terça-feira, maio 08, 2012

Opinião: Cautelas

Porque abordarei a temática de comunicação social quero, como questão preliminar, deixar vincado que não pretendo - nem nunca tive tais pretensões - dar lições seja do que for e a quem for, muito menos procurar impor opiniões ou procedimentos que não são únicos, apesar de os considerar recomendáveis. Tenho, como princípio indiscutível, muito respeito pelo jornalismo e pelos jornalistas, nas suas virtudes e contradições, dos seus méritos e insuficiências. À volta deste tema complexo da comunicação social e da liberdade de imprensa, proliferam conflitos de interesses, pontos de vista antagónicos, queixas, com e sem razão, bem como opiniões díspares que inviabilizam qualquer unanimismo. Vivi na comunicação social - no terreno, como se costuma dizer - o tempo suficiente para não só interiorizar um certo espírito corporativista, que assumo sem complexos, mas também para olhar com desconfiança muitos daqueles que, fora do jornalismo, sobre ele ou a liberdade de imprensa peroram, apesar de nem sequer saberem como funciona uma redação”.
Wolfgang von Goethe (Máximas e Reflexões), escritor e pensador alemão, escreveu: "A censura e a liberdade de imprensa hão-de continuar sempre a sua luta. O poderoso exige e exerce a censura; o homem sem poderes reclama a liberdade de imprensa. O primeiro quer ser obedecido, em vez de ser limitado nos seus planos ou na sua actividade por uma contradição insolente. O segundo quer dar voz às razões que lhe legitimam a desobediência. Por toda a parte se encontrará uma tal oposição. Notar-se-á contudo também que, à sua maneira, o mais fraco, o que sofre a dominação, procura igualmente limitar a liberdade de imprensa, nomeadamente quando conspira e procura não ser traído. Ninguém clama tanto por liberdade de imprensa como aquele que a quer perverter". Nem mais.
A polémica em torno das declarações de um deputado da oposição acerca das circunstâncias em que morreu uma cidadã de Santa Cruz e a atitude da comunicação social neste caso, coloca em debate várias questões complexas que nos remetem para a necessidade de serem observadas regras rigorosas de precaução preventiva. Falo das cautelas que o jornalismo também deve ter e que não se confundem, como hipocritamente porventura alguns poderão suscitar, nem com censura, nem com outras formas de condicionamento da informação.
Não duvidemos: para situações excecionais, e para protagonistas excecionais, comportamentos e precauções excecionais. Quando se verifica que um deputado é obrigado a pedir desculpa publicamente por falsas declarações proferidas no plenário da ALM – porque foi disso rigorosamente que se tratou - abordando uma questão complexa e sobre ela deambulando com base em deduções comprovadamente falsas (e fê-lo com base no que "se diz na freguesia") parece-me evidente que estamos perante uma situação de risco, até para a própria comunicação social, que confirma a necessidade dos jornalistas e dos meios de comunicação social, de uma vez por todas, aprenderem com estas situações e deixarem de permitir que, através deles, se coloque o bom nome das pessoas em causa, por via de uma projeção imediatamente dada ao que é dito, sem que tenham sido ajuizadas as incidências ou as implicações delas resultantes e provado o que é dito.
Se este caso fosse levado ao extremo, por exemplo pelos familiares, poderíamos ter uma situação complicada para muitos dos envolvidos, diretos e indiretos. Não é tolerável que determinadas personagens, por mera conveniência ou confluência de interesses, transformem o jornalismo em “jornalismo-vuvuzela”, tal como os jornalistas dificilmente deixarão, a partir de agora, de precaver-se e não tolerar que os utilizem ou os transformem em meras "caixas-de-ressonância" de políticos, particularmente em situações que poderão ter posteriores custos elevados.
Estrela Serrano, jornalista, docente e antiga membro da ERC, afirmou a um jornal nacional que “a velha questão de saber se são os jornalistas que manipulam os políticos ou se são estes que manipulam aqueles, está hoje ultrapassada pela questão de saber como é que políticos e jornalistas se manipulam entre si". De facto, se persistirmos pelo caminho do vale tudo, ou uma espécie disso, o colapso é apenas uma questão de tempo. Julgo estarem à vista de todos os resultados dessa degradação de valores, de princípios e de cautelas procedimentais, mais associados aos efeitos negativos decorrentes de um permanente atropelo de valores e a uma cegueira face às normas deontológicas mais essenciais, e menos associados a conjuntura económica adversa que abala – e vai continuar a abalar negativamente – a comunicação social em geral. Os jornalistas não podem esquecer uma questão importante: ao contrário deles, um político, seja ele quem for, desfruta sempre da imunidade parlamentar que o impedirá, pelo menos enquanto ocupar o lugar, de comparecer perante a justiça, se for caso disso.
Não conheço a senhora em questão nem a sua família. Estou por isso completamente à vontade para escrever o que escrevi. Não podemos, seja em que circunstância for, branquear situações por mera conveniência pessoal ou política, desvalorizando o que aconteceu ou tentando dar-lhe uma dimensão muito subvalorizada face ao que realmente aconteceu. Não podemos permitir que políticos, só porque têm a garantia de uma projeção mediática, “manipulem” e usem a comunicação social como se se tratasse de um mero retransmissor de argumentos pouco consistentes. Em casos semelhantes – até pelos prejuízos causados, como parece ser o caso da senhora, e que podem envolver seguros e pensões de sobrevivência – a atenção deve ser reforçada e a notícia, doa a quem doer, tem que passar a ser objeto de redobrado cuidado. Mesmo que alguns “arautos” invadam a praça pública com visões permissivas por causa de alegados “atentados” à liberdade de imprensa. Confrontem sempre, os riscos que os meios de comunicação social correm - e o conforto da imunidade parlamentar de quem a pode ter – quando lançam jornalistas ou os meios de informação para uma penosa caminhada pelos tribunais.
Em 20 anos de atividade profissional, apenas uma vez vi-me envolvido numa situação lamentável – tal como com mais de uma dezena de colegas madeirenses – que nos levou a incómodos judiciais. Tratou-se de um caso, que não é para aqui chamado, em relação ao qual hoje a minha postura teria sido diferente daquela que tive há 20 anos atrás. Independentemente de ter a consciência de que agimos todos em nome do jornalismo e pelo jornalismo. A verdade é que fatores exógenos, que deveríamos ter considerado na altura e porventura desvalorizamos, conduziram-nos a uma situação que suscitou entre os jornalistas e os meios de comunicação social, muito debate e muita reflexão.
Gandhi ("Memórias") escreveu: "A imprensa é uma grande potência, mas como uma torrente em fúria submerge a planície e devasta as colheitas, da mesma forma uma pena sem controle serve para destruir. Se o controle vem do exterior, o efeito é ainda mais nocivo do que a falta de controle; só pode ser aproveitável se for exercido interiormente". Nem mais (in JM)

Sem comentários: