Segundo o Sol, "o antigo jornalista Miguel Reis avançou hoje a hipótese de as mortes de Sá Carneiro e Amaro da Costa estarem relacionadas com a alegada promessa de reconhecimento, meses antes, da República Árabe Saauri Democrática (RASD) por parte de Portugal.Numa audição de mais de três horas diante da X Comissão de Inquérito à Tragédia de Camarate, na Assembleia da República, e à qual vai regressar sexta-feira, dado o interesse despertado junto dos deputados, o agora jurista reconheceu algum "peso na consciência por não se ter ido mais a fundo, mas os tempos eram outros", frisando guardar ainda "o cheiro, a memória olfactiva daquela noite"."Não acredito na tese de um atentado tradicional, agora que alguém tramou alguém, tramou. Parece que todas as pistas foram congeladas à nascença. Tenho a convicção de que lhes aconteceu qualquer coisa porque eram pessoas de princípios, pouco flexíveis", afirmou Miguel Reis, para quem a tese de uma eventual intentona ligada à descoberta de tráfico de armas americanas para o Irão "não faz sentido". O antigo redactor do Jornal de Notícias revelou que esteve no deserto do Saara, "semanas", durante negociações entre o Estado português e a Frente Polisário para libertar 15 pescadores feitos reféns por aquela organização. Em troca, Sá Carneiro, então primeiro-ministro, reconheceria a RASD, algo que, disse, iria contra os "poderosos aliados"."É uma região [Saara Ocidental] riquíssima em fosfatos, já para não falar em termos geoestratégicos. Aquele território, que fora o Saara Espanhol, ficou para Marrocos. O que é um facto é que aquelas pessoas [Sá Carneiro e Amaro da Costa] morreram e quem lhes seguiu - todos os Governos - não mais reconheceu a autonomia", continuou, referindo-se depois concretamente a Francisco Pinto Balsemão, que sucedeu a Sá Carneiro como primeiro-ministro."Balsemão não era só o director do Expresso, era o homem do [Henry] Kissinger em Portugal", afirmou, sugerindo alegadas relações próximas entre o fundador do Grupo Impresa e o conselheiro de presidentes dos EUA como Dwight Eisenhower, John F. Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon e Gerald Ford, além de secretário de Estado (Negócios Estrangeiros) de Nixon, no sentido de não interessar à administração norte-americana a emancipação da RASD.O antigo jornalista adiantou ainda que Balsemão será membro do "Clube de Bilderberg", uma conferência anual, desde 1954, para promover as relações América-Europa, juntando personalidades das esferas políticas, académicas e empresariais e "que joga muito alto no seio das nossas elites". O também director-adjunto do jornal "Portugal Hoje", que noticiou no início da década de 1980 o comércio de armas dos Estados Unidos para o Irão, através de Portugal, estranhou igualmente o facto de o então líder do executivo da Aliança Democrática (PPD/CDS) e seu ministro da Defesa Nacional terem viajado para o Porto de avião porque, "naquela altura, não se usava, andava-se de automóvel". Miguel Reis foi respondendo às questões de Pedro do Ó Ramos (PSD), Isabel Oneto (PS), Ribeiro e Castro (CDS-PP) - secretário de Estado adjunto do então vice-primeiro ministro, Freitas do Amaral - e de um representante das famílias das vítimas, o realizador de cinema Luís Filipe Rocha, face à ausência de três deputados do PCP e dois do BE."O Ayatolah Kohmeini (Irão) foi criado pelos serviços secretos franceses e o Saddam [Hussein] era sócio de Donald Rumsfeld (secretário da Defesa de Ford, W. Bush e enviado especial ao Médio Oriente durante os mandatos de Reagan) e uma criação da administração norte-americana, que deu dinheiro para todos os partidos da Europa, incluindo os portugueses", acusou, sem revelar fontes por respeito ao código deontológico dos jornalistas, sobre o conflito Irão-Iraque (1980-88). O antigo jornalista vai voltar a ser ouvido na Assembleia da República na sexta-feira, um dia depois de a viúva de Celestino Amaral ser também questionada pelos grupos parlamentares. A X comissão de inquérito ao caso Camarate visa averiguar as "causas e circunstâncias em que, no dia 4 de Dezembro de 1980, ocorreram as mortes do primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, do ministro da Defesa Nacional, Adelino Amaro da Costa, e seus acompanhantes".