quarta-feira, abril 08, 2015

Regionais-2015: acórdão do TC sobre "guerra" entre PCP (CDU) e o "Sol"



ACÓRDÃO N.º 207/2015
Processo n.º 307/2015
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. José António Paula Saraiva e “O Sol é essencial, SA”, na qualidade de, respetivamente, diretor e proprietária do jornal semanário “Sol”, recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (doravante LTC), da deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE), proferida em 24 de março de 2015.
2. Do requerimento de interposição de recurso, consta o seguinte remate conclusivo:
«A. O presente recurso é apresentado de uma alegada deliberação da CNE, cujo teor integral, até à data da propositura do presente recurso, os Recorrentes desconhecem:
B. Os presentes autos iniciaram-se com base num documento em papel timbrado da CDU, sem a assinatura do seu autor e legitimação dos seus poderes de representação, que consignou como um “protesto”, que terá sido remetido para a CNE de forma e data que os Recorrentes desconhecem;
C. Os Recorrentes receberam por emails que não são os seus, comunicações que mencionavam que teriam o prazo para exercerem o contraditório e uma transcrição parcial e truncada de uma alegada deliberação;
D. Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 1 do artigo 112.º do CPA, as comunicações enviadas são nulas;
E. Uma vez que os Recorrentes nunca deram, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º do CPA, autorização para que as comunicações da administração com os interessados, se pudessem processar por correio eletrónico, ou seja, mediante prévio consentimento, por escrito;
F. O teor transcrito da alegada deliberação não se enquadra na previsão do artigo 89.º do CPA, pois tal medida não foi solicitada, nem foi tomada mediante decisão que fundamentasse os seus requisitos, ou seja, de que no caso concreto se verificava justo receio de sem tal medida, se constituísse uma situação de facto consumado ou que se produziriam prejuízos de difícil reparação, depois de ponderado se os danos de tal medida não se mostravam superiores aos que se pretendiam evitar;
G. A alegada deliberação não contém as menções obrigatórias enumeradas no artigo 151.º do CPA, pois não se encontra assinada pelo órgão competente autor do ato, não menciona adequadamente os seus destinatários, não enumera os factos que lhe deram origem, não foi fundamentada, não contém o sentido da decisão e o seu objeto, não tem data, nem assinatura, sendo por isso nula;
H. E, tal deliberação violou também o dever de fundamentação previsto nos artigos 152.º e 153.º do CPA, ainda para mais quando a decisão em causa visa restringir a liberdade de expressão e de informação, violando a liberdade editorial e impondo uma sujeição ilegal, que seria o tratamento jornalístico face às restantes 8 candidaturas, quando não se procedeu ao tratamento jornalístico de nenhuma;
I. Assim, pela preterição das regras supra expostas, estamos perante notificações e deliberações nulas, nos termos das alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA;
J. Se assim se não considerar, estamos perante uma interpretação inconstitucional das alíneas d) e g) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, por violação do disposto no artigo 20.º da CRP:
K. Por fim, importa esclarecer que o DL 84-A/75 de 26/2 que regula o tratamento jornalístico que deve ser dado às diversas candidaturas, não [se] aplica ao caso concreto;
L. Não se tratou de acompanhamento, ou tratamento jornalísticos, da campanha eleitoral, mas sim de um tratamento jornalístico, elaborado ao abrigo das liberdades de expressão e de imprensa, consagrados nos artigos 37.º e 38.º da CRP;
M. Sendo certo que os jornalistas têm liberdade de expressão e de criação, conforme prevê o artigo 7.º do Estatuto dos Jornalistas, consagrado na Lei 1/99 de 13/1, alterado pela L 64/2007 de 6/11; deve entender-se que o disposto no DL 85-D/75 de 26/02 não se encontra em vigor face à atual CRP, Lei de Imprensa e Estatuto dos Jornalistas e só poderia ter sido decretado pela Assembleia da República, nos termos do disposto no artigo 161.º da CRP, sendo que a sua 1ª versão foi publicada em 1976;
N. Logo, o DL 85-D/75 é inconstitucional, face aos artigos 37.º e 38.º da CRP, o que argui para todos os efeitos legais;
O. A deliberação proferida violou, nomeadamente, o disposto nos:
Artigo 7.º do EJ;
Artigo 5.º da L71/87
Artigos 63.º, 89.º, 112.º, 151.º e 153.º do CPC;
Artigos 20.º, 37.º e 38.º da CRP.
Nestes termos, deve ser considerado procedente por provado o presente recurso e, em consequência, deve ser declarada NULA a deliberação proferida pela CNE ou se assim se não considerar, ser considerada anulável, com todas as consequências legais;
Sendo ainda declarado inconstitucional o DL 85-D/75, por violação dos artigos 37.º e 38.º da CRP».
3. Remetidos os autos a este Tribunal e distribuídos de imediato, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4. Resultam do processo, com relevo para a decisão, os seguintes elementos de facto:
a) Em anexo a mensagem de correio eletrónico, enviada em 20 de março de 2015, a Coligação Democrática Unitária dirigiu à CNE o seguinte texto:
«A CDU não pode deixar passar sem o seu mais veemente protesto, a edição de hoje – 20 de março – do jornal Sol.
Nas páginas 11 e 12, o tratamento dado às eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é absolutamente inadmissível e discriminatório. Na peça é dirigido um conjunto de questões a Miguel Albuquerque, líder do PSD Madeira; José Manuel Rodrigues, líder do CDS Madeira, e Vítor Freitas, líder do PS Madeira e da coligação “Mudança”. Na mesma peça é referido que “Um destes três homens deverá ser o próximo presidente do Governo da Madeira”.
Pode-se compreender que haja no jornal SOL quem tenha preferências entre as forças que se candidatam às eleições do próximo dia 29, mas as opiniões pessoais da direção e/ou dos jornalistas não podem ser confundidas com tratamento jornalístico, consistindo a referida peça numa inaceitável manobra de condicionamento dos eleitores, em frontal desrespeito pelas obrigações de isenção e imparcialidade a que todos os órgãos de comunicação social estão vinculados, particularmente em período eleitoral.
A exclusão das restantes forças políticas e a sugestão de um pretenso resultado eleitoral de dia 29 são factos graves e atentam contra a própria democracia, pelo que no respeito pela legislação eleitoral a que todos estão vinculados, solicitamos a pronta intervenção da Comissão Nacional de Eleições»;
b) A CNE remeteu em 23 de março de 2015, pelas 14:31h, mensagem de correio eletrónica para o endereço “geral@sol.pt”, dirigida ao “Diretor do Jornal Sol”, em que se diz: “Tendo sido apresentada nesta Comissão a participação em referência, junto remeto a V. Exa. Cópia da mesma para se pronunciar, querendo, no prazo de 24 horas, sobre os factos nela constantes”;
c) No dia 24 de março de 2015, foi tomada pela CNE a deliberação recorrida, encontrando-se lavrado no livro de registo de atas o seguinte:
«2.7. Processo ALRAM. P-PP/2015/7 – Participação da CDU contra o jornal Sol
A Comissão tomou conhecimento da participação da CDU, cuja cópia consta em anexo, tendo deliberado, por unanimidade dos Membros presentes, o seguinte:
“Tendo sido apresentada nesta Comissão a participação em referência e sem prejuízo do prazo para exercício do contraditório, fica o Jornal SOL notificado de que a CNE reitera integralmente o teor das posições oportunamente transmitidas através do Comunicado sobre Tratamento Jornalístico, quer no balanço da deslocação oficial à Região Autónoma da Madeiro, e que, a serem verdade os factos alegados, deve ser assegurado na próxima edição do semanário (do dia 27 de março) o cumprimento do princípio de igualdade de tratamento jornalístico face às restantes oito candidaturas concorrentes ao ato eleitoral do próximo dia 29 de março, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal. A presente intervenção de natureza cautelar e preventiva é conforme ao entendimento do Tribunal Constitucional e visa a defesa e garantia dos princípios de igualdade de oportunidades e de tratamento jornalístico, competências, essas, que estão especialmente cometidas à CNE pelo artigo 5.º da Lei nº 7l/78 de 27 de dezembro.
Desta deliberação cabe recurso para o Tribunal Constitucional a interpor no prazo de um dia, nos termos do artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro”»;
d) No dia 24 de março de 2015, pelas 13:26h, foi expedida pela CNE mensagem de correio eletrónico para o endereço “sara.silva@sol.pt” e “geral@sol.pt”, dirigida ao “Diretor do Jornal Sol”, e, pelas 13:30h, para o endereço “jas@sol.pt”, dirigida a “Sol Essencial, S.A.”, a transmitir a tomada da referida deliberação, cujo teor integral é transcrito no corpo das aludidas mensagens;
e) Por mensagem remetida à CNE em 25 de março de 2015, pelas 23:04h, os ora recorrentes, apresentaram requerimento em que terminam pedindo que seja “considerada nula a notificação efetuada e a deliberação proferida pela CNE, com todas as consequências legais, após a produção de prova que se arrola e que é fundamental para o apuramento dos factos em causa”. Junto com esse requerimento, apresentaram fotocópia das págs. 12 e 13 da edição do jornal semanário Sol de 20 de março de 2015.
f) Também no dia 25 de março de 2015, em anexo a mensagem de correio eletrónico expedida pelas 23:04h, foi remetido à CNE o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Nessa mensagem é feita referência a “impossibilidade de remeter o requerimento por fax, por o mesmo não responder”, o que encontra correspondência em registo de várias tentativas de envio de fax, sem resposta, entre as 22:42 e as 22:48h., todas do dia 25 de março.
g) Os serviços da secretaria da Comissão Nacional de Eleições encerraram às 18 horas, pelo que a entrada do referido recurso só foi registada no dia 26 de março de 2015.
