sábado, junho 04, 2022

Chega na Madeira: o primeiro teste de Montenegro

Europeias em 2024, legislativas daqui a quatro anos, mas um teste de fogo já em setembro de 2023. Depois de uma campanha em que evitou comentar uma hipotética relação com o Chega, as regionais da Madeira podem pôr a descoberto a relação dos dois partidos. Pela primeira vez sem maioria absoluta no arquipélago e mesmo contando com o CDS, o PSD pode precisar de aliado extra para continuar a governar. “Escusam de me fazer sempre essa pergunta. Nunca foi o meu tema de campanha, jamais será.” Foi assim que Luís Montenegro respondeu aos jornalistas, na noite em que foi eleito líder do PSD, quando questionado sobre uma futura relação com o Chega. Foi assim durante toda a campanha: com Jorge Moreira da Silva a querer fazer da linha vermelha ao Chega o seu cavalo de batalha, Luís Montenegro a tentar evitar o tema. Não deseja nenhum acordo com a direita radical, não vai ferir os princípios do PSD, mas também não vai contribuir para “perpetuar o PS no poder”. Mais: falar de diálogo ou acordos é, neste momento, “extemporâneo”, escreveu na moção de estratégia. Mas a discussão pode chegar mais cedo do que o esperado.

Nas últimas regionais, que se realizaram semanas antes das legislativas em que André Ventura foi eleito pela primeira vez para o Parlamento, o PSD perdeu a maioria absoluta no arquipélago e teve de fazer uma coligação inédita com o CDS. Nas autárquicas, os sociais-democratas ganharam novo fôlego com a recuperação expressiva da Câmara do Funchal e, nas presidenciais, Ventura foi o segundo mais votado (10%), conseguindo mais votos do que nos Açores (onde o Chega dá apoio parlamentar ao Governo laranja). Nas legislativas de janeiro, os resultados do PSD voltaram a ficar aquém: “Se extrapolarmos os resultados das últimas nacionais para regionais, o PSD, coligado com o CDS, não teria maioria”, diz uma fonte do PSD Madeira ao Expresso. Ou seja, seria preciso uma coligação mais alargada com o Chega ou a IL. E isso ninguém rejeita.

“Com 72%, não me parece que seja um líder só para dois anos.” Abstenção recorde é o reverso: “O voto livre não foi às urnas”

A começar pelo líder do PSD Madeira e presidente do governo regional, Miguel Albuquerque, que se envolveu como nunca tinha feito numa campanha interna: foi mandatário nacional de Luís Montenegro e fez aprovar na comissão política regional, por unanimidade e de forma inédita, um voto de apoio ao candidato. A “orientação” era para votar Montenegro e isso ficou evidente no resultado eleitoral: quase 90% dos votos caíram para o ex-líder parlamentar. Miguel Albuquerque não tem escondido, de resto, que mais do que ser contra linhas vermelhas ao Chega é a favor de um entendimento entre os dois partidos: “Tudo o que seja coligações no sentido de derrotar a esquerda em Portugal é bem vindo”, disse numa entrevista à Renascença em agosto de 2020, onde sublinhou que “não veio mal nenhum ao mundo” quando vários partidos da direita europeia se coligaram com a extrema-direita. Também Alberto João Jardim, que de forma surpreendente apareceu ao lado de Albuquerque a apoiar Montenegro na corrida, invocou o argumento do Chega para o fazer: “O outro candidato começou logo a falar do Chega e isso é fazer o frete ao PS (...) Nós não temos de andar preocupados com o Chega, temos é de esvaziar os extremos (...), foi nestes cânones que me entendi com o dr. Montenegro”, disse Alberto João em entrevista à RTP.

DESAFIO: UNIDADE

A autonomia da região vai sempre ser invocada na hora de tomar decisões, mas muitos, no partido, receiam o efeito que possa ter uma reedição do que aconteceu nos Açores — sobretudo quando se atribui a maioria absoluta do PS, em parte, ao medo que os eleitores do centro tiveram de uma pseudoaproximação do PSD à direita radical. Certo é que a “vitória expressiva” de Luís Montenegro no último sábado lhe dá margem para executar a estratégia. “Quem ganha o partido com 72%, o que nunca aconteceu, não me parece que seja líder só para dois anos”, acredita um montenegrista. Essa foi, de resto, a estratégia de Montenegro, que, apesar de partir para a corrida como favorito, não quis deixar nenhuma brecha a descoberto: ter mais votos do que Rui Rio, em números absolutos, era uma das metas que tinha na cabeça (e que atingiu) para blindar a narrativa. É que o projeto do agora líder do PSD é para quatro anos e, apesar de o mandato ser de dois, foi com este discurso que venceu as eleições com a maior diferença de votos de sempre. O reverso da medalha, ensaiado pelos apoiantes de Moreira da Silva, é outro: nunca a abstenção foi tão alta (40%). Sinal de que “o voto livre não foi às urnas” e o resultado da votação foi apenas fruto do trabalho que Montenegro desenvolveu nos últimos meses junto das estruturas. Mais: não houve debates porque Montenegro não quis e isso Moreira da Silva fez questão de referir no discurso da derrota. José Matos Correia, num artigo de opinião no Expresso, procurou desmontar o argumento: “Os termos da vitória que Luís Montenegro obteve são inequívocos e bem demonstrativos do apoio interno que tem.”

Em ano de hipotética reeleição, as eleições europeias de 2024 vão ser o derradeiro teste à liderança de Luís Montenegro, mas antes disso há outros desafios: mostrar que a unidade autoproclamada não é apenas uma proclamação (ver texto ao lado). Primeiro, com a bancada parlamentar (escolhida por Rio) e, depois, com Jorge Moreira da Silva, o candidato derrotado que vai querer usar os 27% de votos que obteve como “seus” por direito. Ao que o Expresso apurou, os dois sociais-democratas ainda só falaram ao telefone, tendo marcado uma conversa para a próxima semana. Moreira da Silva rejeitou desde logo vir a integrar um órgão executivo da direção de Montenegro, mas Montenegro conta com o seu “talento” e com o dos seus “apoiantes”. Resta saber se esse sinal de união vai ser dado através de uma lista ao Conselho Nacional (parlamento do partido) ou, por exemplo, através de um lugar de coordenação do CEN ou do gabinete de estudos do partido.

MOTA PINTO DE PEDRA E CAL

Como no jogo do empurra, Montenegro passou a primeira semana desde a eleição à espera de ver o que o líder parlamentar ia fazer: depois de ter dito, no discurso da vitória, que iria conversar com o líder parlamentar, Paulo Mota Pinto, escolhido por Rio, teve uma agenda ocupada. Foi com o antigo líder ao congresso do PPE, em Roterdão, e, esta quinta-feira, depois de ter reunido a bancada parlamentar, discursou no International Club. Em público, só elogios ao novo líder: “Pode trazer uma dinâmica de combate político e farei todo o possível para que possa favorecer o PSD”, afirmou.

Perante os deputados, não fez qualquer referência à sua continuidade e, ao que o Expresso apurou, deverá manter-se no limbo até ao congresso agendado para os primeiros dias de julho. “Está a usar todas as oportunidades que tem para se sedimentar como líder”, diz uma fonte da bancada ouvida pelo Expresso. Prova disso é o facto de ter feito mudanças no gabinete: pôs uma chefe de gabinete da sua confiança e mudou alguns assessores da bancada. Outras fontes vão mais longe: “Está a criar condições para uma candidatura à liderança do PSD.”

Ao que o Expresso apurou, a direção da bancada reuniu-se esta quinta-feira de manhã antes da reunião com os deputados e alguns vice-presidentes a mostrar disponibilidade para sair. “Colocarei o meu lugar à disposição”, diz um dirigente da bancada, sublinhando, contudo, que não será do interesse do novo líder “fazer guerra”. Problema: o líder parlamentar tem assento na comissão permanente, o órgão mais restrito da direção do partido. Um adversário dentro de casa ou uma forma de neutralizar um futuro concorrente? Há exemplos passados: António Capucho pôs o lugar à disposição mas Cavaco Silva manteve-o como líder parlamentar e tornou-se uma figura do cavaquismo. Pode Mota Pinto vir a ser uma figura do montenegrismo?

