domingo, março 05, 2023

TAP não consegue contratar e cancelamentos ameaçam verão

A transportadora aérea está a recrutar para reforçar a operação na época alta, mas posições ficam desertas. Trabalhadores alegam que as condições salariais e a má reputação da companhia estão a afastar os candidatos e alertam que sem mão-de-obra os aviões ficarão em terra.  Os tempos em que uma carreira na TAP era desejada por muitos parece estar distante. As polémicas recorrentes na administração da transportadora, os longos meses sem paz social ou os salários talhados por um plano de reestruturação mordaz têm afastado o interesse dos profissionais da aviação. Com mais rotas e com um maior número de ligações programadas para a época alta, a companhia está, desde o início do ano, a contratar para posições como pilotos, tripulantes ou técnicos de manutenção, mas a fraca procura está a tornar-se numa dor de cabeça para a TAP. Os sindicatos da empresa alertam para um verão caótico, com os aviões a ficar colados à pista e os voos cancelados por falta de pessoal. "A companhia está com dificuldade nas contratações, nomeadamente de tripulantes com experiência. A atual situação a nível financeiro e os salários que paga aos tripulantes de cabine já não justificam a vinda para a TAP", explica ao Dinheiro Vivo o presidente do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), Ricardo Penarroias.

A 12 de janeiro a transportadora liderada por Christine Ourmières-Widener abriu vagas para "200 PNC (Pessoal Navegante de Cabine) para contrato [a termo certo] para o verão IATA [definido pela Associação Internacional de Transportes Aéreos, entre 26 de março e 28 de outubro]", confirmou a empresa ao Dinheiro Vivo.

O representante dos tripulantes acusa a TAP de oferecer "condições abaixo do mercado", desincentivando os profissionais de outras companhias aéreas a migrar para a empresa pública. "Ninguém que está na easyJet ou na Azores Airlines quer ir para a TAP e isso demonstra que as condições que a TAP apresenta não são atrativas", aponta. Também o porta-voz do Sindicato dos Trabalhadores e Aviação (SITAVA) traça o mesmo cenário para o pessoal de terra.

"A TAP abriu recrutamentos a tempo e horas, mas, devido à situação atual, está seriamente com dificuldades em contratar em todas as categorias profissionais e, ao mesmo tempo, continuam a sair pessoas. Os cortes salariais mantêm-se, as tabelas salariais e as carreiras estão congeladas. Dá a ideia de que trabalhar na TAP já não é tão atrativo como era", diz Paulo Duarte.

Os técnicos de manutenção de aeronaves (TMA) e os engenheiros são as categorias com maior escassez de mão-de-obra. Segundo o dirigente, as candidaturas às vagas existem, mas são travadas durante o processo de recrutamento. "Há pessoas que fizeram provas, mas depois, quando chegaram à parte de saber quanto é que vão receber, desistiram. Está a existir muita resistência em aceitar os salários que lhes são propostos", garante.

Cancelamentos à vista

O Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA) acrescenta que "não existem TMA disponíveis para trabalhar na TAP em condições tão abaixo do que se pratica no mercado" e detalha que faltam, atualmente, 200 profissionais desta categoria na transportadora.

O presidente da estrutura sindical, Jorge Alves, refere que no espaço de um ano saíram da TAP 70 TMA pelo próprio pé, devido à insatisfação com as condições laborais, e alerta que apenas um Acordo de Empresa (AE) que aproxime a "classe do mercado internacional poderá travar a saída de mais técnicos", bem como atrair novos profissionais. Caso o panorama não se altere, o verão da companhia será marcado por "cancelamentos de voos por falta de capacidade de cumprir a tempo todos os procedimentos de manutenção necessários à operação", avisa.

O alerta vermelho é dado também pelos seus pares, que antecipam que os meses de maior procura sejam pautados por problemas: "Haverá novamente cancelamentos de voos e será prejudicial para os passageiros. Espero que a companhia não utilize o argumento do absentismo, que costuma ser o bode expiatório", concorda Ricardo Penarroias.

Também o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) afina pelo mesmo diapasão e assegura se não forem contratados mais pilotos "existirão novamente cancelamentos de voos".

Contactada pelo Dinheiro Vivo, a TAP não quis comentar os meandros das contratações nem adiantou se os cancelamentos poderão vir a acontecer por falta de pessoal. Fonte da companhia esclareceu apenas que os processos de recrutamento "estão em curso".

A empresa pública lançou, nesta semana, o segundo concurso, desde fevereiro, para captar pilotos, desta vez dirigida a profissionais externos. A primeira leva de vagas foi exclusivamente aberta para os pilotos da Portugália (PGA). Este tinha sido um dos pontos assentes durante a assinatura das rescisões por mútuo acordo (RMA), no âmbito do plano de reestruturação aprovado pela Comissão Europeia, e que levou à saída de pilotos da TAP para a PGA: quando a transportadora voltasse a contratar, estes teriam preferência.

Contratação externa pode ser solução

Com uma operação afinada para igualar a oferta de 2019, a TAP pode ver-se de mãos e pés atados nos próximos meses. Só no capítulo transatlântico a transportadora vai operar, a partir do hub de Lisboa, mais 17 voos semanais, face ao ano passado, para os Estados Unidos, Brasil e Venezuela, e o incremento da oferta exige um reforço no quadro de pessoal.

Se as dificuldades em captar trabalhadores se mantiverem, o recurso ao outsourcing pode voltar a ser uma porta de saída, à semelhança do ano passado, quando a companhia recorreu aos ACMI [contrato de aluguer de aviões com tripulação, manutenção e seguro, do inglês "Aircraft, Crew, Maintenance and Insurance"]. "A contratação externa de outras companhias será ainda mais desastroso, porque o preço é muito elevado e não é a TAP a operar os voos", critica o presidente do SPAC, Tiago Faria Lopes.

Mas a procura fora de casa já está a acontecer. O SITEMA alerta para o facto de a TAP estar a recorrer à contratação externa, tendo "os reboques de posicionamento para a operação das frotas TAP e PGA" passado a ser realizados "por trabalhadores da empresa [espanhola] Brok-Air". "A justificação da TAP para esta subcontratação é por se tratar de uma tarefa que exige menos qualificações técnicas e devido à escassez de TMA, não pretende alocar técnicos altamente qualificados para estas tarefas.

No nosso entendimento, a subcontratação para outro tipo de tarefas não pode ser vista como uma solução porque, além de custos extremamente elevados, está a capitalizar empresas concorrentes", afirma Jorge Alves.

Nesta categoria altamente competitiva, o SITAVA alerta também que a TAP está a oferecer melhores condições aos TMA, o que está a gerar revolta entre os atuais trabalhadores da empresa. "Estão a tentar aliciar as pessoas, tentando oferecer uma entrada na tabela salarial, não no grau iniciado, mas em outras posições, só que isso cria descontentamento interno", diz.

Reintegrar não é opção

Recorrer aos trabalhadores que saíram da empresa nos últimos três anos, devido ao plano de reestruturação, não é opção que esteja em cima da mesa para a TAP, até porque estes trabalhadores foram indemnizados e este é um dos motivos que leva a transportadora a não querer integrá-los novamente.

Nas últimas semanas, um grupo de antigos tripulantes, que abandonou a transportadora na senda das rescisões por mútuo acordo, sabendo da dificuldade da TAP em preencher posições, reuniu-se através de um grupo de WhatsApp de forma a criar uma lista de interessados em regressar para fazer chegar à empresa.

A resposta da TAP foi negativa e o presidente do SNPVAC aplaude. "Caso esses trabalhadores voltassem, o sindicato tomaria uma posição totalmente contra. Isto, a acontecer, só provaria a má gestão da TAP numa saída massiva de trabalhadores completamente desnecessária", refere Ricardo Penarroias. O representante do SITAVA também diz ter sido informado que a TAP "não quer chamar pessoas que já estiveram na empresa".

A verdade é que os quadros de pessoal da companhia emagreceram nos últimos anos. Se em 2019 a TAP contava com 9006 trabalhadores, no final de 2021 tinha menos 2383. Só tripulantes saíram 1667: 1200 por não renovação de contrato, 450 por RMA e 17 em despedimento coletivo.

Fim dos cortes salariais

Os cortes salariais transversais a todos os trabalhadores, definidos nos acordos temporários de emergência (ATE), assinados pelos diversos sindicatos, permitiram que a sangria não fosse maior. Mas, com as contas saradas, a TAP apresentará ainda neste mês um resultado recorde referente a 2022, com os lucros a assumir protagonismo.

Por isso mesmo, os trabalhadores não compreendem o prolongar da asfixia salarial. "Os cortes salariais não fazem sentido em nenhum lugar na empresa e, em particular, aos pilotos. Foram os pilotos que mais contribuíram para ajudar a TAP na altura que mais precisou, com um corte superior a todas as outras classes trabalhadoras", relembra Tiago Faria Lopes. Já o dirigente dos tripulantes acusa a TAP de apresentar lucros à custa da talhada salarial. "Vamos ver quando os cortes deixarem de existir se os lucros também serão nessa dimensão que se antecipa", desafia Ricardo Penarrroias (Dinheiro Vivo, texto da jornalista Rute Simão)

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