terça-feira, setembro 11, 2012

Opinião: "A Holanda que assusta Merkel




"Todos os olhos estão postos numa data: 12 de Setembro. O Tribunal Constitucional alemão declarará se o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE, dito Fiscal Compact) viola ou não a Constituição alemã e os holandeses elegerão um novo Parlamento. Curiosamente, a chanceler Angela Merkel tem parecido mais preocupada com a Holanda do que com o tribunal de Karlsruhe. Tem alguma razão.
Até há poucos anos, os holandeses estavam obcecados com a imigração, o multiculturalismo e o fantasma do islão. Com a crise do euro, mudaram de obsessão. A campanha eleitoral decorreu sob o signo do eurocepticismo.
Ao longo de Agosto, as sondagens indicavam a vitória dos eurocépticos do Partido Socialista (SP), de Emile Roemer. O SP votou contra o resgate da Grécia, discorda da ajuda à Espanha, recusa a "união bancária" e a transferência de poderes para Bruxelas e promete um referendo para retirar o país do MEE, opondo-se categoricamente ao limite dos 3% para o défice. A sua vitória mudaria os equilíbrios na zona euro e faria Merkel perder o mais estreito aliado.
Mas, depois dos debates na televisão, há sinais de inversão da tendência de voto, a favor dos "pró-europeus": os liberais (VVD), do primeiro-ministro Mark Rutte, e os trabalhistas (PvdA), de Diederik Samson. Rutte é um "falcão" do rigor orçamental. Samson - à moda de François Hollande - exige a revisão do Fiscal Compact e medidas de crescimento.
São estes três partidos que disputam a vitória relativa, pois na Holanda não há maiorias absolutas: o que está em jogo é quem organiza a coligação governamental.
Um quarto partido, entre os dez representados no Parlamento, tem tido um papel central no puzzle político: o xenófobo Partido para Liberdade (PVV), de Geert Wilders, que defende a saída do euro e da UE.
O fiasco de Wilders
Em Abril, Wilders jogou e perdeu. Foi ele quem levou à dissolução do Parlamento: fazia parte da maioria e votou contra um orçamento de austeridade, tentando capitalizar o descontentamento dos holandeses.
Após a demissão de Rutte, o orçamento para 2013 foi aprovado por uma maioria de emergência de cinco partidos, incluindo os trabalhistas: prevê medidas como o aumento do IVA, uma redução das despesas da saúde, maior flexibilidade nos despedimentos, congelamento dos salários da função pública, elevação gradual da idade de reforma.
As medidas de austeridade, sobretudo as que tocam o welfare state, são vistas na Holanda como efeito de uma causa externa - a crise do euro. Atenas e Bruxelas estão no banco dos réus. A Holanda é dos mais competitivos países do mundo - à frente da Alemanha no ranking do World Economic Forum. Mas a economia estagna, há uma crise imobiliária, cai o investimento e retrai-se o consumo.
"Queremos ser senhores da nossa moeda ou queremos ser escravos de Bruxelas?", perguntou Wilders num debate televisivo. "Nem mais um cêntimo para a Grécia" é uma palavra de ordem popular, partilhada por Mark Rutte. À esquerda, Bruxelas é criticada por impor, a reboque de Berlim, "políticas neoliberais".
Wilders sempre foi eurocéptico mas a sua campanha pela saída da Holanda do euro e da União Europeia passou uma "linha vermelha". Não foi difícil a Rutte mostrar num debate que isso teria um efeito "devastador para a economia e para o emprego na Holanda", um dos grandes beneficiários da moeda única.
Por outro lado, a imagem de marca de Geert Wilders está colada à islamofobia, o que nas anteriores eleições lhe valeu muitos votos. Hoje não.
Os temas anti-imigração deixaram de interessar os eleitores, preocupados com a crise financeira. A própria iniciativa de abrir a crise parlamentar de Abril voltou-se contra Wilders. O voto antieuropeu começou a deslocar-se não para ele, mas para os socialistas, a "esquerda da esquerda".
A transferência de votos atingiu um nível impressionante. E o facto de nem à esquerda nem à direita haver um partido dominante acentua as flutuações.
O mais interessante não é sequer esta alta volatilidade, mas o modo como a crise do euro e as reformas do welfare state perturbam e fazem oscilar os eleitores na europeíssima Holanda.
O tomate e a estrelinha
O SP holandês é um caso inédito na Europa. Nasceu em 1971, como cisão maoísta (marxista-leninista) do Partido Comunista Holandês. Depois mudou o nome para Partido Socialista e começou a implantar-se a nível autárquico.
Com a queda do Muro de Berlim abandonou o marxismo-leninismo, convertendo-se num partido de protesto. O emblema é um tomate com uma estrelinha dourada. Trocou a Internacional por uma música rock. Entrou no Parlamento em 2002. Dispõe actualmente de 15 deputados (9,8% dos votos). Em Agosto, surgiu nas sondagens como primeiro partido - entre 34 e 38 deputados (em 150).
Como cresceu? Capitalizou o descontentamento de eleitores trabalhistas pelo apoio do PvdA às medidas de austeridade. E, sobretudo, drenou uma parte do voto antieuropeu de Wilders.
Alia os slogansanti-Bruxelas a uma oposição sistemática às privatizações, à banca e às reformas do Estado social, que denuncia como diktat de Bruxelas. A circulação do voto faz-se dentro da esquerda e da extrema-direita para a extrema-esquerda.
Mas os debates televisivos correram mal a Roemer, fazendo brilhar o trabalhista Samson. Se este surge com uma imagem de homem de Estado, Roemer veste melhor o fato de chefe da oposição. Dizem analistas que os eleitores perceberam que é quase impossível uma coligação governamental liderada por Roemer. Sinal da mudança dos ventos: Rutte deixou de atacar Roemer para concentrar o fogo em Samson.
A maioria dos holandeses acaba geralmente por se inclinar para o realismo, sublinha o politólogo Hans Vollaard, da Universidade de Leiden. "A integração europeia será apoiada desde que sirva eficazmente os interesses de um pequeno país comercial."
Aguardemos, por prudência, a noite de quarta-feira
”. (texto de opinião do jornalista Jorge Almeida Fernandes, publicado no Publico, com a devida vénia)

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