quarta-feira, outubro 24, 2018

Autonomia: (re) construir pontes é essencial


Participando há dias num programa de opinião política na Antena-1 da Madeira, afirmei - e mantenho - que uma das principais carências que se têm notado nos últimos anos tem a ver com a falta de "pontes" entre a RAM e a República, "pontes" passíveis de se antecipar às decisões, evitando que a Madeira vá a reboque do que já está decidido, em princípio.

Continuo a pensar que apesar dos avanços autonómicos, continuam a ser muitas as matérias que directa ou indirectamente, passam pela República, dependendo sempre dos bons ou maus bofes dos ministros das finanças e da capacidade de solidariedade dos primeiros-ministros, incapazes, regra geral, de se colocarem acima de questiúnculas partidárias e de decidirem em conformidade com as suas responsabilidades institucionais.
A ausência dessas pontes e de diálogo, sempre úteis, sobretudo nos bastidores da política e da governação, acaba por gerar conflitualidades desnecessárias, choques institucionais, desavenças políticas, etc
Durante anos, Guilherme Silva - que se movimentou sempre muito bem nos corredores do poder em Lisboa - assumiu esse papel em relação a João Jardim, tendo sido capaz de resolver,com maior ou menor dificuldade e eficácia, muitos problemas que poderiam penalizar a Madeira e antecipando-se se inclusivamente a muitas decisões que apontavam numa direcção mas acabaram por divergir para outra. Um dia se Guilherme Silva escrever as suas memórias de tudo o que se passou nos bastidores da política nacional "versus" Madeira, acho que seriam extraordinariamente interessadas para percebermos o outro lado da política regional, o outro lado dos calafrios da autonomia madeirense, e muito do que se passou nas relações entre o Estado e a Região, independentemente da natureza partidária dos governos.


Lembro-me dois momentos em que esse papel se deparou com enormes dificuldades e muita hostilidade: o caso da imposição das alterações à Lei de Finanças Regionais de 2007, que culminou com eleições regionais antecipadas e ameaçou muito severamente o governo de Sócrates-Teixeira dos Santos, com recurso ao Conselho de Estado e à intermediação de Cavaco Silva. O segundo caso mais agoniante aconteceu com o célebre "buraco" financeiro de 2011 e tudo o que aconteceu desde então, em pleno ano eleitoral regional, culminando com a imposição à Madeira, pela dupla Passos-Gaspar do PAEF. Aliás terá sido Passos o líder político nacional que mais deliberadamente hostilizou a Madeira e manteve Guilherme Silva à margem, tudo por causa das relações inexistentes entre Jardim e o ex-primeiro-ministro que acabou por ser a desgraça do PSD e do país por causa do seu absurdo fundamentalismo ultra-liberal e bandalho que esmagou as pessoas, culpabilizando-as, sem coragem nem dignidade para dizer abertamente, pela falência do país e pelos falhanços e erros dos políticos, deputados e governantes.
Para além do agora Presidente da Comissão dos 600 anos da descoberta da Madeira, também Pereira de Gouveia, antigo secretário regional da economia e da cooperação, ficou conhecido - aliás mesmo antes das suas funções governativas - por ser uma personalidade que entrava facilmente em vários corredores do poder em Lisboa, nos seus diferentes patamares de decisão, quer em termos empresariais, quer em termos políticos. Pereira de Gouveia foi também um protagonista importante nessa lógica das "pontes" entre a Região e o Estado, que eu considero serem cada vez mais recomendáveis, entre o Funchal e  Lisboa - e quem o desvalorizar está a cometer um erro politico gravíssimo porque as perdas são substancialmente superiores aos ganhos.
O segredo reside na antecipação dos factos, impedindo que a Madeira vá a reboque de decisões anunciadas ou tomadas, o que aumenta a dificuldade de reversão das mesmas ou de alteração para que fiquem mais em conformidade com os desejos da Região. Ir atrás das decisões, a reboque dos factos é sempre difícil e desaconselhável porque a mediatização de processos de decisão - que devem pautar-se pela discrição e pela justiça - impede muitas vezes cedências, quase sempre entendidas como uma espécie de “vitória” de alguém a que corresponderá a “derrota” de outro alguém. Ninguém aceita passar por isso. Por isso o sucesso quando vamos a reboque dos factos é sempre diminuto.
Nesta perspectiva considero que a construção de pontes é essencial para o sucesso e consolidação da autonomia regional e para a defesa dos seus interesses num diálogo nem sempre fácil e pragmático e sério, como todos desejamos, com o poder central. Isso explica, por exemplo, e reconhecidamente, recuos nas autonomias regionais espanholas e um certo marcar passo nas regiões italianas (LFM)

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