O QUE PENSA MONTENEGRO?

Eutanásia É contra a despenalização da morte medicamente assistida, mas há muito que defende um referendo sobre o tema, assim como a liberdade de voto no Parlamento. Já em maio de 2018 exortava, no Expresso, o PSD a avançar com uma proposta de referendo.

Privatizações É a favor da privatização da TAP a 100%, mas tem uma posição diferente para a Caixa Geral de Depósitos: “Deve continuar a ser o garante do sistema bancário português.”

Educação Defende o cheque-ensino com liberdade de escolha no acesso à escola pública e privada e quer valorizar a carreira dos professores. Na moção que apresentou, contudo, não explica como.

Saúde Já em setembro de 2018 dizia ao Expresso que a lei de bases da Saúde devia abrir a porta à colaboração do público com os privados e o sector social: “São complementares, desde que os beneficiários sejam os cidadãos.” Valorizar as carreiras no SNS é um objetivo, mas não explica como.

Justiça Pondo a reforma da Justiça como uma das prioridades, propõe a criação de uma agência anticorrupção altamente especializada e com poderes de investigação para combater crimes de colarinho branco.

Regionalização Em 2019 disse em entrevista que votaria ‘não’ à regionalização. Mas mais do que uma posição fechada sobre o tema, acha que não há condições para se fazer esse debate (ou referendo) nesta legislatura. A descentralização está em curso, a correr mal, e é prioritária.

Impostos Quer reformar o sistema fiscal, com menos impostos e taxas, e com isso diminuir a carga fiscal. Baixar o IRS e o IRC em simultâneo. Em outubro de 2018, num artigo de opinião no Expresso, defendeu uma redução do esforço fiscal dos portugueses e chegou a sugerir acabar com a taxa intermédia do IVA, ficando com uma taxa normal nunca superior a 20%.

Salários Em outubro de 2018, escrevia no Expresso: “A recuperação do poder de compra é importante, mas o foco tem de ser a criação de riqueza. Bons salários são a consequência do crescimento, e não o contrário.” Quer aumentar o salário mínimo nacional de forma a chegar aos €1200 em 2030 e um crescimento médio da economia na casa dos 4% para o conseguir.

Inflação Não diz que os salários devem subir na exata medida da inflação galopante, mas diz que a resposta à inflação deveria ser dada através de um pacote de medidas direcionado para as famílias mais carenciadas que perderam poder de compra.

Jovens e natalidade Quer uma taxa máxima de IRS de 15% para os jovens até aos 35 anos. O desenho da medida não está fechado, mas em entrevista chegou a dizer que a intenção não é aplicar este ‘desconto’ aos jovens mais ricos. Propõe creches gratuitas até aos seis anos, melhor conciliação da vida pessoal e profissional e a introdução da meia jornada (quem tem filhos até aos 12 anos pode trabalhar metade do tempo e ganhar 60%).

Imigração Pretende atrair imigrantes para compensar a falta de mão de obra nas empresas e para isso propõe a criação de uma agência para as migrações e de um programa de imigração temporária para sectores específicos com falta de mão de obra sazonal. Quer tornar menos rígida a lei da imigração.

Pensões Ciente de que os idosos fugiram do PSD depois do corte de pensões, Montenegro elogia a valorização de pensões feita pelos Governos de Cavaco Silva, mas não promete aumentos, para já. Quer uma reforma da Segurança Social e reativar o debate sobre formas de financiamento.

Combate à pobreza Propõe um reembolso de IRS para os trabalhadores que, por terem menor rendimento, não pagam sequer IRS. Trata-se de um ‘IRS negativo’ e pode passar por “benefícios fiscais, deduções à coleta” ou outro tipo de soluções viradas para quem tem rendimentos mais baixos (Expresso, texto da jornalista Rita Dinis)

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