ACÓRDÃO N.º 207/2015
Processo n.º 307/2015
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam,
em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. José António Paula Saraiva e “O Sol é
essencial, SA”, na qualidade de, respetivamente, diretor e proprietária do
jornal semanário “Sol”, recorrem para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na
sua atual versão (doravante LTC), da deliberação da Comissão Nacional de
Eleições (CNE), proferida em 24 de março de 2015.
2. Do requerimento de interposição de
recurso, consta o seguinte remate conclusivo:
«A. O presente recurso é apresentado de uma
alegada deliberação da CNE, cujo teor integral, até à data da propositura do
presente recurso, os Recorrentes desconhecem:
B. Os presentes autos iniciaram-se com base num
documento em papel timbrado da CDU, sem a assinatura do seu autor e legitimação
dos seus poderes de representação, que consignou como um “protesto”, que terá
sido remetido para a CNE de forma e data que os Recorrentes desconhecem;
C. Os Recorrentes receberam por emails que não
são os seus, comunicações que mencionavam que teriam o prazo para exercerem o
contraditório e uma transcrição parcial e truncada de uma alegada deliberação;
D. Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1
e n.º 1 do artigo 112.º do CPA, as comunicações enviadas são nulas;
E. Uma vez que os Recorrentes nunca deram, nos
termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º do CPA, autorização para
que as comunicações da administração com os interessados, se pudessem processar
por correio eletrónico, ou seja, mediante prévio consentimento, por escrito;
F. O teor transcrito da alegada deliberação não
se enquadra na previsão do artigo 89.º do CPA, pois tal medida não foi
solicitada, nem foi tomada mediante decisão que fundamentasse os seus
requisitos, ou seja, de que no caso concreto se verificava justo receio de sem
tal medida, se constituísse uma situação de facto consumado ou que se
produziriam prejuízos de difícil reparação, depois de ponderado se os danos de
tal medida não se mostravam superiores aos que se pretendiam evitar;
G. A alegada deliberação não contém as menções
obrigatórias enumeradas no artigo 151.º do CPA, pois não se encontra assinada
pelo órgão competente autor do ato, não menciona adequadamente os seus
destinatários, não enumera os factos que lhe deram origem, não foi
fundamentada, não contém o sentido da decisão e o seu objeto, não tem data, nem
assinatura, sendo por isso nula;
H. E, tal deliberação violou também o dever de
fundamentação previsto nos artigos 152.º e 153.º do CPA, ainda para mais quando
a decisão em causa visa restringir a liberdade de expressão e de informação,
violando a liberdade editorial e impondo uma sujeição ilegal, que seria o
tratamento jornalístico face às restantes 8 candidaturas, quando não se
procedeu ao tratamento jornalístico de nenhuma;
I. Assim, pela preterição das regras supra
expostas, estamos perante notificações e deliberações nulas, nos termos
das alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA;
J. Se assim se não considerar, estamos perante
uma interpretação inconstitucional das alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 161.º
do CPA, por violação do disposto no artigo 20.º da CRP:
K. Por fim, importa esclarecer que o DL 84-A/75
de 26/2 que regula o tratamento jornalístico que deve ser dado às diversas
candidaturas, não [se] aplica ao caso concreto;
L. Não se tratou de acompanhamento, ou
tratamento jornalísticos, da campanha eleitoral, mas sim de um tratamento
jornalístico, elaborado ao abrigo das liberdades de expressão e de imprensa,
consagrados nos artigos 37.º e 38.º da CRP;
M. Sendo certo que os jornalistas têm liberdade
de expressão e de criação, conforme prevê o artigo 7.º do Estatuto dos
Jornalistas, consagrado na Lei 1/99 de 13/1, alterado pela L 64/2007 de 6/11;
deve entender-se que o disposto no DL 85-D/75 de 26/02 não se encontra em vigor
face à atual CRP, Lei de Imprensa e Estatuto dos Jornalistas e só poderia ter
sido decretado pela Assembleia da República, nos termos do disposto no artigo
161.º da CRP, sendo que a sua 1ª versão foi publicada em 1976;
N. Logo, o DL 85-D/75 é inconstitucional, face
aos artigos 37.º e 38.º da CRP, o que argui para todos os efeitos legais;
O. A deliberação proferida violou, nomeadamente,
o disposto nos:
Artigo 7.º do EJ;
Artigo 5.º da L71/87
Artigos 63.º, 89.º, 112.º, 151.º e 153.º do CPC;
Artigos 20.º, 37.º e 38.º da CRP.
Nestes termos, deve ser considerado procedente
por provado o presente recurso e, em consequência, deve ser declarada NULA a
deliberação proferida pela CNE ou se assim se não considerar, ser considerada
anulável, com todas as consequências legais;
Sendo ainda declarado inconstitucional o DL
85-D/75, por violação dos artigos 37.º e 38.º da CRP».
3. Remetidos os autos a este Tribunal e
distribuídos de imediato, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. Resultam do processo, com relevo para
a decisão, os seguintes elementos de facto:
a) Em anexo a mensagem de correio eletrónico,
enviada em 20 de março de 2015, a Coligação Democrática Unitária dirigiu à CNE
o seguinte texto:
«A CDU não pode deixar passar sem o seu mais
veemente protesto, a edição de hoje – 20 de março – do jornal Sol.
Nas páginas 11 e 12, o tratamento dado às
eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é
absolutamente inadmissível e discriminatório. Na peça é dirigido um conjunto de
questões a Miguel Albuquerque, líder do PSD Madeira; José Manuel Rodrigues,
líder do CDS Madeira, e Vítor Freitas, líder do PS Madeira e da coligação
“Mudança”. Na mesma peça é referido que “Um destes três homens deverá ser o
próximo presidente do Governo da Madeira”.
Pode-se compreender que haja no jornal SOL quem
tenha preferências entre as forças que se candidatam às eleições do próximo dia
29, mas as opiniões pessoais da direção e/ou dos jornalistas não podem ser
confundidas com tratamento jornalístico, consistindo a referida peça numa
inaceitável manobra de condicionamento dos eleitores, em frontal desrespeito
pelas obrigações de isenção e imparcialidade a que todos os órgãos de
comunicação social estão vinculados, particularmente em período eleitoral.
A exclusão das restantes forças políticas e a
sugestão de um pretenso resultado eleitoral de dia 29 são factos graves e
atentam contra a própria democracia, pelo que no respeito pela legislação
eleitoral a que todos estão vinculados, solicitamos a pronta intervenção da
Comissão Nacional de Eleições»;
b) A CNE remeteu em 23 de março de 2015, pelas
14:31h, mensagem de correio eletrónica para o endereço “geral@sol.pt”, dirigida
ao “Diretor do Jornal Sol”, em que se diz: “Tendo sido apresentada nesta
Comissão a participação em referência, junto remeto a V. Exa. Cópia da mesma
para se pronunciar, querendo, no prazo de 24 horas, sobre os factos nela
constantes”;
c) No dia 24 de março de 2015, foi tomada pela
CNE a deliberação recorrida, encontrando-se lavrado no livro de registo de atas
o seguinte:
«2.7. Processo ALRAM. P-PP/2015/7 – Participação
da CDU contra o jornal Sol
A Comissão tomou conhecimento da participação da
CDU, cuja cópia consta em anexo, tendo deliberado, por unanimidade dos Membros
presentes, o seguinte:
“Tendo sido apresentada nesta Comissão a
participação em referência e sem prejuízo do prazo para exercício do
contraditório, fica o Jornal SOL notificado de que a CNE reitera integralmente
o teor das posições oportunamente transmitidas através do Comunicado sobre
Tratamento Jornalístico, quer no balanço da deslocação oficial à Região
Autónoma da Madeiro, e que, a serem verdade os factos alegados, deve ser
assegurado na próxima edição do semanário (do dia 27 de março) o cumprimento do
princípio de igualdade de tratamento jornalístico face às restantes oito
candidaturas concorrentes ao ato eleitoral do próximo dia 29 de março, sob pena
de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo
artigo 348.º do Código Penal. A presente intervenção de natureza cautelar e
preventiva é conforme ao entendimento do Tribunal Constitucional e visa a
defesa e garantia dos princípios de igualdade de oportunidades e de tratamento
jornalístico, competências, essas, que estão especialmente cometidas à CNE pelo
artigo 5.º da Lei nº 7l/78 de 27 de dezembro.
