segunda-feira, junho 30, 2014

Opinião: Revisão Constitucional e riscos (I)

"Tenho a sensação de que a Região se envolveu esta semana em duas decisões que podem constituir jogadas políticas com alguma perigosidade e implicar alguma potencial polémica. Repito, podem implicar, não estou a dar por adquirido tal cenário, embora não deva ser posto de parte. A Constituição diz no seu articulado que "a Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária". Sublinha igualmente que "a Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento poderes de revisão extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em efetividade de funções". Com a iniciativa agora formalizada por parte dos deputados do PSD da Madeira, abre-se de imediato um processo de revisão constitucional nos termos do disposto na própria Constituição: "apresentado um projeto de revisão constitucional, quaisquer outros terão de ser apresentados no prazo de trinta dias". Não há, portanto, nenhuma ilegalidade neste procedimento. Falo apenas do “timing” escolhido para que a mesma tenha sido formalizada, o que nada tem a ver com a convicção pessoal deque a Constituição precisa de ser melhorada e sobretudo precisa de ser descomplicada.
Não tenho dúvidas que o PSD de Passos Coelho, tal como o CDS de Portas - aparentemente cada vez mais farto de aturar Coelho e de ser secundarizado pelo seu parceiro maior da coligação ainda no poleiro - não aceitarão qualquer envolvimento neste processo, até porque parece contrariar decisões aprovadas (leia-se, impostas) no último congresso nacional do PSD e repetidas por Coelho em várias intervenções proferidas naquele encontro. A revisão constitucional, que antes constituía uma "prioridade" (mais uma...) do PSD de Passos quando lutava pela conquista do poder, deixou de o ser, provavelmente porque a coligação percebeu, por culpa própria, que inviabilizou qualquer entendimento necessário que passa pelo envolvimento do PS na viabilização de uma maioria constitucional necessária à aprovação das alterações que PSD e CDS querem introduzir na Constituição.
Não sei, nem sequer isso é importante, se se trata de uma "provocação" política dos social-democratas insulares à nomenclatura que continua a amordaçar e a atrofiar a liberdade do PSD nacional - li esse título na imprensa regional. Olho com desconfiança todos aqueles que inventam "casos" em qualquer decisão ou que sonham com o cheiro permanente a pólvora. Digamos que há visões diferentes entre estruturas social-democratas que são livres de pensar de forma diferente. Além de que entre a realização do último congresso nacional do PSD de Passos e a realidade hoje existente no país, sobretudo os “obstáculos” denunciados pelo governo de coligação, alguma coisa pode ter mudado e as posições políticas dos dois partidos, PSD e CDS, sobre a problemática da revisão constitucional pode também ter sofrido mutação ou suscitado novas posições políticas".
Recordo as duas últimas revisões constitucionais: "A 6.ª Revisão Constitucional, aprovada em 2004, aprofundou a autonomia político-administrativa das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, designadamente aumentando os poderes das respetivas Assembleias Legislativas e eliminando o cargo de “Ministro da República”, criando o de “Representante da República”. Foram também alteradas e clarificadas normas referentes às relações internacionais e ao direito internacional, como, por exemplo, a relativa à vigência na ordem jurídica interna dos tratados e normas da União Europeia. Foi ainda aprofundado o princípio da limitação dos mandatos, designadamente dos titulares de cargos políticos executivos, bem como reforçado o princípio da não discriminação, nomeadamente em função da orientação sexual. Em 2005 foi aprovada a 7.ª Revisão Constitucional que através do aditamento de um novo artigo, permitiu a realização de referendo sobre a aprovação de tratado que vise a construção e o aprofundamento da União Europeia".
A primeira decisão com um evidente risco político subjacente, tem a ver com o processo de revisão constitucional, avançado pelos deputados social-democratas, em cumprimento de decisões tomadas pelos órgãos dirigentes do PSD da Madeira, iniciativa que acabou por ir mais longe do que o projeto de resolução que sobre esta matéria foi discutido e aprovado na Assembleia Legislativa. Tenho dúvidas sobre o sucesso desta iniciativa - e de uma iniciativa fracassada não retiramos nada de útil nem dele respingará absolutamente nada de positivo, incluindo a retirada de alguma mais-valia - pelo simples facto de que PSD e CDS nacionais estão convergentes na recusa de abrir, neste momento, um debate sobre esta temática. Penso que a ideia de extinção do Tribunal Constitucional, apesar de ser algo que tem merecido ao longo dos anos tratamento e propostas mais ou menos radicalizadas, neste momento ela pode constituir uma inadequada ideia, porque passível de ser marcada por algum revanchismo político que nunca será aceite pela esquerda, e será olhado com desconfiança pela opinião pública portuguesa" (LFM)