Na semana passada, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de
Caracas em protesto contra a tentativa de tomada do poder legislativo pelo
Supremo Tribunal da Venezuela, agora controlado pelo Governo. Os protestos
extravasaram da capital, repetindo-se por todo o país, espelhando o
descontentamento de uma maioria de cidadãos com as condições de vida num país
que melhor se descreve como vivendo uma crise humanitária. Esta não pode ser
separada da brutal repressão que o Governo venezuelano vem a exercer sobre a
sua população, sustenta Tamara Taraciuk Broner, a autora do relatório
“Crackdown on Dissent: Brutality, Torture, and Persecution in Venezuela”,
publicado esta quarta-feira pela organização não-governamental de defesa dos
direitos humanos Human Rights Watch (HRW). O texto de 62 páginas documenta 88
casos envolvendo um total de 314 pessoas que testemunharam ter sido vítimas de
sérias violações de direitos humanos ocorridas entre abril e setembro de 2017,
em Caracas e mais 13 estados venezuelanos.
As 120 pessoas entrevistadas, bem como a informação recolhida que
poderia corroborá-la, permitiram concluir que “muitos dos abusos cometidos
pelas forças de segurança eram sistemáticos”. Permitiu também identificar as
altas personalidades do Estado, incluindo o Presidente e os ministros da Defesa
e do Interior — que poderiam ter evitado ou punido os abusos cometidos de que
tiveram conhecimento, disse a relatora da HRW. Os testemunhos
revelam que as forças de segurança espancam brutalmente os presos e
torturam-nos usando “choques elétricos, asfixia, abuso sexual e outras técnicas
brutais”. Usam também força desproporcionada e cometem abusos graves contra as
pessoas que se manifestam nas ruas. Praticam detenções e fazem acusações
arbitrárias aos opositores políticos.
“Os abusos perversos generalizados contra os opositores na Venezuela,
incluindo casos de tortura, e a absoluta impunidade dos agressores sugere
responsabilidade por parte do Governo ao mais alto nível”, diz José Miguel
Vivanco, o diretor da HRW para as Américas. Vivanco afirma não haver “casos
isolados de abusos” nem “excessos cometidos por polícias descontrolados”. O que
se passa na Venezuela “é uma prática sistemática das forças de segurança
venezuelanas”. Apesar de Nicolás Maduro já estar há anos no poder, o grau da
repressão na Venezuela em 2017 alcançou níveis nunca vistos, conclui o
relatório. “Desde abril, as autoridades detiveram mais de 5.400 pessoas”, diz
Alfredo Romero, diretor do Fórum Penal. Alguns dos presos “acabaram por ser
libertados sem terem ido à presença do juíz, mas outros foram sujeitos a
acusações arbitrárias sem acesso às mais básicas garantias”, acrescenta. Os
grupos armados pró-governamentais, os chamados “colectivos”, em conjunto com as
forças de segurança fizeram dezenas de mortos e centenas de feridos. O
relatório conclui que, em muitos casos, dispararam canhões de água, gás
lacrimogénio e balas de borracha a curta distância com o claro objetivo de
provocar ferimentos dolorosos. “Líderes-chave internacionais deveriam enviar
uma mensagem clara: se as autoridades venezuelanas não forem capazes ou não
quiserem responsabilizar as forças de segurança no país pelos abusos cometidos
a comunidade internacional forçará essa responsabilização no estrangeiro”, diz
Vivanco (Expresso)
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