sexta-feira, outubro 03, 2014

BCE aponta minibazuca a Grécia, Chipre e Portugal

Li no Dinheiro Vivo que "em Nápoles, o Banco Central Europeu (BCE), cada vez mais encurralado na sua política expansionista para fazer subir a inflação que está quase em zero, disparou ontem uma nova minibazuca de dinheiro barato para os bancos, fazendo especial pontaria à Grécia e ao Chipre, mas com alcance também em Portugal. Nas ruas da cidade italiana, a polícia de choque disparou canhões de água e granadas de gás lacrimogéneo contra manifestantes "anti-austeridade". Com a economia europeia cada vez mais encharcada em dinheiro que tarda em chegar às empresas e às famílias - porque fica preso algures no circuito bancário - , Mario Draghi, o presidente do BCE teve uma palavra para os molhados de Nápoles, onde decorreu a reunião do conselho de governadores do banco central do euro. "Eu compreendo as razões dos protestos [a fraqueza da economia italiana], mas a perceção de que o BCE é culpado ou está na origem da situação precisa de ser corrigida". A Itália, terceira maior economia do euro, está novamente em recessão e em 2015 crescerá uns magros 0,5%, prevê o Governo. Segundo Draghi, no que toca à zona euro, o BCE já fez o essencial, o grosso do trabalho. Ainda assim não vai negar uma ajuda adicional. Continuará a auxiliar os bancos com medidas não convencionais. Ontem, deu detalhes sobre mais uma, mas repetiu que os governos nacionais estão longe de terem completado o trabalho de casa: "a legislação e a implementação de reformas estruturais precisam claramente de ganhar força em vários países".
Manejando a bazuca
O BCE vai comprar carteiras de créditos e obrigações (dívida titularizada) aos bancos europeus, inclusive os que estão parqueados em países com rating abaixo de BBB-, fronteira que define o nível de lixo ou especulativo. Mario Draghi falou especificamente da banca da Grécia e do Chipre, embora Portugal também caia nessa classe de risco, de acordo com a Standard & Poor's e a Moody's. Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião das taxas de juro -- a taxa principal ficou inalterada no mínimo histórico de 0,05% -- Draghi explicou que a instituição vai ficar temporariamente com um montante "significativo" de carteiras dos bancos europeus. Vai comprar ABS (créditos da banca sobre outros, incluindo hipotecas) e obrigações cobertas. "Decidimos incluir países com ratings inferiores a BBB-, como a Grécia e Chipre", revelou. É um programa com "medidas de risco extra", referiu. O BCE vai exigir, por exemplo, mais colaterais aos bancos desses países se quiserem usar a nova linha. Fala-se já em "sobrecolateralização". Seha como for, a afirmação causará grande desconforto junto de alguns países, como a Alemanha, certamente, que vêm a iniciativa como mais uma exposição do BCE ao risco soberano. Segundo contas da JP Morgan, citadas pela Bloomberg, os bancos portugueses poderão vender temporariamente ao BCE cerca de 11,2 mil milhões de euros ao abrigo da nova linha ABS (a que pode conter hipotecas). Supostamente é espaço no balanço para emprestar mais à economia. Os novos programas de liquidez "terão a duração de pelo menos dois anos". As compras de carteiras de créditos vão arrancar "no quarto trimestre de 2014"; as aquisições de obrigações começam já "na segunda metade de outubro".
Desilusão
Quando terminarem os programas, o BCE deve devolver os ativos aos bancos. Por isso é apenas uma criação temporária de moeda, não um alívio monetário (QE ou quantitative easing) na verdadeira aceção da palavra. Os mercados ficaram "desiludidos". As bolsas europeias caíram. Lisboa teve a pior sessão desde o resgate do BES. E desilusão porque o BCE, aparentemente, não discutiu sequer o QE que no fundo é a criação de moeda sem quaisquer contrapartidas -- algo que repugna os alemães do Bundesbank, por exemplo. Outros, lamentaram a falta de concretização das medidas. Numa nota enviada às redações, Azad Zagana, economista para a Europa da gestora Schroders, observou que "os investidores esperavam que o BCE aumentasse os planos de estímulo". Afinal, não. "Apenas confirmou medidas previamente anunciadas".
As razões de Draghi mais um bilião de euros
"O programa tem de ser implementado em países com ratings mais baixos". Só assim o BCE conseguirá o nível pretendido de compras de ativos. Disse também que "não vamos comprar ativos estruturados, mas vamos aceitá-los como colateral". E prometeu que, assim, o "programa fica orientado para impulsionar o crédito às pequenas e médias empresas" e que "o universo potencial dos ativos que podem ser comprados é de um bilião de euros". Mas não quer dizer que atinja esse valor, ressalvou. Draghi continua a constatar que "ainda não vimos o impacto das medidas [não convencionais] que anunciamos na economia real". É uma coisa que "leva tempo". O impacto de que fala é novo crédito, novo investimento, criação de empregos. Mas para que tal se concretize, os países, os governos, as empresas, têm de fazer a sua parte: "agora é implementar as reformas estruturais". As perspetivas de inflação são mais anémicas, diz o mais recente inquérito encomendado pelo BCE. A recuperação dos preços para níveis mais afastados da inflação quase 0% e mais próximos da meta do BCE (próxima e abaixo de 2%) deve acontecer mais tarde, lá para "2015, 2016". Enquanto isso, lamentou, a retoma mantém-se "fraca, frágil e desequilibrada". E os riscos são agora "mais negativos". O programa de compra de ativos aos bancos, ontem anunciado, foi decidido de forma "unânime" pelos governadores que estão atualmente na cúpula do BCE. Não há estimativas oficiais para a potência da nova bazuca, mas a Reuters estava a avançar 200 mil milhões de euros.
E a torneira que abriu em setembro
Esta medida de ontem vem somar-se aos já anunciados (e já arrancaram) empréstimos de longo prazo direcionados (TLTRO na sigla em inglês). Esta linha também ela especial, feita para baixar o custo do dinheiro e libertar os balanços dos bancos, teve uma adesão abaixo do esperado quando foi aberta, no início do mês passado. O BCE injetou apenas 82,6 mil milhões de euros no mercado distribuindo por 255 entidades financeiras. Estes TLTRO são de certo modo complementares ao ABS uma vez que excluem ativos imobiliários, por exemplo. Haverá mais uma ronda em dezembro e depois disso mais seis até meados de 2016. Também aqui, os bancos têm de devolver o dinheiro e provar ao BCE que estão a emprestar às empresas, sob pena de serem excluídos do programa"