Da tempestividade do recurso
5. O artigo 102-B, da LTC, prevê e regula a interposição de recursos contenciosos de deliberações da Comissão Nacional de Eleições e de outros órgãos de administração eleitoral, constando dos seus dois primeiros números:
“1- A interposição de recurso contencioso de deliberações da Comissão Nacional de Eleições faz-se por meio de requerimento apresentado nessa Comissão, contendo a alegação do recorrente e a indicação de peças de que pretende certidão.
2 – O prazo para a interposição de recurso é de 1 dia a contar da data do conhecimento pelo Recorrente da deliberação impugnada.”
6. No caso, os recorrentes sustentam que a deliberação não lhe foi validamente comunicada, porquanto teriam recebido apenas uma transcrição parcial e truncada e em violação do disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 112.º, conjugado com o artigo 63.º, do CPA, compreendendo-se que se referem ao diploma codificador aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro.
Porém, como decorre do relato supra, entre o texto remetido aos recorrentes e a deliberação lavrada em ata não existe qualquer diferença, pelo que a comunicação dirigida aos recorrentes – cuja receção e acesso no próprio dia da remessa estes não colocam em crise - foi feita por forma completa, idónea ao pleno conhecimento do ato da administração eleitoral impugnado.
Por outro lado, as normas invocadas como fundamento para a invalidade do procedimento de comunicação do ato não são aplicáveis, desde logo em virtude de não se encontrarem ainda em vigor. Como decorre do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, o novo Código de Procedimento Administrativo entra em vigor noventa dias após a sua publicação, o que corresponde a data ainda não atingida.
Mas, sobretudo, não se encontra razão para nos afastarmos do entendimento do Tribunal quanto à validade da prática de atos no âmbito da administração eleitoral através de correio eletrónico (devidamente rececionado), em função da tramitação especialmente urgente que o caracteriza (cfr. Acórdãos n.ºs 75/2005, 551/2005, 535/2009 e 564/2009, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Aliás, foi esse também o meio escolhido pelos recorrentes para a remessa do requerimento de interposição de recurso.
7. Tendo as notificações da deliberação recorrida sido efetuadas em 24 de março de 2015, o prazo para interposição de recurso terminou no dia seguinte, uma vez que o dia em que se efetua a notificação não se inclui na contagem do prazo.
Contudo, como tem sido orientação deste Tribunal, o termo desse prazo ocorre com o termo do horário normal do serviço onde o mesmo deveria ser apresentado, solução que, novamente, é imposta pelas particulares razões de celeridade que se impõem nas diferentes fases do processo eleitoral (cfr. os Acórdãos n.ºs 478/95, 415/2000, 287/2002, 356/2002, 414/2004, 41/2005, 543/2005, 563/2009, 463/2012 e, com especial proximidade ao caso sub judice, 478/2013, acessíveis no mesmo sítio).
Com efeito, integrando-se a deliberação aqui impugnada no âmbito do processo eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, há que ter em consideração que o artigo 167.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de fevereiro (alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2009, de 19 de janeiro) dispõe que em qualquer ato processual que envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respetivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições.
Assim, tendo o recurso sido apresentado na Comissão Nacional de Eleições, como determina o n.º 1, do artigo 102.º-B, da LTC, deveria o mesmo ter sido entregue até às 18 h., do dia 25 de março de 2015, pelo que a interposição do recurso após esse momento é extemporânea.
Por este motivo não deve o recurso ser conhecido, porque intempestivo.
8. De qualquer modo, a deliberação impugnada assumiu expressamente “natureza cautelar e preventiva”, delimitando os seus efeitos vinculativos ao período temporal anterior ao início do dia 27 de março, sexta feira, dia em que a última edição do jornal semanário “Sol” a publicar em momento anterior ao ato eleitoral para a ALRAM, a realizar no dia 29 de março, seria posta em circulação.
Com efeito, sabido que uma publicação noticiosa impressa, como é o caso do semanário “Sol”, tem um momento de fecho jornalístico - entendido como o momento em que no âmbito da cadeia sucessiva de atos por que passa qualquer publicação impressa não é mais viável proceder a qualquer alteração no seu conteúdo, cuja ocorrência acontece por regra no dia anterior ao da edição –, mostra-se seguro considerar que, uma vez atingida, como foi, no dia de hoje, a data da edição visada, e iniciada a sua distribuição, não pode mais ter execução a medida contra a qual se insurgem os recorrentes, por caducidade (artigo 85.º, al. b) do CPA), com a consequente ausência de efeito útil para o recurso.
III. Decisão
9. Pelo exposto não se conhece do recurso interposto por José António Paula Saraiva e “O SOL É ESSENCIAL, SA” da deliberação da Comissão Nacional de Eleições de 24 de março de 2015.
Notifique.
Lisboa, 27 de Março de 2015 - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Maria de Fátima Mata-Mouros (Mantendo a posição assumida no voto aposto ao Ac. 478/2013, subscrevi a presente decisão de não conhecimento do recurso apenas pela «inutilidade superveniente» decorrente do exposto no ponto 8 da fundamentação.) - Catarina Sarmento e Castro - João Pedro Caupers - Maria José Rangel de Mesquita - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro