sexta-feira, junho 06, 2014

O Dia mais Longo foi uma invasão desnecessária mas tornou-se um mito



Segundo o Jornal I, num texto do jornalista Sérgio Soares, “a invasão da Normandia ocorreu demasiado tarde para aliviar o esforço soviético na frente oriental, pelo que Estaline a considerou desnecessária. No 70.o aniversário do Dia D, também chamado o Dia mais Longo, são cada vez mais os historiadores, inclusive militares, que consideram a invasão da Normandia, a 6 de Junho de 1944, uma carnificina desnecessária para a derrota da Alemanha nazi, ao contrário do que se pensa e do que a cinematografia de Hollywood gravou no imaginário colectivo. Mas para os Aliados, que também pagaram um elevado preço em vidas humanas, o Dia D marcou efectivamente o início da libertação da Europa do jugo nazi. No entanto, alguns historiadores sustentam que o exército alemão já tinha sido praticamente derrotado pelos russos na frente oriental e a indústria de guerra alemã estava totalmente destruída pelos bombardeamentos aéreos aliados. Esta é também a tese académica apresentada pelo tenente-coronel William F. Moore, da Força Aérea americana, ao Air College, Air University em 1986. O propósito da sua tese foi demonstrar que a percepção que se tem ainda hoje da Operação Overlord se baseia numa ilusão e é um mito.

"Os americanos acreditam que a Alemanha nazi foi derrotada na Segunda Guerra Mundial pelas forças americanas", sustenta. "O americano comum também acredita que as forças combinadas dos EUA e da Grã-Bretanha foram os principais responsáveis pela destruição do exército alemão em 1944 e 1945, após o bem sucedido desembarque anfíbio na costa da Normandia", afirma.

Os feitos dos generais Patton e Montgomery, que penetraram na França em direcção à Alemanha, a partir da Normandia, tornaram-se lendários e objecto de numerosos livros e filmes de Hollywood. O Dia D continua a ser a maior invasão marítima da história, envolvendo no final cerca de 3 milhões de soldados, que atravessaram o canal da Mancha, entre a Inglaterra e a Normandia, na França ocupada. A relação bipolar entre o Ocidente e a União Soviética até à década de 90, e mais tarde a Guerra Fria, foram consequência directa desta invasão. Não tivessem os Aliados desembarcado na Normandia e provavelmente o Exército Vermelho não se teria detido em Berlim. Doze nações aliadas forneceram as unidades de combate que participaram na invasão, entre as quais a Austrália, o Canadá, a Bélgica, França, a Checoslováquia, a Grécia, a Nova Zelândia, a Holanda, a Noruega, a Polónia, o Reino Unido e os Estados Unidos. Na mensagem proferida à força expedicionária, o general de cinco estrelas Dwight D. Eisenhower disse ter plena confiança na coragem dos soldados, na sua devoção à tarefa e aptidão para a batalha. O comandante-supremo aliado reconheceu nessa famosa alocução que a tarefa que esperava os seus soldados do outro lado da Mancha não seria fácil porque iriam enfrentar um inimigo bem treinado, bem equipado e que combateria feroz e selvaticamente. "Não aceitaremos nada que não seja uma vitória total", proclamou. O primeiro assalto, que visava estabelecer uma testa-de-ponte segura, foi efectuado sob o nome de código Operação Neptuno. Esta operação começou no Dia D e terminou a 30 de Junho, quando finalmente os Aliados estabeleceram uma plataforma segura na Normandia.

VEM AÍ OS RUSSOS

"Quando os britânicos foram finalmente convencidos pelos americanos a participar na invasão da França, em 1944, pela Normandia - estes preferiam um desembarque pelo Mediterrâneo -, a invasão foi essencialmente conduzida no interesse do Ocidente, já que o risco terrível de um colapso da União Soviética há muito havia passado", afirma William F. Moore. "Nessa altura, o Exército Vermelho apenas necessitava de abastecimentos para ocupar a Europa oriental", sublinha a tese que defende. De acordo com a sua análise, a invasão da Normandia ocorreu demasiado tarde para ter qualquer significado expressivo em termos de ajuda aos russos. De facto, Estaline, que tanto pedira a abertura de uma segunda frente a ocidente, chegou a declarar que a invasão naquela altura já não era necessária. Nessa altura do conflito, a liderança americana, incluindo Roosevelt, entendeu que as forças americanas deveriam assumir uma parte significativa do esforço para a derrota do exército alemão, porque de contrário os russos não se mostrariam cooperantes no pós-guerra. Do ponto de vista ocidental, a invasão e ocupação a ocidente eram cruciais para impedir a conquista total do Norte e do Ocidente da Europa pelo avanço imparável das forças soviéticas. Apesar da superioridade bélica esmagadora dos aliados na parte ocidental da Europa, os soviéticos sempre fizeram questão de sublinhar que a parte de leão do esforço militar e humano caíra sobre o Exército Vermelho, que tinha sido decisivo para derrotar a máquina de guerra de Hitler. Desde então, Moscovo e os seus satélites comemoram o dia 9 de Maio como o Dia da Vitória, e não o dia 6 de Junho. Foi precisamente no dia 8 de Maio de 1945 que o marechal da União Soviética, Gueorgui Jukov, o marechal da Grã-Bretanha, Arthur Tedder, e o marechal de campo da Wehrmacht, Wilhelm Keitel, assinaram no subúrbio berlinense de Karlshorst um acto tripartido de capitulação incondicional do Terceiro Reich. Na capital russa, nesse momento os relógios marcavam as 0h43 (hora de Moscovo) do dia 9 de Maio.

