segunda-feira, janeiro 02, 2023

Turismo com receitas recorde olha para 2023 com optimismo moderado

 

Nos primeiros dez meses de 2022, as receitas de turistas estrangeiros já atingiram os 18.610 milhões, superando 2019. Associações olham para este ano, que deverá manter crescimento, com cautela. Depois da queda abrupta de clientes que sofreu em 2020 e em 2021, o sector do turismo recebeu em 2022 uma notícia algo inesperada: as receitas vão ficar acima das arrecadadas em 2019, ano em que se tinha atingido um novo recorde. Nos primeiros dez meses de 2022, segundo os dados mais recentes do Banco de Portugal, as entradas de receitas por via dos turistas estrangeiros (classificadas como exportações) atingiram os 18.610 milhões de euros. Este valor é superior em 14,6% face a idêntico período de 2019 e superou já a totalidade desse ano, podendo ainda vir a ficar acima da última estimativa do banco central, que apontou para 19.059 milhões. “Os preços dos serviços relacionados com turismo aumentaram significativamente, impulsionados pela forte recuperação do sector”, referiu o Banco de Portugal no boletim económico de Dezembro, referindo que “o impulso dado pelo dinamismo do sector dos serviços, em particular no turismo, beneficia da competitividade externa do sector, patente nos ganhos de quota de mercado registados nos últimos anos”.

O total dos proveitos do sector é ainda maior, uma vez que tem de se incluir o turismo interno dos portugueses. Este está ainda por contabilizar (deverá estar incluído na próxima conta satélite do INE), mas, de acordo com os dados da actividade turística divulgados pelo INE, nos dez primeiros meses de 2022 o número de hóspedes residentes em Portugal subiu 5,7% face ao mesmo período de 2019, tendo as dormidas crescido 9,2% (variações que, no caso dos estrangeiros, são de -7% e de -5,5%, respectivamente). Estes números, no entanto, não abrangem as unidades de alojamento local com menos de dez camas, que são a maioria.

Também neste caso, os proveitos nos dez primeiros meses de 2022 nos alojamentos contabilizados pelo INE ultrapassaram o total anual de 2019, com 4463,4 milhões, reflectindo, segundo destacou esta instituição, “o aumento dos preços dos serviços prestados”. Olhando para o saldo entre exportações e importações do turismo, os dados do Banco de Portugal mostram que este cresceu 17,3% face a 2019, chegando aos 13.938 milhões de euros.

Todas as regiões beneficiaram do crescimento, difícil de prever há apenas dois anos, mas foi a Madeira que mais subiu entre Janeiro e Outubro (suportada por factores como a entrada da Ryanair na ilha), com uma variação, segundo o INE, de 27,7% em valor face ao mesmo período de 2019, cabendo ao Centro do país o crescimento mais modesto, de 9,2% (seguido de perto pelos 9,5% de Lisboa). Em Novembro, de acordo com os dados preliminares do INE, os alojamentos turísticos registaram 1,7 milhões de hóspedes e 4,2 milhões de dormidas, o que representa variações de -1% e de +4,3%, respectivamente, face ao mesmo mês 2019.

Entre os mercados emissores, de acordo com o Banco de Portugal, o Reino Unido mantém-se no topo, com 2991 milhões de euros em gastos nos dez primeiros meses (apesar de apenas mais 1,2% face ao mesmo período de 2019), seguido pela França, Alemanha e Espanha, por esta ordem, tendo estes três mercados representado mais de dois mil milhões e um crescimento a dois dígitos, entre os 12% e os 24%. Destaque-se ainda pela positiva os EUA, com 1631 milhões de euros, mais 50% do que em 2019, e pela negativa o Brasil, com 607 milhões, -5% face a 2019.

Efeitos da crise e um “balão de oxigénio”

Há, no entanto, duas grandes diferenças entre 2022 e 2019 naquele que tem sido um dos motores da economia portuguesa: dois anos de crise profunda pelo meio, que afectaram a resistência financeira das empresas, e uma conjuntura de riscos e de incertezas ligados à invasão de Ucrânia, com uma inflação elevada, que não se verificava em 2019. “Falar em receitas não é falar em resultados”, diz Cristina Siza Vieira, vice-presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP).

Se o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (Alep), Eduardo Miranda, diz que o desempenho do turismo acima das expectativas, com “uma melhoria dos preços médios”, permite absorver parte do aumento dos custos “que já se verificaram e tendem a agravar-se”, Ana Jacinto, secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (Ahresp), destaca que, mesmo com o “balão de oxigénio” recebido, “as margens de negócio estão esmagadas, o que não permite libertar meios para reforçar as finanças depauperadas”.

