domingo, junho 19, 2022

Descodificador: Estamos numa criptossangria?

 

As criptomoedas têm estado sob enorme pressão com o fim do dinheiro grátis dos bancos centrais

1 - Maio foi um mês negro para as cripto?

Foi um mês marcante para os criptoativos, com fortes perdas, ficando para a história pelo colapso da stablecoin TerraUSD, que provocou o desaparecimento de 40 mil milhões de dólares (€37 mil milhões) em valor de mercado desses tokens — aquilo que alguns participantes do mercado chamaram “momento Lehman” das criptomoedas, em referência à falência, em setembro de 2008, da casa de investimento norte-americana Lehman Brothers. As quedas vieram na sequência dos anúncios de política monetária da Fed, que voltou a encarecer o preço do dólar em 50 pontos-base, encarniçando a sua luta contra a inflação. É esta a principal razão da fuga de investidores dos criptoativos: numa época de inflação alta e de subida das taxas de juro, a tendência é de fuga para ativos de refúgio.

2 - O que provocou a volatilidade desta semana?

Na sexta-feira da semana passada foi divulgada a taxa de inflação de maio dos Estados Unidos, nos 8,6%, acelerando face a abril e atingindo máximos de 40 anos. Perante a subida imparável dos preços, na segunda-feira o “The Wall Street Journal” publicava uma notícia a dar conta de que membros da Fed estavam a pensar votar a favor de uma subida de 75 pontos-base da taxa diretora na reunião desta semana, uma subida mensal que não se via desde 1994. As bolsas afundaram nesse dia, com o S&P 500 a entrar em “mercado urso” (ou seja, com uma perda acumulada de mais de 20% face ao pico de janeiro), e a liquidação de outros ativos de risco intensificou-se. O bitcoin e a ether, as duas criptomoedas mais populares, perderam de um dia para o outro mais de 10% do seu valor.

3 - Foi só a Fed a provocar o pânico?

Não. Sendo a cultura cripto inerentemente descentralizada, dispensando em teoria intermediários e bancos centrais, e sem ainda uma regulação que possa proteger os investidores, a estabilização do sistema depende de decisões discricionárias que podem até lesar quem apostou dinheiro nestes ativos. Um dos fatores que agravaram o pânico na segunda-feira foi quando a plataforma de créditos cripto Celsius anunciou que iria impedir o levantamento e a transferência de ativos de clientes por um período indeterminado, justificando-se com problemas de liquidez e condições de mercado extremas. A Binance ficou nesse mesmo dia três horas sem permitir o levantamento de bitcoins devido, segundo a plataforma de trading, a uma transação bloqueada. Nada disto ajudou à já esfarrapada confiança dos investidores.

4 - Que perspetivas há para estes ativos?

Os criptoativos não têm valor intrínseco. É o desejo coletivo de um grupo muito grande de pessoas que faz com que um bitcoin, um token com registo de posse digital, valha milhares de dólares e não zero. A única garantia futura para os investidores é que vão encontrar a volatilidade que sempre caracterizou as criptomoedas (o que excetuava as stablecoins até há muito pouco tempo). Além da volatilidade e da ausência da regulação, qualquer investidor deve ter em mente que num mundo com muito menos liquidez e em que o objetivo dos investimentos passa a ser mais a manutenção do capital perante a ameaça da inflação do que rendibilidades astronómicas, as criptomoedas não estão numa boa posição para superar o desafio no curto prazo. O bitcoin cotava na quarta-feira perto dos 21 mil dólares (€20 mil), perdendo 25% do seu valor em cinco dias e 70% face ao máximo de sempre de novembro de 2021 (Expresso, texto do jornalista Pedro Carreira Garcia)

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