quarta-feira, março 06, 2013

Opinião: "O governo perdeu o país"

"Cavaco está calado porque já disse o que podia dizer. O passo seguinte para ele é pôr os pontos nos ii. Cada dia que passa surge mais um indicador de que o governo perdeu o país. Os portugueses deixaram de confiar na política seguida, por falta de resultados positivos.
A população confronta-se sistematicamente com uma realidade negativa que era previsível por quem estivesse minimamente informado.
Basta ver a questão do novo pedido de alargamento do prazo de cumprimento do programa do défice (que já vai em dois anos) para verificar que só mesmo o governo é que não quis ver essa necessidade. Quanto aos prazos dos empréstimos, já foi dado sinal ontem de que são para prolongar, no quadro da boa lógica de que melhor será receber mais tarde e com juros do que ficar a ver navios. Seja como for, o Ecofin, que reúne os ministros das Finanças da União, nem sequer deu garantias. Remeteu a decisão para o grupo de funcionários que tutelam Portugal e o seu quase milénio de história.
Lamentavelmente, há governantes que pensam ter de manter o rumo contra ventos e marés, por demonstrada que esteja a sua falta de razão. Pode ter havido historicamente circunstâncias em que isso se justificou, mas não é o caso português, nem com o Estado Novo.
A actual coligação optou por uma estratégia que começou por aumentar receitas de impostos de forma brutal, em vez de cortar despesa. Gerou uma recessão tremenda, aumentos de custos sociais e entrou num impasse.
Inicialmente, o executivo até contou com o apoio do país, mas as falhas sucessivas nas previsões, o agravamento das condições de vida, a derrapagem das contas públicas, os erros grosseiros de política e os exemplos comportamentais negativos de governantes minaram esse crédito, talvez irremediavelmente.
Depois da manifestação de 2 de Março vive-se agora uma sucessão de greves e surgiu uma sondagem da Universidade Católica que espelha bem as razões do afastamento povo/governo.
Contrariando frontalmente o executivo, os portugueses consideram que os cortes devem ser nas PPP (hiperdefendidas por contratos dolosos), nos juros da dívida e na defesa (o que revela desconhecimento do papel essencial das Forças Armadas, que são vítimas e não agentes de políticas erradas, como a compra de submarinos e carros de combate Leopard) e não nas prestações sociais, na idade da reforma ou na segurança policial.
A única maneira de reconstruir a confiança mútua teria de passar por uma alteração de política sancionada pela troika, uma vez que o governo caiu na esparrela de ser mero executante não autónomo de um programa.
Os sinais, no entanto, não são de optimismo para o desemprego, a procura interna e o aquecimento da economia. As medidas recessivas vão manter-se e é inevitável que a clivagem em relação ao governo se agrave, aumentando o grau de contestação e criando bloqueios que vai ser preciso dirimir.
É nesse quadro que se pode entender o silêncio do Presidente da República. E porquê? Porque não há nada para dizer hoje que ele não tenha dito já. O seu passo seguinte é avaliar os efeitos das medidas políticas, mas faltam elementos condicionantes, como a decisão do Tribunal Constitucional, a análise das contas públicas, a avaliação da troika e a própria reacção da sociedade para fundamentar uma intervenção activa ou meramente pedagógica" (texto de Eduardo Oliveira Silva, Jornal I, com a devida vénia)