Em termos de perceção, as últimas semanas estão a ser um desastre para o Governo. Ainda sem números que o confirmem, o ECO contactou três especialistas em comunicação. E as notas são negativas. “Estas semanas não têm sido fáceis. É demais evidente que não têm [sido fáceis]”, resumia na conferência que assinalou os 50 anos do Expresso, Mariana Vieira da Silva, horas antes do início da audiência de Fernando Medina na Comissão de Orçamento e Finanças, que, durante 3h10 respondeu às perguntas dos deputados, após um requerimento potestativo, ou seja, com força obrigatória, do PSD, sobre a saída de Alexandra Reis da TAP. Medina respondeu aos deputados 11 dias após a demissão da ex-secretária de Estado do Tesouro e 48 horas após a tomada de posse de Carla Alves, secretária de Estado da Agricultura. Ou, dito de outra forma, 24 horas após a demissão da secretária de Estado da Agricultura – a mesma Carla Alves –, que apresentou a demissão “por entender não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funções no cargo”, pouco depois de Marcelo Rebelo de Sousa a ter qualificado como um “peso político”. Isto, no mesmo dia em que António Costa, no debate da moção de censura ao Governo apresentado pela Iniciativa Liberal, defendeu que a secretária de Estado tinha condições para se manter em funções e, em direto, revelou que pretendia falar com Marcelo Rebelo de Sousa no sentido de “estabelecer um circuito entre a minha proposta e a nomeação de membros do Governo que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de conhecer e garantir maior transparência e confiança de todos no momento da nomeação”.
Confuso? Treze baixas, em nove meses de governo de maioria absoluta, não ajudam a passar propriamente uma imagem de estabilidade. “Até agora, nenhuma das remodelações teve que ver com a coesão do Governo“, dizia o primeiro-ministro, também esta sexta-feira, em declarações aos jornalistas, garantindo que “o essencial tem sido assegurado”, nomeadamente “a estabilidade das políticas”. O Executivo está concentrado “no que é mais importante para o país” e “continua a ter condições” para responder aos problemas das pessoas, apesar das polémicas, garantia em uníssono a ministra da Presidência.
Mas, no meio de tantos “casos e casinhos”, como é que fica a reputação do Governo?
“Olhando para os sentimentos demonstrados nas redes sociais e para os comentários públicos sente-se, de facto, um decréscimo dos níveis de confiança no Executivo o que revela um impacto destes casos na reputação do Governo”, começa por dizer Maria Domingas Carvalhosa, CEO da consultora Wisdom, alertando, no entanto, que para uma análise mais profunda será necessária a realização de uma sondagem e/ou um estudo de reputação. É também esta a perceção de João Tocha e Vítor Cunha, consultores ouvidos pelo ECO/+M.
As questões emocionais, o capital de confiança, o capital de simpatia do líder e o capital de competência fazem parte dos pilares da reputação e será preciso dados factuais para os avaliar, concretiza João Tocha, CEO da F5C (First Five Consulting), frisando que quando queremos avaliar a reputação, o melhor é fazer estudos e medir as variáveis. “Parece ser um mau momento, mas é preciso confirmar se é essa a opinião do povo. O PS acabou de vir de uma maioria absoluta e pode sofrer um abalo na sua base de apoio”, diz João Tocha, na opinião de quem “houve um desgaste desnecessário”.
Sem a existência de métricas concretas, o administrador da JLM&Associados também não dá uma resposta categórica, mas, em teoria, admite que qualquer instituição que “durante algum tempo seja submetida a algum desgaste comunicacional vai ser afetada. Aguardemos pelas próximas sondagens”, diz Vítor Cunha, ressalvando a necessidade de se perceber se o desgaste que parece existir está circunscrito “à bolha político-mediática ou existe na perspetiva das pessoas”.
Na opinião deste especialista, o caso que mais poderá impactar a imagem do Governo junto da opinião pública é o da indemnização de meio milhão de euros paga a Alexandra Reis. “As pessoas olham para o seu universo. Quando, por via da inflação e da subida dos juros perdem poder de compra, quando há pessoas em situações difíceis, na esfera do Estado ser paga uma indemnização deste montante é socialmente escandaloso”, explica Vítor Cunha.
Na base, este não é um problema de comunicação e a comunicação só pode resolver problemas de comunicação” (…) Estas contradições criaram um ambiente de maior desconfiança. Demorou-se demasiado tempo a investigar e a tomar decisões. Esse tempo, em termos mediáticos, alimenta muita polémica e muitos detalhes
Maria Domingas Carvalhosa não tem dúvidas de que as últimas semanas já estão a fragilizar, pelo menos no campo da perceção, o Governo. “A redução da confiança fragiliza o seu relacionamento com os stakeholders. Acresce que o Governo começou a perder alguma capacidade de ação governativa já que passou a consumir demasiada energia na resposta a estes casos”, constata a também presidente da APECOM, associação que representa as consultoras de comunicação.
