terça-feira, março 05, 2013

Opinião: “O bom aluno e o tótó”

"Já se percebeu que tudo o que vamos obter da ‘troika’ é mais um ano, quer para chegar ao défice de 2,5%, quer para aplicar as medidas de redução estrutural da despesa do Estado, os famosos 4.000 milhões de euros. Logo, vamos continuar em recessão por mais dois anos, pelo menos, e o desemprego oficial vai ultrapassar os 20% dentro dos próximos 12 meses. Isto é inaceitável e corresponde a mais uma evidência que o plano de ajustamento está a falhar.
O Governo esforça-se por nos convencer que estes resultados mostram que estamos a alterar a estrutura da nossa economia no bom sentido, só que a um ritmo inesperadamente rápido. A contração da procura interna e a falência das empresas não competitivas está a ocorrer mais depressa do que o "modelo" antecipou. Só que a verdadeira causa do falhanço não reside tanto na rapidez da falência das velhas empresas, mas mais na lentidão no aparecimento das novas.
O "modelo" pressupôs que, perante o desemprego e a alternativa de emigrar, os portugueses dariam largas ao seu espírito empreendedor. Porque é que isso não está a acontecer? Não é certamente por falta de ideias: na minha atividade, cruzo-me todos os dias com jovens (e não tão jovens) com boas ideias e com um entusiasmo para lançarem novos projetos apesar da neura coletiva. O que lhes falta é, sobretudo, dinheiro.
O crédito bancário, mesmo que fosse abundante e barato, não seria o financiamento adequado para novos projetos de raiz. Precisamos de capital de risco. Sendo claro que ele não virá do descapitalizado e desmoralizado setor privado, eis uma boa oportunidade para o Estado fazer de motor de arranque da nova economia. Há apenas um problema: os apoios diretos do Estado às empresas são proibidos pela UE.
Isto não faz sentido nenhum. Para resolver a crise das finanças e evitar o descalabro no setor financeiro negociou-se um memorandum com uma série de medidas excecionais e o compromisso de dinheiros públicos europeus. Para resolver a crise económica não se pode nem falar de um idêntico regime de exceção e o compromisso de dinheiros públicos nacionais? Esta é a verdadeira negociação que Portugal deveria fazer: um regime de exceção transitório para permitir a injeção de capital de risco público em novas empresas, sobretudo de alto conteúdo tecnológico e vocação exportadora.
Mesmo outras medidas mais sensíveis, como incentivos à captação de IDE e subsídios diretos a determinadas atividades exportadoras, não podem continuar a ser tabu. Situações de emergência económica e social justificam a suspensão das regras da ortodoxia do comércio livre. Sempre foi assim ao longo da história.
Está na hora de Portugal deixar de ser apenas o bom aluno. As regras que aceitámos e temos cumprido à risca estão a resultar, para milhões de portugueses, num sofrimento sem fim à vista. Mais do mesmo, resultará em mais do mesmo. É tempo de pensar pela nossa cabeça, por muito que isso desagrade aos nossos mestres. Aplicar-nos-ão multas? Pagaremos as mesmas que a Alemanha e França pagaram quando, por interesse próprio, quebraram o teto de 3% nos seus défices orçamentais.
Um miúdo que cumpra os seus deveres na escola e obtenha bons resultados pode ser um bom aluno. Outro que seja igualmente aplicado e cumpridor dos desejos dos seus mestres mas continue a não passar de ano é apenas um tótó que não sairá da cepa torta” (texto de João Cotrim de Figueiredo, Económico, com a devida vénia)