefe de Estado a falar assim, “dá
alguma cobertura para acções eventualmente violentas”. Na Primavera, além dos
deputados, do primeiro-ministro e do ministro Paulo Portas no Parlamento,
também diversos ministros como Miguel Relvas, Paulo Macedo ou Paula Teixeira da
Cruz foram brindados com a canção Grândola, Vila Morena entoada em várias
ocasiões. A 26 de Novembro, depois da manifestação contra a aprovação do
Orçamento do Estado para 2014, grupos de sindicalistas da CGTP invadiram, à
tarde, os ministérios das Finanças, Saúde, Educação e Ambiente, exigindo
reuniões com os ministros sobre medidas de cortes sectoriais. Só alguns foram
atendidos. Os protestos nas galerias do Parlamento deram origem a 60 autos até
ao início de Dezembro, como o PÚBLICO noticiou, mas apenas se conhece um
processo contra um cidadão de Leiria, já que o Ministério Público não revela o
que fez aos autos. De acordo com os dados mais recentes da Direcção Nacional da
PSP, de Janeiro até 4 de Novembro foram contabilizadas 1477 manifestações por
todo o país, sendo mais de metade em Lisboa (843) – com o destino principal a
ser a AR -, 191 no Porto e 69 em Setúbal. Este valor representa quase metade
das 3012 manifestações do ano passado contabilizadas pelo Relatório Anual de
Segurança Interna”