A guerra na Ucrânia, destaca Cristina Siza Vieira, trouxe consigo “uma grande incerteza” e “um brutal aumento nos custos da energia, de todos os bens alimentares e das cadeias de distribuição”. Numa conjuntura de elevada inflação, Ana Jacinto destaca que a subida de preços praticados pelo sector foi “manifestamente inferior” às subidas de aumento de custos na energia e nos produtos adquiridos. “As nossas empresas estão a absorver nas suas margens uma parte significativa dos custos”, sublinha, “e ainda se encontram extremamente fragilizadas”.

Tendência de crescimento

O crescimento do sector deve manter-se no médio prazo, com o Banco de Portugal a prever, no seu boletim de Dezembro, que em 2023 “as exportações do turismo deverão crescer 8,6%, beneficiando da Jornada Mundial da Juventude que terá lugar em Portugal no terceiro trimestre”. “Em 2024-25”, diz o banco central, “assume-se que esta componente cresce ligeiramente acima da procura externa”.

Questionada sobre quais os principais aspectos positivos que antecipam para este ano, Cristina Siza Vieira diz que “o mercado americano tem tido uma extraordinária performance”, afirmando esperar que este “consolide a sua posição como um dos principais emissores de receita turística”, algo que é partilhado pelo presidente da ALEP, com Eduardo Miranda a destacar que foram os hóspedes americanos “que compensaram a queda de alguns países da Europa”.

“A abertura dos programas do PT 2030 e a concretização do investimento público do PRR, praticamente o único admissível, mas que pode ter importantes efeitos de arrasto no sector privado, são também aguardados com grande expectativa pelo sector”, adianta Cristina Siza Vieira. “Também aguardamos que a nova gestão do Banco Português de Fomento concretize já este ano as missões para que foi criado (já que nos anos da pandemia foi consumido por outras iniciativas, necessárias, é certo, mas agora ultrapassadas)”, acrescenta esta responsável.

Para Ana Jacinto, “a posição geoestratégica de Portugal poderá ser determinante para que continuemos a ser um destino turístico preferencial, não só pelos tradicionais mercados emissores”, como o Reino Unido, Espanha ou França, “mas também de outros mercados internacionais”. “Todos desejamos que em 2023 haja sinais de estabilidade internacional, a começar pelo fim do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, e também do abrandamento da inflação e do aumento do custo de vida das famílias”, refere a dirigente da Ahresp. Por parte da Alep, Eduardo Miranda acrescenta “o aumento do interesse pelos próprios portugueses de descobrir mais o país” e ainda o facto de se perceber que Portugal tem “uma oferta que estava subvalorizada sem motivo”.

As ameaças no ar

Sobre as principais ameaças para este ano, os três responsáveis contactados pelo PÚBLICO destacam o perdurar da guerra e da inflação elevada, com as taxas de juro a subir e o risco de recessão nas principais economias, afectando o poder de compra, incluindo os grandes mercados emissores de turistas para Portugal.

Tanto a Ahresp como a AHP realçam como factor negativo as dificuldades em contratar profissionais para o sector, com Cristina Siza Vieira a destacar que esse “ponto crítico” leva a que seja “fundamental concretizar os acordos firmados no âmbito da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] para agilizar os procedimentos de emigração de trabalhadores, especialmente para o nosso sector”.

“Deparamo-nos ainda com uma ausência total de apoios e de medidas robustas para protecção das nossas actividades económicas, que são das mais determinantes na recuperação e saudável funcionamento da economia nacional como um todo”, constata Ana Jacinto. Do lado da AHP, Cristina Siza Vieira acrescenta ainda a “crescente frustração para os operadores” e a perda de receita com a ausência de uma solução aeroportuária para Lisboa (a solução só deverá ser definida em 2024).

“É sempre difícil tomar decisões”, nomeadamente de investimentos, “num ambiente de incerteza e ainda para mais depois de dois anos de uma crise nunca imaginada como a que a pandemia causou”, constata Eduardo Miranda. “A reforçar esta dificuldade está o facto de a maioria das reservas agora ser feita muito próximo da estadia”, acrescenta o responsável da Alep, sublinhando que “o essencial é, acima de tudo, ter flexibilidade e capacidade de se adaptar rápido à mudança”. “Há nuvens no horizonte”, diz Cristina Siza Vieira. “No entanto”, antecipa, “acredito que teremos pela frente um bom ano” (Publico, texto do jornalista Luís Villalobos)

Sem comentários: