quinta-feira, março 07, 2013

Opinião: “Mal-estar na democracia”

“Temos assistido em Portugal a inusitadas formas de participação política mais ou menos informal: é o caso de manifestações como a do 2M, não enquadradas em termos partidários; das “grandoladas”; dos pedidos de facturas em nome do primeiro-ministro, etc.
Estes fenómenos reflectem um mal-estar democrático que muito do comentário político insiste em não compreender. Vários comentadores verberam estes protestos, enfatizando os perigos de populismo, ou chamando aos seus intervenientes "fascistas" e outras coisas do género. A que se deve esta reacção? Ao facto de, em Portugal, os comentadores a quem os órgãos de comunicação dão maior destaque serem membros do ‘establishment' (titulares de cargos políticos, ex-titulares ou aspirantes a eles). A sua reacção é, por isso, mais defensiva do que reflexiva.
No entanto, para quem tem uma visão mais distanciada, os indignados portugueses têm certamente razão em protestar. A grande maioria deles protesta não contra a democracia representativa, mas porque esta não está a funcionar. A disfunção específica da democracia portuguesa, para além de outros problemas comuns às democracias actuais, tem algumas similitudes com outros países do sul da Europa e é uma consequência directa do processo de europeização.
Por um lado, este processo, como foi claro no caso português desde a adesão às Comunidades e, especialmente, logo a seguir à entrada no euro, permitiu que a democracia se legitimasse pelos resultados produzidos. Ou seja, a Europa foi uma forma de criar bem-estar e, assim também, legitimar o regime que promoveu a europeização. Mas esse processo acabou. Neste momento a Europa está associada à austeridade e ao empobrecimento.
Por outro lado, o reforço dos mecanismos da construção europeia retirou aos cidadãos a possibilidade de escolher e influenciar decisivamente a política nacional, especialmente nos países do euro. A margem de manobra das políticas nacionais ficou extremamente reduzida. No caso português isso foi ainda mais grave na medida em que o actual Governo, para ser mais troikista do que a ‘troika', prescindiu da sua pequena margem de liberdade (o que, sabemos agora, foi desastroso). Neste contexto, a descrença nos mecanismos democráticos nacionais é inevitável.
O problema é que uma democracia sem resultados e sem povo não pode durar nem permite reformar a sociedade com consequência. O maior desafio que temos pela frente não é pois financeiro e nem mesmo económico. Consiste antes em restaurar a capacidade de representação e regulação da sociedade por intermédio da política democrática. A questão que me parece hoje em dia mais relevante para o nosso país está em determinar se isso pode ser feito dentro do euro ou apenas fora dele” (texto de João Cardoso Rosas , Professor Universitário, Económico com a devida vénia)