quinta-feira, maio 17, 2012

Opinião: "As asas do dinheiro..."

"Desde início que muita especulação, polémica, muita mentira mas sobretudo muita idiotice caracterizou o processo negocial entre a Região e o Estado, particularmente as infindáveis "novelas" à volta do dinheiro que viria não sei quando mas que nunca apareceu em lado nenhum. Agora, segundo Ventura Garcês, pode ser que até final de Maio "parte" desse montante abrangido pelo "plano de resgate", possa começar a aparecer algures. Durante meses a fio, a culpa era do orçamento rectificativo que não havia maneira de ser aprovado. Depois, com a sua aprovação e publicação, persistiram as mesmas dúvidas: afinal o tão desejado "dinheiro" teria ou não asas para fazer o percurso entre Lisboa e o Funchal. Se é que alguma vez o fará.
Com eleições regionais em Outubro e o consequente processo legislativo de posse do novo governo regional e aprovação do seu programa de governo, era impensável que em Dezembro de 2011 - quando foi aprovado o orçamento de Estado para 2012 - a questão da Madeira fosse contemplada e resolvida. Até porque as negociações entre Funchal e Lisboa - um processo do qual espero que um dia se faça a verdadeira história, até para que os cidadãos percebam tudo o que se passou, particularmente as chantagens, as contradições, as ameaças, etc - apenas terminaram em final de Janeiro deste ano, altura em que Lisboa decidiu avançar com um orçamento rectificativo que apenas foi aprovado em Março deste ano e publicado no início da Maio (vejam bem, quase cinco meses para elaborar, aprovar e publicar uma proposta de orçamento rectificativo!).
Quando entre Janeiro e Maio se andou a falar (e a perder tempo) do dinheiro sem asas, de prazos e não sei que mais, tudo não passou de pura especulação, porque na realidade sem esse rectificativo nada poderia ser feito. Até porque Lisboa não tem dinheiro para satisfazer esse montante (cerca de 1.000 milhões de euros) de uma só vez em, presumo, sem fazer exigências que controlem o seu destino. Agora que o dinheiro poderá ter asas, dizem que afinal subsistem novas divergências com Lisboa, desta feita centradas na alegada exigência de saber por onde começar com os pagamentos, se pelos mais antigos (e incluindo a banca e a construção civil), se pelos fornecedores mais pequenos, sem observância por qualquer regra da antiguidade. A mim pouco me importa saber o que será resolvido. Importa sim que o façam rapidamente porque atingimos o limite. O que está em causa, repito, é que o dinheiro chegue e que seja distribuído proporcional e rapidamente, para que não existam elefantes à disputa com formigas num desequilíbrio de credores que dificilmente seria tolerado pela sociedade madeirense.
Depois, e bem vistas as coisas, é óbvio que o Governo Regional precisa de dinheiro para as escolas, para a saúde, para o desporto, para não sei quantos mais sectores, por forma a poder cumprir os seus compromissos, que institucionais, quer funcionais quer contratuais. Quanto a isto, confesso que não sei bem como é que o executivo vai resolver esta segunda questão financeira, na perspectiva de que não podemos voltar a entrar num círculo vicioso ciclicamente repetido. Aliás, sou um descrente - e assumo o risco de ficar isolado – por temer o impacto da situação real do nosso país e da Europa e pela ameaçadora influência que a crise grega terá na economia europeia, quanto à possibilidade da Madeira ver resolvida a sua complicada situação financeira até final de 2015. E provavelmente será bom que se assuma esse desfecho como uma possibilidade provável, por muito incómoda que ela seja. É uma questão de fazer contas: se a Madeira precisaria de 2.500 a 3.000 milhões de euros para pagar parte significativa de uma dívida regional que ultrapassa os 6.000 milhões de euros, se desse montante apenas receberá cerca de 1.500 milhões de euros, dependendo o restante de negociações que terão lugar, não se sabe bem com que enquadramento nem com que parâmetros e novas exigências, parece-me evidente que há aqui qualquer coisa que falha neste processo, que precisa ser explicada pragmaticamente e com verdade aos cidadãos para que eles realmente percebam melhor o que se passa e o que está em causa.
Tenho a sensação, e não sou o único a pensar assim, que há qualquer coisa que precisa de ser melhor explicada. Pragmaticamente. Sobre como vai a Região cumprir os compromissos com os seus credores e conciliar as suas necessidades financeiras com essas. A que se junta uma enigmaticamente revisão da lei de Finanças regionais, imposta pela "troika" ao país por via do memorando de Maio de 2011 e que foi negociado pelos socialistas. Neste quadro, insisto na necessidade da Secretaria regional das Finanças (nesta crise orçamental passou a ser o departamento governamental mais importante e o mais poderoso na estrutura regional do executivo), dotada como está de condições logísticas para isso, tomar sempre a iniciativa, sempre que for necessário fazê-lo, em vez de ir fragilizada a reboque de notícias que depois desmente, mas que não apaga a dúvida. O contraste entre o destaque dado a uma notícia depois desmentida e o relevo dado ao desmentido é, desde logo, a primeira causa dessa fragilidade e principal razão desta necessidade de, nesta conjuntura, ser preferível termos a iniciativa em vez de irmos a reboque das situações à medida que elas são geradas por terceiros, num processo comunicacional que as entidades oficiais acabam por não controlar.
O que se passa com os 1000 milhões é que, pelos vistos, eles não têm tido asas para voar livremente, provavelmente porque Lisboa desconfia da Madeira, mas nada diz sobre o facto de o Estado já ter espatifado 8 mil milhões de euros no falido BPN (mais do que a dívida madeirense) que vendeu por pouco mais de 40 milhões! Estamos a falar de montantes financeiros acordados por duas partes, que estão consignados, controlados, mas que estão a gerar mal-estar, mais divergências porque no fundo Lisboa e o Funchal sabem que esse montante não cobre, nem de perto nem de longe, as necessidades reais para uma certa normalização da vida regional. Repito, com 2.500 milhões de euros injectados na economia e nos circuitos financeiros regionais, não tenho dúvida que poderíamos pensar em algo mais de concreto e de muito mais positivo. Mas há que pensar em 2013 que será provavelmente o pior ano de todos os que temos pela frente nos tempos mais próximos, aquele em que os efeitos mais nefastos deste plano de resgate mais se farão sentir.
No meio de toda esta tormenta irrita-me aquela idiotice portuguesa de repetidamente garantirem que "não somos como os gregos". Pois não, mas quem sabe se seremos ou não piores, quem sabe? A Grécia cometeu erros que Portugal e outros países não cometeram. Ainda. Mas é inquestionável que os gregos decidiram em liberdade e em democracia, e estão a dar uma lição aos partidos gregos mais tradicionais (responsabilizados pela situação no país) e aos europeus em geral, votando em partidos que combatem a austeridade, que recusam os programas de ajustamento e querem libertar os cidadãos das amarras do capitalismo selvagem personificado pela Alemanha. Sem provavelmente terem a consciências das consequências que daí possam resultar" (in Jornal da Madeira, 18 de Maio de 2012)

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