Desta deliberação cabe recurso para o Tribunal
Constitucional a interpor no prazo de um dia, nos termos do artigo 102.º-B da
Lei n.º 28/82, de 15 de novembro”»;
d) No dia 24 de março de 2015, pelas 13:26h, foi
expedida pela CNE mensagem de correio eletrónico para o endereço “sara.silva@sol.pt” e
“geral@sol.pt”, dirigida ao “Diretor do Jornal Sol”, e, pelas
13:30h, para o endereço “jas@sol.pt”, dirigida a “Sol Essencial, S.A.”,
a transmitir a tomada da referida deliberação, cujo teor integral é transcrito
no corpo das aludidas mensagens;
e) Por mensagem remetida à CNE em 25 de março de
2015, pelas 23:04h, os ora recorrentes, apresentaram requerimento em que
terminam pedindo que seja “considerada nula a notificação efetuada e a
deliberação proferida pela CNE, com todas as consequências legais, após a
produção de prova que se arrola e que é fundamental para o apuramento dos
factos em causa”. Junto com esse requerimento, apresentaram fotocópia das
págs. 12 e 13 da edição do jornal semanário Sol de 20 de março de 2015.
f) Também no dia 25 de março de 2015, em anexo a
mensagem de correio eletrónico expedida pelas 23:04h, foi remetido à CNE o
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Nessa
mensagem é feita referência a “impossibilidade de remeter o requerimento por
fax, por o mesmo não responder”, o que encontra correspondência em registo
de várias tentativas de envio de fax, sem resposta, entre as 22:42 e as
22:48h., todas do dia 25 de março.
g) Os serviços da secretaria da Comissão
Nacional de Eleições encerraram às 18 horas, pelo que a entrada do referido
recurso só foi registada no dia 26 de março de 2015.
Da tempestividade do recurso
5. O artigo 102-B, da LTC, prevê e regula
a interposição de recursos contenciosos de deliberações da Comissão Nacional de
Eleições e de outros órgãos de administração eleitoral, constando dos seus dois
primeiros números:
“1- A interposição de recurso contencioso de
deliberações da Comissão Nacional de Eleições faz-se por meio de requerimento
apresentado nessa Comissão, contendo a alegação do recorrente e a indicação de
peças de que pretende certidão.
2 – O prazo para a interposição de recurso é de
1 dia a contar da data do conhecimento pelo Recorrente da deliberação
impugnada.”
6. No caso, os recorrentes sustentam que
a deliberação não lhe foi validamente comunicada, porquanto teriam recebido
apenas uma transcrição parcial e truncada e em violação do disposto na alínea c)
do n.º 1 e n.º 2 do artigo 112.º, conjugado com o artigo 63.º, do CPA,
compreendendo-se que se referem ao diploma codificador aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro.
Porém, como decorre do relato supra,
entre o texto remetido aos recorrentes e a deliberação lavrada em ata não
existe qualquer diferença, pelo que a comunicação dirigida aos recorrentes –
cuja receção e acesso no próprio dia da remessa estes não colocam em crise -
foi feita por forma completa, idónea ao pleno conhecimento do ato da
administração eleitoral impugnado.
Por outro lado, as normas invocadas como
fundamento para a invalidade do procedimento de comunicação do ato não são
aplicáveis, desde logo em virtude de não se encontrarem ainda em vigor. Como
decorre do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, o
novo Código de Procedimento Administrativo entra em vigor noventa dias após a
sua publicação, o que corresponde a data ainda não atingida.
Mas, sobretudo, não se encontra razão para nos
afastarmos do entendimento do Tribunal quanto à validade da prática de atos no
âmbito da administração eleitoral através de correio eletrónico (devidamente
rececionado), em função da tramitação especialmente urgente que o caracteriza
(cfr. Acórdãos n.ºs 75/2005, 551/2005, 535/2009 e 564/2009, todos acessíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
Aliás, foi esse também o meio escolhido pelos recorrentes para a remessa do
requerimento de interposição de recurso.
7. Tendo as notificações da deliberação
recorrida sido efetuadas em 24 de março de 2015, o prazo para interposição de
recurso terminou no dia seguinte, uma vez que o dia em que se efetua a
notificação não se inclui na contagem do prazo.
Contudo, como tem sido orientação deste
Tribunal, o termo desse prazo ocorre com o termo do horário normal do serviço
onde o mesmo deveria ser apresentado, solução que, novamente, é imposta pelas
particulares razões de celeridade que se impõem nas diferentes fases do processo
eleitoral (cfr. os Acórdãos n.ºs 478/95, 415/2000, 287/2002, 356/2002,
414/2004, 41/2005, 543/2005, 563/2009, 463/2012 e, com especial proximidade ao
caso sub judice, 478/2013, acessíveis no mesmo sítio).
Com efeito, integrando-se a deliberação aqui
impugnada no âmbito do processo eleitoral para a Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira, há que ter em consideração que o artigo 167.º, n.º
1, da Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de fevereiro (alterada pela Lei Orgânica
n.º 1/2009, de 19 de janeiro) dispõe que em qualquer ato processual que envolva
a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respetivos
considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou
repartições.
Assim, tendo o recurso sido apresentado na
Comissão Nacional de Eleições, como determina o n.º 1, do artigo 102.º-B, da
LTC, deveria o mesmo ter sido entregue até às 18 h., do dia 25 de março de
2015, pelo que a interposição do recurso após esse momento é extemporânea.
Por este motivo não deve o recurso ser
conhecido, porque intempestivo.
8. De qualquer modo, a deliberação
impugnada assumiu expressamente “natureza cautelar e preventiva”, delimitando
os seus efeitos vinculativos ao período temporal anterior ao início do dia 27
de março, sexta feira, dia em que a última edição do jornal semanário “Sol”
a publicar em momento anterior ao ato eleitoral para a ALRAM, a realizar no dia
29 de março, seria posta em circulação.
Com efeito, sabido que uma publicação noticiosa
impressa, como é o caso do semanário “Sol”, tem um momento de fecho
jornalístico - entendido como o momento em que no âmbito da cadeia sucessiva de
atos por que passa qualquer publicação impressa não é mais viável proceder a
qualquer alteração no seu conteúdo, cuja ocorrência acontece por regra no dia
anterior ao da edição –, mostra-se seguro considerar que, uma vez atingida,
como foi, no dia de hoje, a data da edição visada, e iniciada a sua
distribuição, não pode mais ter execução a medida contra a qual se insurgem os
recorrentes, por caducidade (artigo 85.º, al. b) do CPA), com a
consequente ausência de efeito útil para o recurso.
III. Decisão
9. Pelo exposto não se conhece do
recurso interposto por José António Paula Saraiva e “O SOL É ESSENCIAL, SA” da
deliberação da Comissão Nacional de Eleições de 24 de março de 2015.
Notifique.
Lisboa, 27 de Março de 2015 - Fernando Vaz
Ventura - João Cura Mariano - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral -
Maria de Fátima Mata-Mouros (Mantendo a posição assumida no voto aposto ao
Ac. 478/2013, subscrevi a presente decisão de não conhecimento do recurso
apenas pela «inutilidade superveniente» decorrente do exposto no ponto 8 da
fundamentação.) - Catarina Sarmento e Castro - João Pedro Caupers - Maria
José Rangel de Mesquita - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro