
Primeiro, porque se tornou claro, desde o segundo semestre de 2007, que se estava perante uma deterioração acentuada do sistema financeiro internacional, a qual, apesar da sua origem localizada, teria consequências inevitáveis sobre a economia global. No Verão de 2007, começaram a ser conhecidos os elevadíssimos prejuízos registados por grandes bancos internacionais, sediados em países desenvolvidos, resultantes, sobretudo, de erros de avaliação do risco de aplicações financeiras relacionadas, em particular, com produtos do mercado norte americano de crédito hipotecário à habitação (o chamado subprime).
A perda de confiança dos investidores que se seguiu levou a uma quebra acentuada da liquidez dos mercados financeiros e dos mercados monetários interbancários, a uma forte turbulência nas bolsas de valores, ao agravamento da crise do mercado imobiliário e, consequentemente, à redução do crédito e deterioração das condições de financiamento das economias. Daí às intervenções de emergência das autoridades monetárias e dos governos em instituições bancárias com graves problemas de liquidez e solvabilidade, e à falência de outras, foi um passo relativamente curto. A intervenção do Banco de Inglaterra no banco Northern Rock ocorreu em Setembro de 2007 e a falência do banco Lehman Brothers, em Setembro de 2008, provocou o colapso, à escala global, da confiança no sector bancário.
Desde muito cedo que se tornou óbvio para mim que uma crise do sistema financeiro internacional de tal dimensão não poderia deixar de vir a ter consequências muito negativas sobre os níveis de produção, o emprego e as condições de vida das famílias. Bastava ter presente a função vital que, numa economia de mercado, cabe ao sistema financeiro: facilitar os pagamentos e intermediar a utilização da poupança, captando-a junto dos aforradores, sob a forma de depósitos e outros instrumentos, e canalizando-a para os investidores, sob a forma de empréstimos. É por isso que uma perturbação grave no funcionamento do sistema financeiro dificulta, ou impede mesmo, o crescimento da economia. A segunda razão por que não me surpreenderam excessivamente os efeitos da crise financeira internacional em Portugal reside no facto de a mesma ter chegado quando a economia portuguesa ainda apresentava vulnerabilidades estruturais sérias, conhecidas, de resto, da generalidade dos economistas atentos da realidade do País.
Se dúvidas houvesse, bastaria ler os primeiros parágrafos das Conclusões Preliminares da Missão do Fundo Monetário Internacional, de 14 de Julho de 2008 (disponível em [www.bportugal.pt] ): «A deterioração da conjuntura económica mundial está a prejudicar a recuperação de Portugal, mas os problemas fundamentais que condicionam a economia portuguesa são de raiz interna: amplos défices da balança corrente e orçamental; nível elevado da dívida das famílias, das empresas e do sector público; e um significativo hiato em matéria de competitividade. Portugal tem estado a viver acima das suas possibilidades desde há muitos anos, obtendo financiamento do resto do mundo através do sistema bancário, aumentando o endividamento externo. Porém, embora a participação na União Económica e Monetária altere a natureza da restrição externa, não a elimina: a acumulação de um passivo externo líquido não pode continuar indefinidamente.»
O meu empenho em ajudar o País e os Portugueses a enfrentar as dificuldades tem-se processado de múltiplas formas. Entendi que é importante falar verdade aos Portugueses, de modo a induzir comportamentos que permitam atenuar os efeitos da crise e preparar um futuro colectivo mais próspero e mais justo. Só conhecendo a verdade da situação económica do País e dispondo de informação correcta podem as pessoas tomar decisões certas e ponderadas, que protejam o seu futuro e o dos seus filhos. Como disse na cerimónia de Comemoração dos 98 Anos da Proclamação da República, «a verdade gera confiança, a ilusão é fonte de descrença».
Ao mesmo tempo, tenho procurado incutir nos Portugueses ânimo e vontade de vencer as dificuldades, apelando ao trabalho, ao sentido de responsabilidade, ao empreendedorismo, à criatividade, à união de esforços.
