quinta-feira, março 07, 2013

Guilherme Silva: 'Cuidado, não podemos cortar o Estado social'

"O vice-presidente da Assembleia da República, Guilherme Silva, reconhece que não é fácil mobilizar o povo e espera que a troika perceba o sinal das manifestações. Para o Governo, segue um recado: cuidado com os cortes.
- Olhando para a Grécia e Itália, os partidos que aplicaram os programas de ajustamento foram gravemente penalizados. O que é que isso nos ensina?
O povo é altamente impressionado pelo que sente na pele e por máquinas mediáticas que fazem das nossas sociedades mediocracias. Mas a solução não pode ser ir às cegas de encontro a um sinal popular de não a mais austeridade. Não se pode ir atrás do que é mais fácil e do que agrada mais ao povo – tem que ser em função de uma avaliação concreta daquilo que é necessário para o país, mesmo que tenha esse preço de perder as eleições.
- O CDS alerta que mesmo assim é importante mobilizar a população.
Se me pergunta se há uma grande falha da máquina governativa na informação e esclarecimento popular, há. Mas também não é fácil mobilizar o povo quando se diminuem subsídios e apoios e se aumentam impostos. Mas há uma constante: as sondagens dizem que as pessoas reprovam as medidas de austeridade, mas quando se pergunta se querem eleições, mais de 60% diz que não. A maioria diz que o PS não é alternativa e diz não a rasgar o memorando com a troika. Isto significa que o povo tem o discernimento de dizer que não gosta de aumento de impostos e medidas de austeridade mas que, no fundo, percebe que eles são necessários. E que quer estabilidade.
- Mas o mesmo povo promete uma manifestação grande para sábado contra a troika, à semelhança da de Setembro.
Não sei se vai ser igual, maior ou mais pequena, mas é importante que existam essas manifestações, porque é bom que o povo tenha formas de expressar o seu sentir e o seu estado de alma e que o faça de forma civicamente exemplar, como tem feito. Isso revela que não temos uma sociedade amorfa e que os portugueses sabem usar o direito de manifestação com respeito pelas instituições.
- As ‘grandoladas’ aos ministros também foram exemplares?
O ‘Grândola’ é tão bonito que por muitas vezes que a oiçamos é sempre agradável. Se cantarem durante quatro ou cinco minutos e depois deixarem prosseguir os eventos, não vejo mal. Questão diferente são os insultos.
- A manifestação de amanhã pode servir para pressionar a troika a flexibilizar as condições do plano de ajustamento português?
Nenhum Governo ou instância que tenha envolvimento na decisão do caso português pode ou deve ser indiferente às manifestações populares. O Governo naturalmente também tem que tirar lições, procurando cada vez mais – o que paradoxalmente até é criticado pela oposição – mudar de posição e começar a associar medidas de estímulo e crescimento às de austeridade.
- Portugal tem que ser mais reivindicativo?
O Governo tem sabido cumprir e só isso lhe dá credibilidade para ganhar um espaço de flexibilização das condições e de um quadro temporal. Mas a nossa dívida pública é muito elevada, ao contrário de outros países. O empréstimo da troika é uma pequena parte da dívida global portuguesa. Precisamos ganhar credibilidade nos mercados financeiros para obter empréstimos em condições mais favoráveis para responder ao problema da dívida.
- Ferro Rodrigues diz ser inevitável o perdão da dívida.
Cada coisa no seu tempo. Como agora se comprova, era errado falar há algum tempo atrás na necessidade de mais tempo e de flexibilização de condições do empréstimo. Teria sido um sinal terrível e teria tido um efeito contrário. Portanto, não acho que seja bom falar-se no perdão de dívida. Mas não respondo que essa hipótese, em absoluto, não deva ser ponderada. Ela poderá partir dos próprios credores se eventualmente perceberem que há um quadro nacional e internacional que o exigem e que Portugal fez o bastante para justificar essa actuação. Se fosse o Governo a colocar isso em cima da mesa seria desastroso, designadamente pela reacção dos mercados.
-O líder do CDS vai dar a cara pelo corte dos 4 mil milhões de euros. Desta vez, o CDS vai assumir o ónus?
Isso revela bom-senso e uma iniciativa avisada por parte do PM, mas também vontade de partilha de responsabilidades por parte do dr. Paulo Portas. Esse é o caminho certo em que a coligação se deve colocar. O CDS percebeu que perderia mais, passando para a opinião pública uma ideia de fugir às responsabilidades do que de as assumir.
- Concorda com corte de 4 mil milhões nas áreas sociais?
O Estado deve, nas áreas sociais, ganhar mais eficiência com menor custo. Agora, cuidado com a ideia que isso vai significar menos Estado social! Não deve ser assim.
- O Estado não arrisca a desproteger os mais carenciados, que vão aumentando?
Não deve ser assim. Na área social não é aceitável prestar menos serviços para poupar dinheiro. As conquistas dos direitos sociais não podem ser postas em causa. Deve-se colocar outra componente em cima da mesa: quem tem meios, tem que pagar com alguma proporcionalidade, para que quem não tenha rendimentos possa ter educação e saúde gratuitas.
- E concorda com o aumento da idade de reforma, sugerido por Eduardo Catroga esta semana?
Está a acontecer em todo o lado. Mas este problema no actual contexto tem verso e reverso. As pessoas mantêm por mais tempo a capacidade de prestar trabalho, o que liberta a sociedade de pagar as reformas mais cedo, mas isto implica um tapar de lugares para a juventude. Esse é o flagelo maior das nossa sociedade e deve ser prioridade para quem nos governa" (entrevista conduzida pela jornalista do Sol, Helena Pereira, com a devida vénia)