"O parlamento regional discute hoje a moção de confiança apresentada pelo Governo Regional, na sequência das movimentações da oposição quando uma notícia da RTP nacional – estranha e tardiamente desmentida no fim-de-semana pela Procuradoria-Geral da República – foi difundida como adquirida sem que partidos, políticos e mais algumas personagens e entidades, com acrescidas responsabilidades deontológicas na sociedade, tivessem tido a mínima preocupação elementar de a confirmar junto de fontes legítimas para o fazer. Lembro que fazendo fé apenas numa sucessão de notícias de jornais e de televisões, provavelmente José Sócrates há muito que estaria encarcerado a cumprir pena de prisão. A verdade é que nunca foi acusado e por isso mesmo nunca foi julgado e condenado apesar de lhe terem sido imputadas acusações e/ou suspeitas que a justiça nunca confirmou num acusação. Quando se fala em justiça não há, não pode haver, uma “justiça” que funciona a gosto de freguês, determinada em função de perspetivas partidárias ou convicções ideológicas. A justiça não se pode confundir com a “justiça” dos homens, regra geral alicerçada no sectarismo e na manipulação. Pura e simplesmente, ou há justiça, ou não há. Sentimentalismos, gostos e manipulações político-partidárias não cabem neste contexto.
A verdade é que, tal como era expectável, sucedeu-se uma imediata e habitual disputa entre os partidos da oposição regional, nomeadamente entre PS e CDS – que continuam empenhadamente assanhados a disputar o lugar de maior partido da oposição local (algo que se que vai manter por muito mais tempo).
Apesar de ter sido apresentada num contexto político marcado pala notícia da RTP, entretanto desmentida pela Procuradoria-Geral da República, de alegadas acusações eminentes por parte do DCIAP e do Ministério Público a membros do governo regional, o texto da moção de confiança governamental, não faz uma única referência direta ao assunto, tentando passar ao lado da razão principal da sua apresentação.
Politicamente, é certo que o governo regional tem ao seu dispor a prerrogativa regimental e estatutária de apresentar ao parlamento, quando o entender, moções de confiança que previsivelmente – em grande medida devido à bipolarização política local e à realidade regional depois do programa financeiro e dos condicionalismos decorrentes do ajustamento a que também estamos obrigados – serão sempre aprovadas dada a maioria parlamentar que o PSD dispõe. Salvaguardando que nem todos os partidos da oposição anunciaram previamente o seu sentido de voto, é de prever que a oposição vote toda contra, salvo se surgir a “nuance” – o que depende da forma como o debate se desenvolver - de que esta moção seja indevidamente associada ao processo do DCIAP, o que pode levar alguns partidos a se distanciarem de uma tomada de oposição política, optando pela abstenção.
Mas se, ao invés, o debate ignorar essa questão de fundo, ainda em segredo de justiça, em investigação, sem arguidos e sem acusação, e se centrar numa disputa iminentemente política sobre a realidade política, social e económica regional, sobre o futuro da autonomia, as perspetivas da revisão constitucional, sobre o impacto da situação política nacional na Madeira, por causa do seu potencial agravamento, aí teremos a maioria social-democrata para um lado e a oposição toda noutro.
Num contexto político coincidente, devem ser encaradas as moções de censura do PS e do PTP – o CDS que foi o primeiro a anunciar essa intenção, rapidamente travou alegando que a notícia avançada pela RTP não tinha sido confirmada pelas entidades judiciais competentes, pelo que preferia esperar antes de tomar qualquer atitude – porque claramente associadas à polémica em torno da tal notícia da RTP. E não há volta a dar. Aliás, só assim se percebem duas moções de censura quase simultâneas – com o PTP a ganhar a corrida sobre a linha apresentando o documento mais cedo que os socialistas – e a serem discutidas pelo parlamento com um dia de diferença entre elas! O que nos remete para duas questões concretas:
- quando um parlamento aprova uma moção de confiança, o que é que podem as pessoas esperar que aconteça no dia seguinte? Que os mesmos deputados votem também a favor da censura?! Qual é a lógica de tudo isto? Por acaso acham normal que um deputado mude de opinião e sentido de voto de um dia para outro?! Quando a oposição debate uma moção de confiança nos termos em que o vai fazer e contra ela vota, não está implicitamente a subscrever uma censura ao Governo Regional?! Pelos vistos não, porque um dia depois da confiança discutida e votada (e certamente aprovada) a Assembleia regional discute e vota uma moção de censura, repetindo o mesmo ritual dois dias depois. Será que é isto que dignifica o trabalho parlamentar, sem com isto pretender colocar em causa o direito regimental dos grupos parlamentares? Lembro, por outro lado, que o PS em Maio de 2012 apresentou uma moção de censura, retirando-a por entender que o Presidente do Governo devia estar presente no debate. Alberto João Jardim já disse que não marcará presença nas duas moções de censura da oposição, quarta e quinta-feira. Vai o PS em coerência, e depois do desmentido da procuradora geral da República, voltar a fazer o mesmo?
- a segunda questão tem a ver com os debates propriamente ditos e com um potencial risco de centralização, por parte da oposição, em torno das especulações geradas pela tal notícia da RTP nacional tardiamente desmentida pela entidade judicial competente. Se por hipótese – penso que seria complexo se assim fosse – o debate se centralizar prioritariamente em questões judiciais, repito, corre-se ou não o risco, em última instância, de estarmos perante o que pode ser entendida como uma intolerável pressão sobre a justiça, o que não deixará de ser altamente incómodo? Só faltam que ditem o teor da acusação e comecem já a elaborar a sentença do julgamento… Ou será que só existe pressão sobre a justiça quando alguém diz o que o Tribunal Constitucional devia ou não fazer na sua tarefa ingrata de emitir em tempo útil um acórdão sobre os inúmeros pedidos de verificação da constitucionalidade de normas constantes do orçamento de Estado de 2013? Será que os conceitos de “pressão sobre os tribunais” e de “condicionamento da justiça” funcionam em função de interesses, interpretações e/ou lógicas partidárias?
Para já, de concreto, o que é óbvio é que as moções dos partidos da oposição assentam os seus fundamentos e o seu conteúdo estratégico político, num processo em segredo de justiça
P.S. Porque é que considero que o esclarecimento da PGR surgiu tardiamente neste caso da Madeira? No dia 20 de Fevereiro, um jornal referiu o alegado envolvimento de Passos Coelho no âmbito dos processos relativos à empresa “Tecnoforma”. A Procuradoria-Geral da República a 22 de Fevereiro (2 dias depois) confirmou que existem dois inquéritos em segredo de justiça (Coimbra e DCIAP) e que os mesmos não correm, até à data, contra pessoa determinada. No caso da notícia da RTP sobre a Madeira, ela foi difundida em 22 de Fevereiro, mas só a 8 de Março (15 dias depois!) surgiu uma informação da PGR esclarecendo que, “face a notícias publicadas na comunicação social nas últimas semanas, respeitantes às contas da Madeira”, confirma ter sido instaurado em Setembro de 2011 um inquérito para apuramento de eventuais responsabilidades criminais mas que “não corre, até à data, contra pessoa determinada, não existindo, assim, qualquer arguido constituído”. Mais informava a PGR que o inquérito se encontra sujeito a segredo de justiça”. Cada um que tire as suas conclusões quanto à celeridade no esclarecimento de um caso e à demora noutro" (LFM/JM)