Segundo o site da RTP, "da esquerda à direita, a Oposição açoriana conclui que há cedência de autonomia no memorando assinado com o Governo da República que enquadra o refinanciamento da dívida regional em 135 milhões de euros. Entre as condições que o Executivo de Carlos César terá de preencher está a obrigação de “dar conhecimento dos seus documentos previsionais e eventuais revisões ao Ministério das Finanças antes da apresentação à Assembleia Legislativa Regional”, ou a elaboração “com frequência mensal” de um boletim de execução orçamental. Para o governante socialista, porém, a Região “não perdeu autonomia porque não perdeu competências”. Os social-democratas açorianos veem no Protocolo de Colaboração e Entendimento celebrado com o Governo de Pedro Passos Coelho uma “limitação de poderes que estão consagrados aos órgãos de governo próprios da Região”. Do CDS-PP saiu um aviso para “sérios riscos” de perda de autonomia, caso o Governo Regional não cumpra “todos os pontos” do acordo de refinanciamento de dívida pública. O Bloco de Esquerda não hesitou em descrever o entendimento como uma “venda de autonomia” e os comunistas falam de “uma traição ao povo açoriano”. Críticas que não demovem Carlos César.“Ao contrário do que se diz, não perdemos autonomia porque não perdemos competências. O que ganhámos foi a integração num contexto global e de informação que é indispensável na gestão orçamental moderna e integrada a nível europeu”, sustentou ontem o presidente do Governo Regional dos Açores, em visita aos Estados Unidos.Segundo César, que intervinha durante um evento da organização Portuguese-American Leadership Council of the United States (PALCUS), os Açores “vão continuar a fazer o que já fazem, que é reportar mensalmente a evolução da situação financeira e dar conhecimento dos seus documentos previsionais, das suas previsões de despesas e receitas”. Por outro lado, sublinhou ainda o governante açoriano, “sendo o país assistido pela troika, tem que prestar informação sobre a situação financeira a quem lhe emprestou dinheiro”.Queixando-se de “declarações e deturpações para todos os gostos”, que atribuiu ao “clima pré-eleitoral” nos Açores, Carlos César reivindicou para a Região Autónoma “uma gestão das finanças públicas reconhecida e elogiada por instituições nacionais e internacionais, como o BCE, o FMI ou o Eurostat”. “São unânimes em considerar que os Açores não oferecem riscos orçamentais e financeiros que justifiquem a existência de um programa de ajustamento ou medidas especiais de apoio”, reforçou o presidente do Governo Regional, citado pela agência Lusa.César lembraria o conteúdo do último relatório da Inspeção Geral de Finanças às contas regionais. Uma avaliação, disse, que “constatou que os Açores não comportam riscos que impliquem um programa de ajustamento”. Carlos César fez, depois, uma comparação entre os números regionais e o peso da dívida soberana da República: “A nossa dívida direta é de 11 por cento do PIB, a dívida direta do país é mais de 100 por cento do PIB”.“Penalidades em caso de incumprimento”O Protocolo de Colaboração e Entendimento entre os governos Regional e da República foi assinado a 2 de agosto pelo vice-presidente do Executivo de Carlos César, Sérgio Ávila, e ratificado em Conselho de Governo no dia 18. Chegou na passada sexta-feira à Assembleia Legislativa Regional.“O memorando acordado assegura o acesso aos mercados através da utilização de recursos financeiros decorrentes da emissão de Obrigações de Tesouro do Estado, no montante de 135 milhões de euros, nos mesmos termos utilizados pelo Estado com o objetivo de refinanciamento da dívida pública”, lia-se no comunicado final da reunião do Conselho do Governo Regional dos Açores em que foi ratificado o acordo.O Protocolo consagrou ainda a “afetação adicional à Região de 50 milhões e euros, correspondentes ao contributo da atividade bancária da Região para o Fundo de Pensões da Banca, que foi transferido recentemente pelos bancos para o Estado, o que permitirá pagar antecipadamente, ainda este ano, uma parte significativa da dívida bancária que seria amortizada no próximo ano”.Entre as condições impostas pelo memorando para o empréstimo de 135 milhões de euros - a pagar em dez anos -, está a obrigação de o Governo Regional “dar conhecimento dos seus documentos previsionais e eventuais revisões ao Ministério das Finanças antes da sua apresentação à Assembleia Legislativa Regional”. O Executivo açoriano terá também de “elaborar com frequência mensal um boletim de execução orçamental, no qual conste a evolução da receita e despesa, da situação financeira das empresas públicas reclassificadas e dos compromissos e dívidas”.Ainda nos termos do Protocolo, o Governo Regional “compromete-se a alcançar e manter o equilíbrio financeiro do Sector Empresarial Regional”. Para tal terá de se abster de “adotar ou autorizar medidas das quais resulte o agravamento financeiro das empresas públicas regionais”.No comunicado