Garante o Sol que “não há volta a dar: em 2015, o Estado tem de cortar dois mil milhões de
euros na despesa. A receita está definida e implica cortes definitivos nos
salários e pensões, mas com as europeias à porta o assunto tem sido tratado com
pinças pelo Governo e tudo aponta para que as medidas só sejam aplicadas depois
das eleições. Apesar de Maria Luís Albuquerque ter já admitido que o encerramento da
11.ª avaliação da troika depende da apresentação de “medidas para 2015”, o
Governo vai tentar gerir os prazos de aplicação das medidas, seguindo o guião
que ficou definido na 10.ª avaliação. O discurso sobre os cortes é claro, mas os portugueses só devem sentir
no bolso o efeito das medidas depois de a troika sair do país. “Não podemos
regressar ao nível salarial de 2011, não podemos regressar ao nível
remuneratório das pensões de 2011” - resumiu o primeiro-ministro, esta
quarta-feira, no Parlamento, lembrando que “há uma diferença entre usar uma
cinta e emagrecer de facto”. A fórmula para o emagrecimento duradouro passa por
reduzir os vencimentos e as pensões no sector público. Há quem defenda, como
tem vindo a apontar a Comissão Europeia, que o caminho passará também por
reduzir as rendas excessivas no sector energético, mas o Governo terá pouca
margem de manobra nessa área e a redução que possa ser conseguida será sempre
uma percentagem muito pequena do corte total de despesa que há a fazer.
Salários cortados só em Junho e Dezembro
A simplificação do regime de suplementos e a criação de uma única tabela
remuneratória para a Função Pública são as ferramentas que serão usadas para
cortar nos salários do sector público. Mas, como aponta o documento da Comissão
Europeia na 10.ª avaliação da troika, essas medidas só devem ser “implementadas
em Junho e Dezembro de 2014, respectivamente”. Ou seja, depois das eleições
para o Parlamento Europeu. Outro instrumento importante para fazer cair a
despesa pública passa pelo corte das pensões do Estado, através da convergência
entre as reformas dos sectores público e privado. Mas também os pormenores
dessa medida só deverão ser conhecidos no início do Verão. A comissão formada
para encontrar soluções para tornar definitivos os cortes introduzidos pela CES
(Contribuição Extraordinária de Solidariedade) ainda só teve uma reunião
publicamente conhecida em Janeiro e no Ministério das Finanças ninguém arrisca
datas para a conclusão dos trabalhos. Estão também ainda por atingir os
objectivos de corte no número de funcionários da administração pública. E, mais
uma vez, o documento da 10.ª avaliação atira para “o segundo trimestre de 2014”
- ou seja, até Junho - a criação de mais um programa de rescisões. O relatório
da Comissão Europeia prevê ainda que seja publicado, na mesma altura, o
decreto-lei com o aumento da contribuição para a ADSE. Tudo medidas impopulares
que deverão ficar para depois do período eleitoral. Fontes do Governo asseguram
ao SOL que as medidas “estão todas no Orçamento de 2014”, reforçando a ideia
sublinhada por Passos Coelho de que o Governo não anda “a negociar nas costas
dos portugueses”. Mas há ainda que traçar o rumo até 2017 no Documento de
Estratégia Orçamental (DEO), para garantir que o défice estrutural continuará a
cair até atingir os limites definidos pelo Tratado Orçamental. Nas Finanças
admite-se que o documento que será apresentado em Abril terá apenas linhas
muito gerais. “As negociações são assim mesmo. Partem de linhas genéricas”, diz
ao SOL uma fonte do ministério liderado por Maria Luís Albuquerque, explicando
que a estratégia do Governo passa por tentar, na negociação do DEO, alcançar
pontos de convergência com o PS. “Isso seria quase como ter um programa
cautelar”, admite a mesma fonte, numa alusão às declarações desta semana do
presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que reforçou a importância de
Portugal assumir um “programa plurianual” que unisse os partidos do arco da
governação no pós-troika. “Seria um sinal importante de confiança para os
credores”, sublinha uma fonte do Governo. O facto de as eleições europeias
estarem marcadas para 25 de Maio pode, contudo, alterar os timings,
empurrando-os para o início de Junho.
'Alguma folga'
A margem está criada pelo pedido da troika de permanecer até Junho,
apesar de no Governo ninguém querer assumir essa folga. “Estamos a trabalhar
para o fim do programa no dia 17 de Maio. O que a troika fica a fazer são
questões burocráticas”, assegura uma fonte do gabinete do
vice-primeiro-ministro. “O FMI só sai em Junho. Mas isso é uma questão
processual e nada disso põe em causa o pagamento da última tranche nem o
cumprimento da avaliação”, reforça uma fonte das Finanças. De qualquer modo, a
mesma fonte admite que a margem gerada pela criação de uma almofada financeira
para 2015, através das operações de colocação de dívida pública, permite
“alguma folga”. Fica a faltar a definição de uma estratégia que dê aos credores
a confiança de que as contas públicas não voltam a derrapar depois de terminado
o programa de resgate. E é essa garantia que a troika quer antes de sair do
país. Certo é que a 11.ª avaliação só ficou fechada (no final da semana
passada) para o Ministério da Justiça, área em que estão completas todas as
reformas previstas. Ao todo faltam cerca de 20 medidas que têm de estar
aprovadas e/ou implementadas até Maio/Junho. Algumas decorrem do Memorando de
Entendimento, como a aprovação do plano de infra-estruturas prioritárias, a
modernização administrativa e a revisão da tabela salarial da Função Pública. Outras
decorrem da 7.ª avaliação da troika e já estão previstas no Orçamento do Estado
de 2014, como a convergência das pensões do público e do privado e o programa
de rescisões amigáveis no sector público. “É possível que algumas coisas
derrapem, mas não podem passar de Junho”, aponta ao SOL uma fonte do Governo. Uma
das medidas que terá de ficar como compromisso no documento que sair da 12.ª e
última avaliação é a redução das indemnizações em caso de despedimento ilegal,
que faz parte do pacote de flexibilização laboral e prevê que os valores se
aproximem dos pagos em caso de despedimento legal”