A CAMINHO DO TRIUNFO OCIDENTAL

Mas um ano antes os aliados tinham desembarcado na Normandia uma primeira vaga de 170 mil soldados, que incluía pára-quedistas, seis divisões de infantaria e blindados. A frota reunida para a invasão foi a maior concentração de navios e embarcações de todos os tipos da história, com mais de 5 mil navios e lanchas de desembarque. No final, após vários meses, os combates provocaram baixas avaliadas em cerca de 550 mil soldados, incluindo mortos, feridos e desaparecidos entre os beligerantes. Deste total, 19 mil foram civis franceses. A invasão da Normandia saldou-se por uma vitória dos Aliados devido à força esmagadora dos números, em homens e equipamento colocados no teatro de operações. Em Julho de 1944, um milhão de soldados estavam firmemente entrincheirados na Normandia. Para a invasão, os Aliados reuniram na Grã-Bretanha cerca de 3 milhões de soldados e 16 milhões de toneladas de armas, munições e abastecimentos. No dia 6 de Junho, cerca das zero horas, 170 mil soldados aliados já combatiam na Normandia. O comando aliado mostrava-se optimista. Os reforços continuavam a chegar. As primeiras baixas foram inferiores ao que fora inicialmente estimado. Nos primeiros dias os americanos perderam 6600 soldados, os britânicos e os canadianos 4 mil. No total, cerca de 10 mil homens foram mortos e feridos ou desapareceram em combate.

A RESISTÊNCIA ALEMÃ

Os Aliados defrontaram-se com o Grupo B do Exército alemão, bem entrincheirado na orla costeira. Além disso, as forças alemãs eram compostas pelo sétimo exército na Normandia, pelo 50.o Exército em Pas de Calais e na Flandres, e pelo 88.o Corpo na Holanda, sob comando do marechal de campo Erwin Rommel. O comandante-em-chefe de todas as forças germânicas na Europa ocidental era o marechal de campo von Rundstedt, que dispunha ainda do chamado Grupo G composto pelo 1.o e pelo 19.o exército. No total, Rundstedt dispunha de 50 divisões de infantaria e dez divisões Panzer espalhadas pela França e pelos Países Baixos. Os alemães dispunha ainda da famosa muralha atlântica, que começara a ser construída em 1942 e incluía campos minados, muros de betão, bunkers, vedações e valas com arame farpado, além de posições nas colinas fortificadas com artilharia pesada. Em 1943, Hitler nomeou Erwin Rommel para o comando do exército do Grupo B e atribuiu-lhe a responsabilidade da defesa da Normandia. Rommel inspeccionou as defesas costeiras e considerou-as desadequadas. De imediato providenciou que fossem reforçadas com campos de minas nas praias. Foram ainda instaladas peças de artilharia de todos os tipos e implantados obstáculos no mar, além de minas para impedir desembarques anfíbios. Contudo, o marechal percebeu que mesmo assim as suas defesas não impediriam uma poderosa invasão aliada. Assumiu que no melhor cenário tudo serviria apenas para atrasar a invasão. Rommel estava convencido que não podia deixar os Aliados instalarem-se em nenhum local e que ao primeiro sinal de invasão as forças aliadas teriam de ser imediatamente destruídas. O problema é que Rommel dependia do marechal de campo Rundstedt, que era o comandante supremo alemão na França ocupada. Rommel necessitava da autorização de Rundstedt para deslocar qualquer unidade militar dos vários exércitos alemães estacionados nos países vizinhos ocupados. Nenhum pedido de Rommel obtinha resposta imediata porque Rundstedt submetia primeiro o pedido a Adolf Hitler.

Para agravar a relação complicada entre os dois militares, a filosofia de Rundstedt era diferente da de Rommel e assentava na ideia de que para conter uma eventual invasão era preciso manter na retaguarda as seis divisões de panzers de reserva no Norte de França e usá-las depois para dar um golpe definitivo aos invasores já do lado de cá da Mancha. O resultado foi o conhecido. Apesar da feroz resistência, que durou quase um mês, os alemães acabaram por ser derrotados. Entretanto, enquanto gozava um curto período de férias, Rommel foi envolvido na tentativa de assassinato de Hitler no dia 20 de Julho. A 14 de Outubro, dois generais alemães que investigavam o complot visitaram-no em casa e deram--lhe a escolher entre tomar veneno e ser presente a tribunal militar sob acusação de alta traição. O marechal escolheu o suicídio nesse dia. Hitler concedeu-lhe um funeral de herói e a sua morte foi atribuída aos ferimentos recebidos anteriormente num ataque aéreo contra a sua viatura.

O Cenário

O Dia Mais Longo terminou numa orgia de sangue que banhou as praias escolhidas pelo alto comando aliado para os desembarques

Utah Beach

Por erro, as fortes corrrentes afastam o desembarque das tropas 1800 metros para sul do local previsto. Um erro feliz porque os alemães estavam menos concentrados nesse local.

Omaha Beach

A 1.ª e a 29.ª divisões americanas desembarcam a 6,5 quilómetros do local previsto. Dos seus 29 blindados anfíbios, 27 foram afundados. O bloqueio alemão é total e as tropas invasoras são sujeitas a fogo cerrado.

Point du Hoc

Os Rangers do coronel Ruuder atacam a parte oriental da montanha de Pointe du Hoc onde se situava uma forte bateria alemã. Os comandos tiveram de trepar 30 metros nas rochas escarpadas para destruir a artilharia sobre os desembarques nas praias de Omaha e Utah.

Gold Beach

A 50.ª divisão britânica comandada pelo major general Graham desembarca a  cinco quilómetros do local previsto. A artilharia alemã atrasa a ofensiva.

Sword Beach

A 3.ª Divisão britânica sob comando do general T.D. Rennie desembarca à hora marcada. O bombardeamento aéreo e naval das defesas alemãs foi efectivo, mas pesados combates atrasam o progresso dos soldados.

Juno Beach

A 3.ª Divisão de Infantaria canadiana comandada pelo general R.F.L. Keller desembarcou nesta praia às 7h45. Quinze minutos atrasados. Sete tanques anfíbios de um total 39 são afundados pelo inimigo. A resistência alemã é cerrada.

Os estrategos

Dwight D. Eisenhover

“Cada arma produzida, cada navio lançado, cada rocket disparado, significam no final um roubo aos que tem fome e não são alimentados, aos que tem frio e não são agasalhados.” O autor desta frase foi o estratega do Dia D e comandante supremo das forças aliadas na Segunda Guerra Mundial. Dwight D. Eisenhower atingiu a mais alta patente do exército norte-americano como general de cinco estrelas. Planeou a invasão da Normandia que ajudou a remover o exército alemão da França ocupada. Quando a guerra terminou, aceitou a rendição das tropas germânicas. Nunca entrou em acção, e não ganhou o respeito dos seus comandantes na linha da frente. Sobre ele, Montgomery disse: “Nice chap, no general.” Teve de lidar com subordinados complicados como Bradley e Patton, e aliados como Churchill, Montgomery e De Gaulle. Foi eleito presidente dos EUA em 1952.

Erwin Rommel

Rommel sabia que a única hipótese de obter uma vitória sobre os invasores seria desencadear rápidos contra-ataques, nomeadamente com forças blindadas Panzer. Por diversas razões, a poderosa força blindada ao dispor não esteve imediatamente disponível quando a invasão aliada começou. A ausência de clareza na estrutura de comando da Divisão Panzer, ainda em composição, complicou ainda mais a sua difícil relação com o comandante em chefe, marechal de campo Gerd von Rundstedt. As divergências estratégicas entre ambos sobre o local onde a invasão seria feita e a melhor forma de distribuir no terreno as reservas blindadas implicou que a 6 de Junho apenas uma unidade, a 21.a Divisão Panzer, estacionada em Caen, estivesse em posição de contra-atacar nesse dia. Esta divisão ganhara reputação com Rommel no Afrika Korps. A lenta e tardia reacção foi fatal para os alemães”.