"Nos últimos 20 anos, a Suécia tem empreendido uma enorme reforma do Estado, sendo hoje um país mais aberto aos mercados do que Portugal. Mas a Suécia do início dos anos 1990 ainda é exemplo do que seria uma sociedade com uma fortíssima rede social e impostos acima de 90% para alguns. Qual era o país com distribuição de riqueza mais desigual em 1992, a Suécia ou os EUA? De acordo com os dados, era a Suécia.
No sentido oposto, a distribuição do rendimento era muito mais desigual nos EUA do que na Suécia. Mas riqueza e rendimento não são a mesma coisa. A minha riqueza hoje é determinada pelo que eu poupei dos meus rendimentos no passado e por aquilo que eu herdei. Por exemplo, imagine uma sociedade em que as mulheres herdaram uma fortuna que põem debaixo do colchão e usam para viver, enquanto os homens trabalham mas não poupam um cêntimo. Então, as mulheres têm muita riqueza mas zero rendimentos e os homens o reverso.
Embora riqueza e rendimento sejam diferentes, muitos de nós pensam que quem ganha muito consegue pôr bastante de lado, acumulando riqueza, enquanto quem ganha pouco gasta esse pouco para sobreviver e não enriquece. Logo, seria de esperar que a desigualdade nos rendimentos produzisse semelhante desigualdade na riqueza. Porque é que isto não era verdade?
A Suécia tinha um sistema social muito generoso financiado por um sistema fiscal bastante progressivo. Este sistema contribuía para uma distribuição de rendimento muito igual porque quem ganhava mais via o seu rendimento fortemente taxado, enquanto quem ganhava pouco recebia muito em apoios do Estado. Mas, ao mesmo tempo, este sistema também implicava que os incentivos à poupança eram reduzidos.
As pessoas poupam por três razões. Primeiro, para acudir a emergências, como os problemas de saúde ou a perda do emprego. Mas, na Suécia, em ambos os casos, o Estado apoiava doentes e desempregados, pelo que o choque financeiro era reduzido. Logo, o incentivo a poupar também. Segundo, as pessoas poupam para consumir na reforma. Mas na Suécia o sistema de pensões público era tão generoso que não fazia muito sentido poupar ainda mais voluntariamente. Terceiro, as pessoas poupam para deixar aos filhos e netos. Mas se os impostos sucessórios são altos, não fica nada da herança. Para além disso, se o Estado subsidia fortemente a educação e a compra da primeira casa, as duas principais razões para deixar uma herança desaparecem também.
Por isso, a maioria dos suecos no início dos anos 90 poupava perto de zero. As poupanças do país estavam concentradas em poucas famílias que tinham acesso a boas oportunidades de investimento ou que eram simplesmente mais frugais do que os outros. Daí resultou uma distribuição de riqueza muito desigual.
A maioria de nós deseja que se combata a desigualdade. Mas escolher as políticas a adotar exige que sejamos mais específicos. O que nos incomoda mais: a desigualdade nos rendimentos ou na riqueza?" (texto de Ricardo Reis, Professor de Economia na Universidade de Columbia, Nova Iorque, Dinheiro Vivo, com a devida vénia)