Aos jovens, tenho dirigido palavras de estímulo à aquisição das competências e qualificações exigidas pelos tempos em que vivemos e apelado a que, perante a dificuldade em conseguir o primeiro emprego, não se deixem vencer pela descrença e acreditem nas suas capacidades. Tenho chamado a atenção dos empresários para a necessidade de aproveitarem as oportunidades que sempre existem em tempo de crise, para não adiarem os projectos de investimento que são claramente rentáveis, principalmente nos sectores vocacionados para a exportação, para que apostem na qualidade, na inovação, no desenvolvimento tecnológico e na qualificação dos recursos humanos, por forma a melhor enfrentarem a concorrência na economia global. É na produção de bens e serviços que concorrem com a produção estrangeira que se joga a capacidade competitiva do País e, consequentemente, a contenção do endividamento externo. Junto de responsáveis políticos e agentes económicos estrangeiros, tenho procurado evidenciar as potencialidades do País e contribuir para a melhoria da sua imagem no exterior. Aos Portugueses que se encontram em situações particularmente difíceis, tenho expressado a minha solidariedade, defendendo, ao mesmo tempo, uma atenção particular, por parte dos poderes públicos, para com as regiões do País mais atingidas pela crise e a constituição de uma reserva para fazer face a eventuais situações de emergência social. Tenho manifestado o meu apoio às organizações e instituições de solidariedade social, que trabalham afincadamente para responder ao acréscimo de solicitações de pessoas em situação de pobreza e de pedidos de ajuda para satisfação de necessidades básicas. Na situação que o País atravessa, o Presidente da República não pode limitar-se ao diagnóstico, havendo que ter presente, no entanto, que não lhe cabe legislar ou governar. Nesse sentido, tenho procurado apontar o caminho que Portugal deve seguir para ultrapassar a quase estagnação em que tem vivido e voltar a aproximar-se, de forma sustentável, do nível de desenvolvimento médio dos nossos parceiros europeus. Tenho sublinhado, em múltiplas ocasiões, as prioridades estratégicas da política nacional que, em meu entender, nos permitem construir um futuro mais promissor.
Como Presidente da República de todos os Portugueses, entendo que devo defender também os interesses das gerações mais novas, daqueles que ainda não têm idade de votar. As decisões que se tomam no presente não podem ignorar os seus efeitos no futuro. Não temos o direito de deixar aos nossos filhos – e aos filhos dos nossos filhos – um passivo que tenham dificuldade em suportar, condenando-os a um nível de vida inferior àquele que os nossos pais nos proporcionaram.
É importante que os poderes públicos tenham presente a situação em que se pretende que o País se encontre quando a crise financeira internacional estiver ultrapassada, de modo a que as possibilidades de desenvolvimento futuro não fiquem comprometidas. Se, em comparação com os países concorrentes, a capacidade competitiva das empresas portuguesas não tiver melhorado e o sector exportador estiver mais fraco, tudo será ainda mais difícil.
Por outro lado, tenho reforçado o meu apelo para que os agentes políticos, no respeito pelas diferenças e pelo debate de ideias, deixem de lado querelas e divisões estéreis e procurem cooperar e juntar esforços para que o País vença as dificuldades e possam ser dadas perspectivas mais promissoras aos Portugueses. Quando todos os esforços devem estar centrados na recuperação do atraso económico, no combate ao desemprego e ao risco de pobreza e de exclusão social e na redução das disparidades de rendimento, quando é necessário mobilizar e unir o País para vencer as dificuldades, é de todo incompreensível que a agenda política seja desviada para temas que provocam fracturas na sociedade portuguesa, que dividem os Portugueses e distraem a sua atenção da resolução dos problemas nacionais" (fonte: original, Prefácio do Presidente da República no livro de intervenções“Roteiros III - 2008-2009”)
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