de 18 de agosto, o Executivo insular estimava que, “com este acordo, a Região consolida a sua autonomia política de gestão dos seus recursos financeiros e das suas políticas fiscais e sociais, sem prejuízo das diligências que a todas as instituições do país solidariamente incumbem para o cumprimento dos objetivos e compromissos assumidos no contexto do programa de assistência financeira internacional a Portugal, face aos quais os Açores têm sido um bom exemplo”.Dois dias depois da ratificação, o Ministério das Finanças difundia o seu próprio comunicado sobre o acordo com os governantes açorianos. Para elogiar a “boa colaboração” do Governo Regional. Mas também para recordar que o memorando “prevê penalidades em caso de incumprimento dos respetivos termos por parte da Região Autónoma dos Açores”. Desde logo um “agravamento dos custos da assistência financeira”.“Venda da autonomia”Na passada sexta-feira, o vice-presidente do Governo Regional foi questionado sobre os termos do acordo na Comissão de Economia da Assembleia Legislativa dos Açores. Onde quis assegurar que “não há nenhuma questão em termos de medidas adicionais, de austeridade ou de penalização para a Região”. Nos antípodas da avaliação de Sérgio Ávila, o social-democrata António Marinho afirmaria que “o que está no memorando é a limitação de poderes que estão consagrados aos órgãos de governo próprios da Região”.“Os documentos têm que ser enviados primeiro ao Ministério das Finanças e só depois à Assembleia Legislativa dos Açores, o que significa que todas as opções políticas da Região são sujeitas a visto prévio antes de serem entregues ao primeiro órgão da autonomia. A autonomia existe para ter soluções próprias para problemas próprios”, frisou o deputado regional do PSD.Sérgio Ávila diria tratar-se de um “procedimento” que “já existe”. Porque “o Orçamento do Estado é apresentado a 15 de outubro e a Região tem que dar a conhecer, apenas a título de informação, as suas projeções orçamentais”: “Não há qualquer intervenção do Governo da República em relação ao Orçamento da Região, mas a República tem que ter conhecimento para incluir no OE”.A própria líder do PSD açoriano, Berta Cabral, havia já afirmado, três dias antes, que o Executivo de César “cedeu a condições que penalizam” os Açores na sua “autonomia política, administrativa e financeira”, embora sublinhando que “é uma ajuda do Governo da República ao Governo Regional” que “deve ser reconhecida”.Também na sexta-feira o presidente do braço açoriano do CDS-PP advertiu que a autonomia regional pode estar em causa. “Se não cumprirmos todos os pontos que estão numa coisa que eu me atrevo a chamar resgate, a autonomia corre sérios riscos”, vincou Artur Lima, acusando Carlos César de ter trocado a autonomia “por um prato de lentilhas”.No mesmo dia a coordenadora do Bloco de Esquerda nos Açores, Zuraida Soares condenou o que considerou ser uma “venda da autonomia à revelia do povo açoriano e dos representantes do povo”, que, nas suas palavras, “dá bem nota do valor e do sentido que o Governo Regional dá ao conceito de democracia”. Carlos César, insistiu Zuraida Soares, devia ter debatido os termos do memorando com o parlamento açoriano antes de “entregar a autonomia nas mãos de burocratas do Terreiro do Paço”.Por seu turno, o coordenador regional do PCP, Aníbal Pires, disse ontem que o acordo “formaliza a suspensão da autonomia”. “O Governo Regional já não tinha como esconder a sua subserviência a Lisboa”, enfatizou o dirigente comunista, para depois acusar PS, PSD e CDS-PP de serem “protagonistas desta insídia”.Os socialistas dos Açores prometeram submeter hoje um requerimento ao presidente da Assembleia Legislativa para uma interpelação ao Governo Regional sobre o Protocolo de Colaboração e Entendimento. Ouvido pela agência Lusa, o líder parlamentar do partido de Carlos César queixou-se, como o governante, de “muito aproveitamento eleitoral da questão”.
“Riscos”
De acordo com um relatório publicado na sexta-feira pela Inspeção Geral de Finanças (IGF), a dívida global da Região Autónoma dos Açores (administrações direta e indireta, empresarial e local) excedia, a 31 de dezembro de 2011, os 2,3 mil milhões de euros.Prevendo que os Açores precisem, até 2018, de 436,7 milhões de euros adicionais para fazer face a “obrigações decorrentes da sua dívida pública direta (capital e juros), a IGF estabelece que o orçamento regional enfrenta “efetivos riscos de derrapagem”, que podem obrigar a uma “reavaliação permanente e criteriosa da efetiva capacidade de cobertura orçamental”.É no sector da energia que a IGF encontra “a melhor situação”. Em contraste com a saúde, que, nos últimos dois anos, apresentou um “elevado desequilíbrio da exploração e endividamento”.Ainda assim, a Inspeção Geral de Finanças considera que a saúde financeira da administração regional “não comporta riscos que impliquem apoios significativos do Governo de República”.
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