segunda-feira, julho 20, 2015

Professores não têm formação para lidar com a indisciplina nas salas de aula

Professora do 1. º ciclo há 14 anos, Raquel M. deparou-se neste ano com um caso “muito grave” de indisciplina na sala de aula. “O aluno faltava- me ao respeito, desafiava- me, dizia- me que não mandava nele e que não o podia castigar”, conta ao DN. Depois de recorrer à ajuda da psicóloga da escola, a docente continuava a sentir que lhe faltavam ferramentas para l i dar com a situação, o que a levou a inscrever- se numa formação de gestão de conflitos. “Durante a licenciatura não tive nenhuma cadeira que abordasse estas questões. Quando comecei a lecionar nem sentia essa necessidade, mas cada vez sinto mais, porque os professores perderam autoridade”, acrescenta. Há um défice de formação para lidar com a indisciplina em Portugal, de acordo com um estudo que está a ser desenvolvido pela Universidade do Minho e que contou com a colaboração de três mil professores. 60% dos participantes, muitos no ensino há várias décadas, afirmaram nunca ter tido qualquer formação específica para lidar com este problema, que até ao 25 de Abril de 1974 era resolvido através da aplicação de castigos severos com réguas e canas- da- índia. A situação agrava- se quando 85% dos participantes consideram que a indisciplina “aumentou significativamente, ou muito significativamente”, nas salas de aula nos últimos cinco anos. Embora considerem que a indisciplina se generalizou, os docentes não referem um aumento da gravidade da mesma. “Os atos mais graves de indisciplina – agressões verbais e físicas – são residuais”, destaca João Lopes, coordenador do estudo. Mais de metade dos inquiridos falam sobretudo de desatenção e 27% referem intervenções fora de vez. Para os professores do ensino básico, a responsabilidade do aumento da indisciplina é sobretudo dos pais. Seguem- se as políticas educativas, os próprios alunos, os diretores dos agrupamentos e as escolas e, por fim, os professores. Nos níveis escolares seguintes, aumenta a responsabilidade do aluno.
“O problema não é tanto pela gravidade, mas pela quantidade, que provoca o desgaste dos professores e tem repercussões na aprendizagem. Perde- se tempo a repor a ordem e, se o docente está cansado e irritado, o tempo seguinte não terá a mesma qualidade”, explica João Lopes. Muitos dos comportamentos, diz o investigador, estão relacionados com a alienação em relação aos currículos. Por isso, a indisciplina combate- se com a melhoria na aprendizagem dos alunos, mas também com a garantia de que os professores “aprendem competências de gestão de conflitos em sala de aula.” Numa altura em que “as relações entre adultos e crianças se horizontalizaram, levantam- se problemas que precisam de ser geridos.” Para João Lopes, docente do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, a abordagem à gestão dos comportamentos em sala de aula “tem de começar na formação inicial dos professores. Quando vão dar aulas, os docentes têm de saber o que fazer. Se perdem o controlo da turma, nunca mais o conseguem recuperar”. Procura de formação extra Tal como Raquel, Graça Ribeiro, professora primária desde 1988, também nunca teve qualquer formação sobre gestão de conflitos no seu percurso académico. “Mas participei em ações de formação sobre como controlar o stresse em sala de aula e a indisciplina, oferecidas pelo centro de formação intermunicipal”, conta ao DN a coordenadora do Centro Escolar de Salreu, no concelho de Estarreja. Embora não exista essa abordagem específica na base académica, “os professores procuram ações de formação.” Desde o ano 2000 que a professora sente que os comportamentos se agravam dentro da sala de aula e que o problema se intensificou nos últimos anos. “Acho que está muito relacionado com o contexto socioeconómico em que vivemos. Há cada vez menos regras e compensações que não são de carinho”, destaca.
Para resolver os conflitos nas salas de aula, Graça Ribeiro destaca que “os professores tentam conversar, mandam fazer reflexões escritas, castigos diferentes dos que eram usados noutros tempos.” Quando começou a lecionar, a docente recorda que “já não existia o hábito de impor castigos físicos”, embora ainda houvesse quem o fizesse. Atualmente, serão residuais os casos como o da professora da escola Santos Mattos, na Amadora, condenada a seis anos de prisão por maustratos a alunos na terça- feira. Pais não respeitam professores Paulo Guinote, doutor em História da Educação, lembra que “os castigos físicos eram socialmente aceites até ao 25 de Abril de 1974.” E ainda se mantiveram durante alguns anos, mas “nessa altura tornaram- se explicitamente ilegais”. Por outro lado, a “reverência que existia pela imagem do professor” perdeu- se depois dos anos 80 com a massificação do ensino. “A relação com o professor tornou- se mais indiferenciada. A sua figura passa a ser mais comum, até porque começamos a ter professores cada vez mais novos.” Quanto ao respeito, o professor do 2. º ciclo do ensino básico considera que a relação se degradou mais com os encarregados de educação do que com os alunos. “Dirigem- se aos professores com uma falta de respeito que não existia há 20 anos. Há encarregados de educação que já chegam às escolas com uma postura de agressividade”, sublinha (DN de Lisboa)

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