Não sendo tão categórico, João Tocha também diz que “um ou dois casos, era bom evitar, mas podem suceder”. Aqui, já teria dado tempo de “pôr trancas à porta”. O responsável, que trabalhou a comunicação de Rui Rio e trabalha com autarquias da CDU e lideradas por independentes, recorda que o próprio processo de nomeação e comunicação de um governante já é um ato de comunicação, “há sempre uma análise de risco, previsão e antecipação”.
Neste último caso, de Carla Alves, “nota-se que já não há crivo”, refere. E, se a responsabilidade máxima é de António Costa, João Tocha não isenta de culpas o seu gabinete e equipa. “A responsabilidade maior é de quem está nos gabinetes e prepara os dossiers para o primeiro-ministro, que não tem tempo útil para tudo. Os assessores deviam fazer essa verificação”, defende.
O Governo tem reagido de forma reativa. Talvez precisasse de uma atitude mais liderante na comunicação, não estar tanto tempo debaixo de fogo.
O consultor vê com bons olhos que seja adotado um conjunto de regras nas nomeações. “Estamos a nomear governantes, é preciso algum zelo”, defende, sugerindo que exista quase um compromisso de honra, uma checklist, que ajude a tornar o candidato elegível. “Era começar no registo criminal, na situação perante a Segurança Social e Finanças, a lei das incompatibilidades e, depois, entravam as questões de juízo ético e político”, sugere. “Com esta triagem exaustiva já se evitava muitas crises”, resume João Tocha. “Até como ato de sobrevivência e inteligência e para evitar aproveitamentos extremistas”, enfatiza o responsável. Caso contrário, “é como se houvesse um foco de incêndio e se deitasse água. Nem sempre é o melhor elemento”, prossegue.
Maria Domingas Carvalhosa também recorda que “na base, este não é um problema de comunicação e a comunicação só pode resolver problemas de comunicação”. No entanto, prossegue a responsável, “na resolução da crise a que estas nomeações deram origem sentiu-se uma falta de coordenação na mensagem entre os principais stakeholders o que, inevitavelmente, permite algumas contradições. Estas contradições criaram um ambiente de maior desconfiança. Demorou-se demasiado tempo a investigar e a tomar decisões. Esse tempo, em termos mediáticos, alimenta muita polémica e muitos detalhes”, explica.
A melhor forma de fazer com que estes episódios não passem de episódios, são as medidas que se venham a tomar. A governação.
Na opinião da fundadora e CEO da Wisdom, “o Executivo devia ter assumido os erros, justificado, pedido desculpa, resolvido a situação e assegurado que no futuro tal não acontecesse. Tudo de forma clara, transparente e atempada. Errar é humano e o eleitor compreende. O tema esgotava ali e lançava-se outro”, conclui. Se fosse para dar uma nota à forma como o governo tem gerido, em termos de comunicação, todos estes casos, Domingas Carvalhosa daria um cinco.
Vítor Cunha defende que “o Governo tem reagido de forma reativa”. “Talvez precisasse de uma atitude mais liderante na comunicação, não estar tanto tempo debaixo de fogo”, diz o também partner da JLM&Associados, recordando, no entanto, que a demissão da secretária de Estado da Agricultura foi acelerada pelo Presidente da República. Na avaliação de Vítor Cunha, o Governo não passava na cadeira de Comunicação. “Dava-lhe um quatro, é negativa”, diz, recordando que também os media hoje estão “mais agressivos e menos tolerantes”.
Quanto ao futuro, o responsável defende que “depende da reação do Governo, não depende de mais ninguém”. “É preciso fazer reset, ou restart, para aparecer com uma nova energia”, aconselha.
João Tocha prefere não dar notas, mas refere que este conjunto de casos “vão ficar sempre no cadastro”. No entanto, “o Governo também tem coisas positivas”. “A melhor forma de fazer com que estes episódios não passem de episódios são as medidas que se venham a tomar. A governação”, remata João Tocha. Neste momento, em suma, manifestamente parece estar a correr mal. Mas as perceções podem não passar disso mesmo. É preciso não esquecer, como recordam tanto João Tocha como Vítor Cunha, que a dois dias das últimas legislativas havia a perceção que o PSD podia ganhar as eleições. Venceu, com maioria absoluta, o PS, liderado por António Costa (ECO digital, texto da jornalista Carla Borges Ferreira)
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