"Houve alguma discussão acerca de eventuais pressões de Passos Coelho e do PSD sobre os juízes do Tribunal Constitucional (TC). Essas pressões seriam materializadas por declarações sobre a inexistência de alternativas a um chumbo de algumas normas do Orçamento de Estado.
Ontem mesmo, no debate da moção de censura do PS, o assunto veio à baila, ao mesmo tempo que se soube que amanhã será, finalmente, o dia em que TC revela o seu acórdão.
Antes que isso aconteça, e no perfeito desconhecimento da sentença, deixo alguns pontos para reflexão. Primeiro, não me parece que os juízes sejam pressionáveis ao ponto de umas simples declarações os fazerem mudar de convicção. Tão pouco me parece crível que avaliem a constitucionalidade de uma lei sem ter em conta, digamos, a envolvência política, social e económica do país.
Mas os juízes são obrigados a julgar de acordo com a lei que têm. E a lei que têm é esta Constituição da República tal como ela existe, e não uma Constituição imaginária de um país inexistente. O conteúdo da Lei Fundamental tem uma história que passou, aliás, em certo discurso mais próximo do Governo, a ser posta em causa. A Constituição, dizem, é datada e não serve na atual situação.
Eu não sou daqueles que acha a Constituição um texto sacrossanto e intocável. Pelo contrário, até já defendi várias vezes que esse texto deveria ser extirpado de alguma canga muito datada.
Posto isto, sou absolutamente formal, porque só a formalidade pode existir em democracia. E defendo que, qualquer alteração à Constituição tem de ser feita por dois terços dos deputados eleitos. É impossível? Se sim, não se altera! Prefiro viver numa democracia com uma Constituição repleta de imperfeições, do que num regime em que não sei como e quando mudam os seus princípios - ou pior, ainda, num regime onde esses princípios não são respeitados por ninguém, a começar pelo Governo.
Digamos que a existência de uma Constituição (ou um conjunto de regras) aceites, aprovadas e apenas revistas de acordo com as normas previamente impostas é uma garantia fundamental num Estado de Direito. Cada pessoa eleita ou nomeada em Portugal para cargos políticos é-o no pressuposto desta Constituição em concreto e deste país em concreto, e não de uma miragem ou de uma ideologia, sejam elas quais forem. Todos os regimes populistas e antidemocráticos, de direita ou de esquerda, nos seus combates contra as democracias começaram, precisamente, por contestar as constituições existentes. Esse é um caminho desastroso.
Se o Tribunal, como eu espero, declarar algumas normas do Orçamento ilegais, a Passos, ao Governo e ao PSD resta um só caminho: respeitar escrupulosamente a lei. Claro que pode - e deve - retirar as suas conclusões. Ou consegue alternativas e continua, ou não consegue e sai de cena. Começar a disparar contra a Constituição num momento destes é um erro terrível. Tanto mais que as normas que têm sido invocadas nestes casos - como a equidade - estarão sempre presentes em qualquer lei civilizada.
A existência de uma lei consensualizada (e recorde-se que esta Constituição foi sempre aprovada e revista por dois terços dos deputados) separa-nos, de facto, da barbárie. Passos e o PSD têm de ter isso sempre presente. Julgo que o terão" (texto de Henrique Monteiro, Expresso com a devida vénia)