quinta-feira, março 07, 2013

Passos e o saláro mínimo: clarificando

Vamos por partes. Uma coisa é alguma razoabilidade, em termos teóricos - basta ler os manuais de economia - de alguams propostas, ideias ou medidas, quando enquadradas em determinados cenários micro ou macroeconómicos, outra coisa é a realidade e os constrangimentos que situações de crise agravada, mesmo de depressão e recessãom colocam aos países,às sociedades e aos governos.
Em termos teóricos, e numa economia estabilizada, mesmo que constrangida por crises cíclicas, mas que se estendem pouco no tempo, poderia Passos Coelho dizer que o aumento do salário mínimo nacional poderia gerar mais desemprego, essencialmente porque as empresas deixariam de contratar mão-de-obra. O aumento do SMN não gera emprego, isso é evidente. Mas propicia aos trabalhadores beneficiários - em Portugal calcula-se que cerca de 1 milhão de trabalhadores auferem o SMN! - mais ganhos que poodem gerar mais rendimento disponível que na maioria das situações será despejado na economia por via do consumo. Como não estamos a falar nem de grandes salários nem de grandes aumentos, não creio que possa haver qualquer ameaça em termos inflaccionistas. Estamos entendidos.
O problema de Coelho é a forma como diz as coisas, a frieza desumana como aborda uma questão importante - como é o caso do SMN - num pais que nunca teve tantos pobres, tantos desempregados, tantos excluídos - numa sociedade portuguesa em depressão e marcada por uma acentuada recessão, e que sofre ainda de ameaças várias, muitas delas, aliás, a maioria delas, com origem em medidas que o governo de coligação pretende tomar, alegadamente para aliviar a despesa pública.
Não me pode dizer com a hipocrisia doentia que constatamos, só para tentar "entalar" o PS e desvalorizar a proposta de aumento do SNM feita pelos socialistas, que à falta de melhor argumentação se visse com a afirmação socialmente criminosa de que a exemplo da Irlanda (que tem um dos SMN mais elevados da Europa...) a solução na adequada seria não aumentar mas reduzir o SNM em Portugal, para que através disso a economia criasse mais empregos. Mais empregos só por causa disso? E as condições das empresas? E a mentalidade empresarial vigente, altamente conservadora? E a constatação de que muitos empresários optam por não arriscar porque ninguém sabe ainda como vamos sair (e se vamos sair) do buraco em que nos encontramos.
Suspeito que este governo ultra neoliberal, que continua a ter em muitos aspectos uma visão da sociedade que roça o mais desprezível radicalismo social e económico - antes pobres mas honrados, que endividados, como no salazarismo... - se inspirou, nesta história do SMN "versus" desemprego nãio só nos manuais teóricos de economia mas também num "Estudo sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida em Portugal", de Novembro de 2011 - provavelmente muitos desconhecem a sua existência - elaborado para o Ministério da Economia pelas Universidades do Minho e do Porto, segundo o qual "um aumento do salário mínimo nacionalpara 500 euros pode resultar numa diminuição do emprego entre 0,01 e 0,34 por cento". Os autores desse estudo adiantavam que um cenário de subida salarial "afectaria a sobrevivência das empresas, mas seria ainda mais visível a nível da criação e destruição de emprego em empresas já existentes, sobretudo em sectores de atividade como o têxtil, vestuário e calçado, agricultura e silvicultura, mobiliário, restaurantes e hotéis". E concluiam: "Os trabalhadores atingidos pelos aumentos do SMN nos últimos anos viram significativamente aumentada a sua probabilidade de transição para o desemprego ou para a inactividade"!O problema, já o disse, não se coloca em termos teóricos. A questão tem a ver com a forma desabrida como o tema foi abordado na Assembleia, quando o próprio líder do governo de coligação reconheceu que a solução desejável seria essa, mas que não o faria porque Portugal não é a Irlanda. Ora se não pretende - será mesmo que não?! - alterar o SNM, e acredito que perceba que não tem condições para isso, nem se atreveria, então porque motivo Coelho introduziu esse item no debate político da forma que o fez? Para que ficasse à vista de todos a sua falta de sensibilidade social, quiçá mesmo uma veia justicialista, de ajuste de contas com o passado, que parece caracterizar a sua ação governativa? (LFM)