quinta-feira, março 07, 2013

Opinião – “Crónica: Um primeiro-ministro depressivo contra a troika”

“Winston Churchill era claramente depressivo, quase suicida, atenuando o seu “cão negro”, como ele lhe chamava, com anfetaminas e doses maciças de álcool: uísque ao pequeno-almoço, champanhe ao almoço, mais uísque ao fim da tarde e um misto interessante de outras bebidas à noite. Abraham Lincoln era um deprimido crónico. Estes fizeram guerras que hoje consideramos justas. Mahatma Ghandi era outro depressivo, assim como Martin Luther King, e esses fizeram a paz. Eram doentes, assim como Franklin Roosevelt ou John F. Kennedy eram hipertímicos. Hoje estamos condenados a ser geridos por gente que é sã.
O marketing oficial vende Pedro Passos Coelho como um homem normal, que vive em Massamá, com uma família normal, que vai a um supermercado normal e que se está nas tintas para as sofisticações da vida normal moderna dos políticos de hoje. Em privado, amigos e inimigos descrevem-no como um ser de uma frieza racional assustadora, sem ponta de empatia, daquelas pessoas que perante o maior dos stresses não move um músculo da cara – o que, em si, digamos que não é assim tão normal, mas encaixa nesta narrativa. O retrato pode ser exagerado. Talvez Passos Coelho não seja tão normal e mediano quanto o marketing o vende, nenhum de nós é assim tão normal e mediano – somos todos um pouco mais assim ou um pouco mais assado –, e talvez não seja assim tão frio e desprovido de emoções como o descrevem. No entanto, ainda nunca nenhum dos seus amigos, confidentes ou colaboradores me descreveu Passos Coelho como uma figura angustiada e muito menos depressiva. A ausência de doença mental em Passos Coelho pode ser um problema na situação de crise que atravessamos. A troika teria mais problemas em lidar com um primeiro-ministro maníaco como José Sócrates ou com um chefe de Governo seriamente deprimido, do que com um português “normal” que vive em Massamá.
Esta tese controversa é defendida por Nassir Ghaemi, um psiquiatra norte-americano, que escreveu o livro 'A Mente Louca dos Grandes Líderes Mundiais' (Matéria-Prima Edições). Em resumo, o autor defende no seu livro que os líderes com doenças mentais diagnosticadas são mais adequados a momentos de crise:“Os melhores líderes em situação de crise são mentalmente doentes ou mentalmente anormais; os piores líderes em situação de crise são mentalmente sãos.”
Experimentem perguntar a alguém de direita quem é a figura política que mais admira e uma percentagem elevada de respostas será: Churchill. O seu amigo lord Beaverbrook descrevia-o como alternando entre “o topo da roda da confiança ou o fundo de uma intensa depressão”. Segundo o livro, o psiquiatra Anthony Storr descrevia assim o ex-primeiro-ministro britânico que enfrentou e venceu a Alemanha de Hitler: “Em 1940, quando todas as hipóteses pareciam estar contra a Grã-Bretanha, um líder com julgamento sóbrio teria concluído que estávamos acabados. [Churchill que] durante toda a vida travara uma batalha com o seu próprio desespero conseguia, por isso, assegurar aos outros que o desespero pode ser vencido.”
Nassir Ghaemi chama-lhe “realismo depressivo”. Talvez seja este realismo depressivo que falte a Passos Coelho para criar empatia com os portugueses, não para que os portugueses se resignem à troika, mas para que se sintam mobilizados para vencer as dificuldades. Como diz Ghaemi, em tempos de crise grave não funcionam líderes vulgares ou normais por não funcionar quem for “insensível ao sofrimento por não ter sofrido muito”. “Os melhores líderes em situação de crise vivem na tristeza quando a sociedade está feliz, e procuram ajuda de amigos e familiares e médicos. (...) No entanto, quando surge uma calamidade, se estão em posição de agir, erguem o resto da população; conseguem incutir a coragem temporariamente perdida, um vigor tranquilizador. A sua fraqueza é, de facto, o segredo da sua força.” Pelo contrário, Ghaemi considera que Tony Blair ou George W. Bush são indivíduos normais do ponto de vista psiquiátrico, sem qualquer vestígio de doença mental e aponta essa razão para os erros que terão cometido no Iraque e na gestão da crise após os atentados às Torres Gémeas. Aceita, contudo, que a loucura de Adolf Hitler potenciada por uma medicação errada ajudou a acentuar os crimes nazis durante a II Guerra Mundial. Tendo em conta estes estudos polémicos, pode não ser assim tão certo que a normalidade dos políticos os aproxime do cidadãos comuns. Às vezes falta-lhes uma certa dose de loucura. No caso em concreto, um primeiro-ministro um pouco depressivo e angustiado estaria mais próximo do sofrimento das pessoas. Não bastaria dizer que compreende o sofrimento dos outros, como faz Passos, impassível, isso dá vontade de o mandar passear. Era preciso mostrar que sentia o sofrimento dos outros, mesmo que estivesse a fazer politicamente o que fosse preciso. “A depressão revela a verdade da empatia e a empatia, por sua vez, engendra capacidades inesperadas de liderança”, conclui Ghaemi. Um estudo psicológico das nossas lideranças políticas era capaz de nos dizer muito sobre as razões do nosso destino" (texto do jornalista Vitor Matos, Visão, com a devida vénia)